terça-feira, 5 de abril de 2011

O Financiamento das Instituições de Ensino Superior no Brasil



O Financiamento das Instituições de Ensino Superior no Brasil
Jacques Schwartzman*

1. A ESTRUTURA DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
No ano de 2002, o Brasil contava com 1.637 instituições de ensino superior, divididas entre universidades (162), faculdades integradas, centros universitários e escolas isoladas. Ao todo, abrigavam 3,48 milhões de alunos de graduação, cerca de 100 mil alunos de mestrado e doutorado, 50 mil alunos de 1o e 2o graus e um número não bem determinado de alunos de vários tipos de cursos de extensão.
A maior parte dos alunos de graduação (70%) está matriculada em estabelecimentos privados, a metade em instituições particulares e a outra metade em instituições filantrópicas, comunitárias e confessionais. A participação do setor privado tem sido crescente; em 1997, respondia por 61% das matrículas.
As instituições públicas abrigam 1/3 dos alunos de graduação e quase a totalidade dos alunos de pós-graduação, e se distribuem entre 73 instituições federais e 65 estaduais.

Tabela 1: Instituições de Ensino Superior no Brasil – 2002
CATEGORIA ADMINISTRATIVA
TOTAL UNIVERSIDADES GERAL
CENTROS FACULDADES FACULDDES CENTRO UNIVERS. INTEGRADAS ISOLADAS* EDUCACIONAL TECNOLOGICO
Federal 73 43 1 - 7 22
Estadual 65 31
- - 25 9
Municipal 57 4 2 3 48 -
Privada 1.442
84
74 102 1160 22
- Particular 1125 28 47 85 943 22
- Sem fins Lucrativos 317 56 27 17 217 -
TOTAL 1637 162 77 105 1240 53
Fonte: Sinopse Estatística da Educação Superior, MEC/INEP, 2002. * Incluem Instituto Normal Superior.

* Professor da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e secretário-adjunto de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais. Foi diretor da Face e pró- reitor de Planejamento da UFMG. Integrou a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional da Educação. Tem realizado pesquisas sobre educação há cerca de 15 anos.
1Tabela 2: Brasil: Alunos Matriculados na Graduação - 2002
CATEGORIA ADMINISTRATIVA
Federal
Estadual
Municipal
Privada
- Particular
- Sem Fins Lucrativos
TOTAL
TOTAL GERAL
531. 634
415. 569
104. 452
2. 428. 258
1. 261. 901
1. 166. 357
3. 479. 913
UNIVERSIDADES
500. 459
380. 957
34. 486
1. 234. 757
394. 323
840. 434
2. 150. 659
Superior, MEC/INEP,
CENTROS FACULDADES UNIVERS. INTEGRADAS
FACULDADES ISOLADAS*
3.852
23. 759
49. 202
599. 240
461. 697
137. 543 676. 053
CENTRO EDUCACIONAL TECNOLÓGICO
26. 262
10. 853
-
6. 064
6. 064
-
43. 179
1.061
-
13. 585
415. 669
259. 089
156. 580
430. 315
-
-
7. 179
172. 528
140. 728
31. 800
179. 707
Fonte: Sinopse Estatística da Educação *Incluem Instituto Normal Superior.
2002.
2. FONTES DE FINANCIAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR (IES)
As Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) são constituídas por 39 universidades, 11 faculdades e 11 centros de educação tecnológica, num total de 482.750 alunos de graduação, a grande maioria (459.011) nas universidades. O governo federal é o principal mantenedor, já que nelas o ensino é gratuito e somente cerca de 3,5% do orçamento global é constituído por recursos por elas diretamente arrecadados.
As instituições estaduais, em número de 61, compõem-se de 30 universidades, 23 faculdades e 8 centros de educação tecnológica. No total, abrigam 332 mil estudantes de graduação. O principal financiador são os governos estaduais e o ensino é, também, gratuito. Nem todos os estados possuem universidades próprias e são bastante heterogêneas na sua qualidade e distribuição espacial. Destaca-se o sistema estadual paulista, constituído por três grandes universidades, o maior e de melhor qualidade do país. Outros estados com sistemas importantes são Santa Catarina (com 3 "campi"), Paraná (5 unidades), Rio de Janeiro (2 universidades), Ceará (3 universidades) e Bahia (4 universidades).
As universidades públicas matriculam a grande maioria dos quase 100 mil alunos de mestrado e doutorado. São, também, responsáveis por vários cursos de pós-graduação lato-sensu, mas as estatísticas nesta área ainda são precárias.
As instituições privadas são em número de 1. 422, com 2,4 milhões de alunos de graduação, correspondendo a 70% do alunado do país neste nível de ensino. Destas, 84 são universidades que matriculam 1,23 milhão de estudantes e as outras são centros
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universitários, faculdades integradas e unidades isoladas. Entre as universidades, 28 são particulares e as demais são comunitárias, confessionais (a maioria católicas) e filantrópicas. O que distingue estas três últimas são as isenções fiscais que usufruem, por se caracterizarem como sem fins lucrativos. Isto significa que os resultados positivos de suas atividades devem ser reinvestidos nelas mesmas, não podendo haver distribuição de lucros. Dois são os principais tipos de isenção fiscal: do imposto de renda, para instituições educacionais sem fins lucrativos, e das contribuições para fins de seguridade social, para as instituições educacionais consideradas beneficentes (as chamadas filantrópicas), de utilidade pública e que apliquem integralmente os resultados operacionais na manutenção e desenvolvimento dos objetivos institucionais. A beneficência se caracteriza pela concessão de um desconto de 50 a 100% do valor da mensalidade a alunos considerados carentes, bem como outras “gratuidades” especialmente na área de extensão.
A atual Constituição Federal (CF, Art. 213) veda a alocação de recursos públicos a instituições de educação privadas que não sejam comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Esta regra não se aplica a atividades universitárias de pesquisa e extensão que podem receber apoio financeiro do poder público. Tal apoio, no entanto, ainda mostra reduzida participação no orçamento dessas instituições, devido à sua menor capacidade de concorrer com instituições públicas.
O setor privado de ensino superior já atingiu dimensão respeitável em termos de movimentação de recursos financeiros. Tomando como referência a anuidade média praticada em contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (FIES), em 2001 (2,3 mil dólares), podemos estimar que somente a receita com alunos de graduação gera um faturamento de 5,6 bilhões de dólares, o que é quase o dobro do que o governo federal gasta com as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), excluídos os inativos. Um outro estudo (Ideal Invest, 2003) corrobora este cálculo. Partindo de uma anuidade média de 1,87 mil dólares, chega-se a um faturamento, líquido de bolsas, descontos e inadimplência, de cerca de 4,5 bilhões de dólares.
O financiamento público (mínimo obrigatório) para a educação é estabelecido em lei para todas as esferas de governo e corresponde a um percentual da receita de impostos e transferências. Segundo a Constituição Brasileira (CF, Art. 212): "A União aplicará anualmente, nunca menos de dezoito e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino". Além disso, outros recursos provenientes de contribuições sociais e do salário educação (2,5% da folha
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salarial das empresas) são destinados ao ensino fundamental. O governo federal, além de responsável pela manutenção de 73 IFES, aplica recursos nos programas de merenda escolar, livro didático e no Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, estes últimos direcionados aos níveis básicos. Os estados aplicam seus recursos no ensino fundamental e médio, com crescente importância deste último, sendo que alguns estados possuem significativos sistemas regionais de universidades. Os municípios investem, prioritariamente, em ensino fundamental e no pré-escolar, com reduzida participação no ensino superior.
Os Gastos do Governo Federal
É no Ministério da Educação que se concentra o maior volume de gastos da União com educação superior. No entanto, é significativa a contribuição de outros órgãos federais como FINEP, CNPq, MCT e de algumas fundações de amparo à pesquisa, no âmbito estadual, mais direcionados para o financiamento da pesquisa e da pós-graduação, não só as existentes nas universidades federais, bem como em todas as universidades que conseguem competir por esses recursos.
A análise dos gastos do MEC no período 1993-1999 (tabela abaixo), leva-nos a algumas conclusões:
• Os gastos totais, em valores constantes, do MEC no período analisado, em termos agregados sofreram redução de cerca de 10%, se compararmos o biênio 1994-95 com o quadriênio 1996-99; • As despesas com ensino fundamental apresentam tendência crescente, por duas razões: a primeira, de natureza contábil, pois a partir de 1997 os gastos com merenda escolar, que eram computados no Programa Saúde, passam a integrar o programa Ensino Fundamental. A segunda explicação se encontra nos gastos dos programas de descentralização do governo federal, em especial o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF); É também significativo o gasto com a distribuição de livro didático para o ensino fundamental.
• É nítida a queda absoluta e percentual com gastos no ensino médio; • Os recursos para as IFES também diminuem ao compararmos o biênio 1994-95 com o quadriênio 1996-99. Este movimento, certamente, está relacionado à reposição parcial de servidores das IFES, à contenção dos salários e a supressão de diversas "vantagens" dos servidores a partir de 1995. Por outro lado, crescem em termos absolutos e proporcionais os gastos com inativos e pensionistas (incluídos no orçamento das IFES). De fato, os
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gastos previdenciários, que eram de 14,94% do total em 1993, passam a mais de 19% em 1999.
Tabela 3: MEC: Distribuição Percentual do Gasto Total por Programa - 1993-1999
PROGRAMAS 1993
1994 1995
1,66 1,52 16,01 12,82 5,12 5,56 44,19 45,36 12,19 13,78 16,57 16,20 4,26 4,77 100,00 100,00
7,74 7,76
1996 1997 1998 1999
1,74 5,78 5,89 3,70 14,09 17,33 23,39 20,30 4,77 4,64 4,31 4,76 44,86 44,74 39,83 45,52 12,55 4,75 4,75 1,89 17,51 18,63 18,29 19,42 4,47 4,12 3,54 4,40 100,00 100,00 100,00 100,00
2,51 13,18 7,05 46,00 Saúde 13,15 Previdência 14,94 Outros 3,17 Total MEC 100,00
Administração do MEC Ensino Fundamental Ensino Médio Educação Superior
Em bilhões de dólares de dez.99
5,60
7,02 6,72 7,26
6,89
Fonte: Ribeiro, José Aparecido C., "Financiamento e Gasto do Ministério da Educação nos anos 90", Em Aberto, dezembro de 2001, p. 33-42.
Brasília, vol. 18,
A Tabela abaixo, relativa ao período mais recente (2001-2002) apresenta características semelhantes ao período acima analisado, evidenciando a preponderância do ensino superior e os gastos totais em educação superando o mínimo obrigatório (18%). Por outro lado esta Tabela inclui estimativas de renúncia fiscal, subsídios e empréstimos e não contabiliza os gastos previdenciários com inativos e pensionistas.
Itens
2001 8.963,4
1.634,6 476,2
658,0
% Total 83,8
15,3 4,5
6,1
4,7 53,8 11,6
3,7
2002 % Total
9223,1 82,3
1.274,8 11,4 431,4 3,8
352,1 3,1
491,4 4,4 6.306,0 56,3 912,4 8,1
446,2 4,0
1. Gastos Diretos
A - Ensino Fundamental Transferência para Estados e Municípios (FUNDEF) Livro Didático, Bibliotecas
e Transporte Escolar Outros
500,4 5.751,9 Graduação 1.236,1
Bolsas 398,7
B - Ensino Superior
Tabela 4: Gastos do Governo Central com Educação
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Outros 127,3
1,2 186,5 1,7 37,3 4.760,0 42,5
7,7 799,5 7,1
2,7 164,8 1,5 3,4 446,6 4,0 1,1 133,4 1,2 0,4 54,7 0,5
2,6 442,1 3,9
0,2 20,4 0,2
0,1 7,0 0,1 0,1 13,4 0,1
0,0 6,8 0,1
1,7 138,0 1,2
2,5 235,4 2,1
11,4 1.366,4 12,2
5,4 557,1 5,0 1,9 226,5 2,0 1,6 249,2 2,2 2,0 259,5 2,3 0,3 39,2 0,4 0,2 31,8 0,3 0,0 3,1 0,0
4,8 616,5 5,5
4,8 616,5 5,5
100,0 11.206,0 100,0
Despesas com Pessoal
C - Ensino Médio e Profissional
Ensino Profissional Despesas com Pessoal Ensino Médio Despesas com Pessoal
D - Educação de Jovens e Adultos - Alfabetizados e Supletivo
E - Educação Especial
Despesas Finalísticas Despesas com Pessoal
F - Educação Infantil
G - Cultura - Patrimônio e Difusão
H - Outros
2. Renúncias Tributárias e Subsídios
Deduções com Despesas de Instrução do IRPF FIES-subsídio Programa Nacional de Apoio a Cultura Entidades Educacionais sem Fins Lucrativos Entidades Culturais sem Fins Lucrativos Entidades Científicas sem Fins Lucrativos Doações a Institutos de Ensino e Pesquisa
3. Empréstimos
Financiamento ao Estudante - FIES
3.989,7
819,1
287,5 367,7 122,0
42,0
277,8
21,5
10,0 11,4
3,7
184,5
270,4
1.223,2
582,5 199,7 168,6 210,2
31,8 25,7 4,7
513,4
513,4
TOTAL 10.699,9
Fonte: Ministério da Fazenda - Gastos Social do Governo Central - 2001 e 2002.
Pode-se examinar, ainda, a questão do financiamento pelo MEC por dois outros ângulos. O primeiro é de se saber se o governo federal está gastando, com educação, o previsto em lei: 18% dos impostos federais, deduzidas as transferências da União para estados e municípios. Em 1995, de acordo com Negri (1997), estimava-se que os gastos mínimos do governo federal fossem de 5,9 bilhões de dólares. Comparando-se este número com os gastos das IFES nesse mesmo ano, de 3,4 bilhões, e com os gastos totais do MEC (7,76 bilhões), constata-se que o governo federal gasta, com educação, bem mais do que o exigido por lei. Uma outra fonte (Sena, 2002) confirma esta conclusão, ao dizer que foram aplicados pela União em manutenção e desenvolvimento do ensino, no período de 1990 a
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2002, um percentual médio de 25,8% das receitas tributária líquidas, bem acima dos 18% obrigatórios. O mesmo ocorre no período 2001-2002, de acordo com os dados do Ministério da Fazenda.
Uma outra questão é determinar a importância dos gastos em educação em comparação com outras despesas da União. Além de apresentar gastos constantes em declínio, a participação do MEC, em comparação com a evolução da receita tributária e de contribuições, apresentou diminuição no período 1995 a 2003, passando de 8,6% para 5,4% dos gastos totais da União. Mais recentemente, 2000-2003, a participação percentual do MEC na receita corrente líquida da União também caiu, de 9,2% para 8,2% . (Sena, 2002).
O Financiamento das IFES
Pode-se analisar esta questão também pela ótica de se saber se os gastos com as IFES são suficientes para determinar uma boa qualidade de ensino e até mesmo permitir algum crescimento. Neste sentido, pode-se comparar a evolução dos gastos com as IFES com o incremento do número de estudantes, da pesquisa, da extensão e da qualidade do ensino. Discutiremos, também, a questão de se a forma de financiamento dos gastos das IFES pelo governo federal leva à eficiência na alocação desses recursos públicos.
A tabela abaixo apresenta as despesas efetuadas pelas IFES com recursos do Tesouro e próprios. Ao deflacionarmos os valores apresentados, verificamos uma queda real em relação às duas fontes, quando tomamos como referência o ano de 1995.
Tabela 5: Instituições Federais de Ensino Superior: Execução Orçamentária do MEC, 1995-2002 (valores a preços de 2002)
Ano
1995
1996
1997
1998 *
1999 **
2000
2001
2002
Pessoal
Ativo
5.253,9
4.450.3
4.175,4
4.284,6
4.810,4
4.867,8
4.545,5
4.911,0
Inativo
2.001,1
1.897,3
1.946,3
2.092,0
2.294,4
2.267,5
2.229,6
2.475,0
Convênios Custeio
1.171,5
1.144,2
1.154,6
1.089,9
1.282,6
1.195,0
1.092,7
985,0
Total do Tesouro
8.426,6
7.491,7
7.276,3
7.471,5
8.387,5
8.330,3
7.867,9
8.371,0
Receitas próprias
421,2
743,1
686,6
612,9
312,6
313,2
320,8
299
Total Geral
9.347,8
8.234,8
7.962,8
8.084,4
8.700,1
8.643,5
8.188,7
8.670,0
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Em US$ de 2002
1.681,0
847,4
337.1
2.865,3
102,3
2.967,6
Deflator: IPCA - IBGE, junho de cada ano * Entre 1998 e 2000, as despesas com professores substitutos passaram a ser classificadas como 'Custeio', mas estão computadas como 'Pessoal ativo' para fins de comparação com o restante da série. ** A partir de 1999, o faturamento dos hospitais de ensino junto ao SUS deixou de ser classificado como receita própria e passou a ser executado na forma de destaque do Fundo Nacional de Saúde. Esses recursos representavam cerca de 300 milhões de reais por ano até 1998 e estão excluídos em 1999 e 2000. Obs.: Estão incluídas as emendas parlamentares executadas em 1999 e 2000 em favor das instituições beneficiárias. Fonte: Souza, Paulo Renato. A Revolução Gerenciada. 2004, p. 194.
São várias as explicações para esta redução: • Deixaram de ser importantes (a partir do final de 1995), as práticas de gerar saldos financeiros que pudessem ser aplicados no mercado, dando origem a receita inflacionária para as IFES; transformada em "recursos próprios". Como veremos abaixo, de fato estes são recursos do Tesouro que se transformam em "próprios". Além destes, podemos encontrar, nesta rubrica, parte dos recursos transferidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos hospitais universitários, além de pequenas taxas, inclusive as do vestibular. • O enquadramento de todas as instituições do MEC no Sistema Integrado de Administração de Pessoal (SIAPE Administração), desde outubro de 1997, tornou mais centralizada a administração de pessoal, repassando-se para as IFES, o estritamente necessário à cobertura das despesas com pessoal. • A política salarial foi a de contenção, apesar de que, mesmo no período do real (junho de 1994 a junho de 2000), a inflação tenha sido de 88,3%, quando medida pelo IPCA do IBGE. Várias medidas foram adotadas pelo governo federal no sentido de reduzir "vantagens" dos servidores, podendo destacar-se as restrições a incorporações de chefias, a eliminação da progressão funcional por ocasião da aposentadoria, a eliminação da compra compulsória de férias, o congelamento da gratificação por tempo de serviço, o aumento do tempo de serviço para aposentadoria e outras de menor importância.
Em 1994, foi concedido aumento geral ao funcionalismo público, que veio a repercutir na folha do ano seguinte, razão pela qual 1995 é o ano de pico da série. A partir daí, somente em julho de 1998 tivemos um aumento para docentes (criação da Gratificação de Estímulo à Docência - GED) que beneficiou apenas parcialmente os inativos. Em Janeiro de 2001, a GED foi reajustada. Quanto aos funcionários, obtiveram gratificação semelhante (GDAE), o que ocorreu apenas em maio de 2000, embora alguns setores das
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IFES tenham se beneficiado de ajustes em algumas carreiras, como foi o caso dos procuradores. • As autoridades do MEC entendiam que o sistema federal tinha problemas de eficiência e custos e que as relações aluno/professor e aluno/funcionário precisavam ser ampliadas, até atingirem padrões internacionais. Por estas razões, a reposição de servidores que se aposentavam ou se exoneravam foi feita apenas parcialmente. O quadro de docentes reduziu-se de 48.416, em 1990, para 42 619, em 2000 (12%), e a de técnico- administrativos de 97 543, em 1966, para 86.888 em 2000 (17%). Por outro lado, no período 1994-2000, a matrícula em cursos de graduação elevou-se em 33% e, na pós- graduação, em 106%. Em conseqüência, a relação aluno/professor aumentou de 7,3, em 1990, para 12,1 em 2000 (esse cálculo inclui alunos de graduação e pós-graduação). E como a substituição (parcial) dos docentes foi feita, em sua maior parte, nos níveis mais altos da carreira, como professores adjuntos, o índice de titulação melhorou significativamente, dobrando o número de docentes com o título de doutor ao longo da década.
Como resultado destas políticas, em especial a contenção da folha de pessoal e o aumento da matrícula na graduação e na pós-graduação, observamos uma queda no gasto por aluno na década de 90, quando comparado às décadas anteriores (ver Schwartzman, J, 1999, p.132). Na década de 70, o gasto por aluno aumentou em aproximadamente 40%, coincidindo com a implantação da dedicação exclusiva para docentes. Na década de 80, o gasto chegou a dobrar, se compararmos os primeiros anos da década com 1989, ano de pico da série. Este movimento de alta na década de 80 está possivelmente relacionado à política salarial da época que atrelava os salários à inflação, sendo que em alguns anos o reajuste salarial chegou a ser mensal. Houve, também, expressivos aumentos na contratação de professores e funcionários. Já na década de 90, observamos uma queda no gasto por aluno, que, em valores constantes de 2001, apresenta uma redução de 24% entre 1995 e 2000, passando de 7,6 mil dólares para 5,9 mil dólares.
O que se discute hoje é se este movimento de queda ainda tem espaço para prosseguir ou se já começa a afetar a qualidade do ensino, em razão de turmas maiores, maior número de ingressantes menos qualificados, com dificuldades para acompanhar os estudos, aumento da carga de aulas por professor e a necessidade de se buscarem recursos extras, para complementação de salários e de despesas de custeio, por meio de atividades de extensão.
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Pode-se concluir que os gastos do poder público federal com educação superior eram elevados e crescentes, quando comparados a países de renda per capita semelhante e quando comparados aos outros níveis de ensino. De fato, o diagnóstico do governo, que assumia em 1995, era de que ainda havia desperdícios, o que se evidenciava em baixas relações de aluno/professor e funcionário e altos custos por aluno. Este entendimento, como se viu é o que levou a uma redução dos recursos aportados pelo governo federal para as IFES. Mas, pode-se afirmar que esses gastos são compatíveis com uma boa qualidade do ensino e da pesquisa? Pode-se dizer que os recursos alocados estão sendo utilizados de maneira eficiente?
Em relação à qualidade do ensino e da pesquisa nos estabelecimentos federais, os dados mostram resultados bem expressivos. No sistema federal, em 2000, 37% dos professores tinham doutorado (em 1994 eram 21%), comparados com 22% do total dos professores do ensino superior em geral. O Brasil tem tido participação crescente na produção científica mundial nos últimos anos. Em 1985, esta participação era de apenas 0,48% da produção científica mundial, com 2,3 mil artigos indexados. Em 2002, o país estava na 21a posição, com 1,53% de participação e 9,5 mil artigos indexados. A grande maioria desses artigos foi produzida em universidades públicas, incluindo-se, com destaque, o sistema estadual paulista, mas também com significativa participação das IFES. (ver MEC, Fatos sobre a educação no Brasil, 1994-2001).
Quanto à qualidade do ensino, pode-se recorrer ao Exame Nacional de Cursos, implantado em 1996 e que procura aferir a qualidade, em termos comparativos, de cursos de graduação. No primeiro ano, os 46 cursos das IFES avaliados obtiveram 50,0% de "A" e "B". Já em 2000, esses mesmos conceitos foram atingidos por 57,8% dos 329 cursos avaliados. Os resultados da avaliação para a pós-graduação, realizada pela CAPES, mostram resultados igualmente bons para as federais. Este bom desempenho esta relacionado ao aproveitamento da capacidade ociosa de professores em tempo integral e de espaço físico.
IFES: eficiência na alocação de recursos
Até o início da década de 90, pode-se dizer que a alocação de recursos do MEC entre as IFES se baseava, fortemente, em critérios históricos, ou seja, o orçamento de um ano tendia a repetir o do ano anterior, salvo interferências de ordem política que podiam favorecer esta ou aquela instituição em determinado momento. A principal razão para a existência de orçamentos "automáticos" estava na rigidez da folha de pessoal, que
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corresponde a mais de 90% dos recursos do Tesouro repassados às IFES. Os recursos para pessoal sempre foram transferidos pontualmente e integralmente, correspondendo à força de trabalho existente nas IFES.
Em relação aos recursos de Outros Custeios e Capital (OCC), cada IFES recebia do governo federal um "teto", que era distribuído pelas IFES nas várias rubricas. Esse valor máximo tendia a repetir o do ano anterior, mas o seu repasse não tinha a mesma regularidade de liberação, como ocorria com a folha de pessoal, ficando ao sabor da disponibilidade orçamentária e financeira do governo federal, o que provocava perdas importantes em épocas de inflação mais elevada. Como resultado, ao longo de muitos anos, os recursos de OCC, repassados pelo Tesouro, se mantiveram constantes em termos reais ou mesmo declinantes, apesar do crescimento do número de IFES, do número de alunos e da expansão da área física, que ocorreram nas décadas de 70 e 80.
A solução encontrada pelas IFES para esta diminuição de recursos para OCC, praticada até o final de 1995, ocorreu através de mecanismos informais, possíveis tão- somente em épocas de inflação e de controle pouco rígido das despesas de pessoal. As IFES, por sua própria iniciativa ou induzidas pela burocracia do MEC, elevavam a requisição mensal para pagamento de pessoal, dentro de faixas aceitáveis para o MEC e respaldada pelas possibilidades naturais de aumentos provocados por promoções, abono de férias, mudanças de regime de trabalho, etc. Os recursos não utilizados para pagamento de pessoal eram, então, aplicados no mercado financeiro e obtinham elevados rendimentos nominais, devido à forte inflação do período. Eram, então, transformados em receitas próprias e usados em despesas de OCC. No final do ano, os recursos de pessoal, não utilizados para este fim, deveriam ser devolvidos ao Tesouro, embora o acerto fosse feito em termos nominais.
Este mecanismo informal de financiamento de OCC, aliado a orçamentos automáticos para pessoal, gerou importantes distorções. Em relação a pessoal, nunca houve (até 1995) uma sinalização para qualquer tipo de incentivo para racionalizar a folha de pessoal. Por um lado, excessos de contingente de pessoal não eram combatidos pelas IFES, seja porque sempre tiveram enormes dificuldades legais e políticas para demitir, seja porque economias de pessoal redundariam apenas em menores orçamentos de pessoal, cujo aproveitamento não seria possível para outras finalidades. Por outro lado, o que se conseguia introduzir no orçamento de pessoal (mais servidores, mais professores em tempo integral, mais promoções) tendia a permanecer, devido à rigidez da política de pessoal.
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Tal atitude era particularmente notável em relação à política de concessão de dedicação exclusiva (DE) a docentes. A IFES recebia autorização para preencher um cargo de professor (e não os recursos financeiros correspondentes), que poderia ser contratado em tempo parcial ou integral. Como os recursos para pessoal eram pagos pelo Tesouro havia o incentivo para que todos fossem contratados em dedicação exclusiva, já que era melhor para a IFES e nada lhes custava (o percentual de professores em DE, passou de 19,8% em 1973 para 85% atualmente). Da mesma forma, as promoções eram facilitadas, as causas trabalhistas tinham suas defesas relaxadas e quanto mais servidores administrativos se pudessem introduzir, melhor, já que se evitariam gastos de OCC com terceirização de serviços. O resultado era que o administrador universitário se via incentivado a aumentar os gastos com pessoal e não a diminuí-los, introduzindo-se o que descrevemos como a racionalidade da ineficiência. (ver Schwartzman, J. 1991).
Quanto aos recursos "próprios", destinados a OCC, a grande distorção estava na alocação desses recursos entre as IFES. Havia aquelas que se recusavam a utilizar-se do mecanismo de inflar a folha de pessoal e, portanto, enfrentavam sérias dificuldades financeiras e outras que chegavam a exagerar na criação de saldos. O volume de excedentes, gerados em cada IFES, dependia mais da capacidade técnica de criá-los de forma convincente e da teia de relações pessoais com os burocratas do MEC, que aprovavam o montante solicitado, do que propriamente de avaliações de necessidade ou mérito, conduzidas pelos responsáveis pela política de ensino superior do MEC.
No início da década de 90, houve a primeira tentativa consistente de distribuir recursos baseados em critérios objetivos, tais como o número de alunos formados, área utilizada, qualidade da pós-graduação e outros. No entanto, esta matriz não poderia abranger o orçamento de pessoal, devido às inflexibilidades já apontadas, ficando limitada a OCC. Ainda assim, devido a pressões políticas daqueles que perdiam com a nova lógica de distribuição e o fato de prosseguirem inalteradas as práticas de geração de saldos de pessoal, esta matriz nunca foi utilizada para alocar mais de 10% de OCC.
No final da década de 90, após a eliminação da possibilidade de geração de saldos financeiros com folha de pessoal, institui-se uma nova matriz de distribuição de recursos que aloca 100% de OCC e é, também, utilizada para distribuição de alguns outros eventuais recursos do MEC para programas especiais. Essa nova matriz considera variáveis de pesquisa (15% do peso) e ensino (85%), tais como a eficiência na diplomação de alunos, o turno em que os cursos são oferecidos, a área de conhecimento dos cursos, o volume e a avaliação qualitativa da pós-graduação. Embora só tenham sido utilizadas para
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distribuir pequena parte do orçamento total até agora, as matrizes têm-se mostrado importantes para introduzir a cultura de avaliação e aferição de resultados, o que tende a tornar mais racional a alocação de recursos entre as IFES.
O principal problema do financiamento das IFES foi e permanece sendo a questão da distribuição de recursos para pessoal, nem que seja pela magnitude deste item. O governo federal, na década de 90, diagnosticava excesso de pessoal, mas possuía recursos administrativos limitados para tratar desta questão. Os instrumentos de que hoje dispõe para enfrentá-la são dois: a reposição parcial dos servidores, que se exoneram por demissão ou aposentadoria, e uma política salarial que não compensa, totalmente, as perdas provocadas pela inflação. Ocorre que estes instrumentos têm sido aplicados de forma linear, sem contemplar necessidades setoriais e as peculiaridades das IFES, trazendo enormes dificuldades para determinados setores delas, como veremos mais adiante.
Outro grande problema é o da necessidade que as IFES têm de gerar mais recursos para OCC, em virtude do esgotamento do modelo anterior, baseado na aplicação financeira dos excessos da rubrica de pessoal. Na década de 90, especialmente a partir de 1995, os recursos próprios para OCC começaram a declinar e não foram compensados completamente por repasses do Tesouro, como se pode ver na Tabela 5.
Existe ainda uma questão de ordem mais geral que é a forma de organização das IFES, quase todas elas sob a forma de universidades. Ocorre que a CF no Art. 207 diz que: "As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". Embora a autonomia universitária das IFES ainda não tenha sido regulamentada e não se saiba, exatamente, o que significa esta "indissociabilidade", é certo que a cultura vigorante nas IFES é que a pesquisa é importante, assim como o é a extensão e, para tanto, os professores devem estar inteiramente dedicados à universidade e engajados nestas atividades. Ocorre, no entanto, que é bastante diversificada a qualidade das IFES e nem todas elas têm condições de realizar pesquisa relevante e com um mínimo de qualidade. Mesmo assim, prevalece o regime de dedicação exclusiva entre os professores, efetuam-se gastos com equipamentos e sua manutenção e os professores são avaliados, predominantemente, por suas publicações. Como nem todos os setores de uma universidade têm capacidade para fazer pesquisa relevante e de qualidade, gera-se um grande desperdício (em parte responsável pela elevada relação custo por aluno). Como veremos, esta questão afeta, também, em menor grau, as universidades estaduais assim como as privadas.
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Em 1997, através do Decreto 2207, o governo federal, criou a figura do Centro Universitário, que consiste numa forma de organização do ensino superior, ao qual se concede quase o mesmo nível de autonomia das universidades (para criar e extinguir cursos, alterar vagas, etc.), desde que se comprove a excelência de ensino nos cursos de graduação. Do ponto de vista do financiamento, esta foi uma solução engenhosa, pois concedia autonomia sem as custosas exigências de pesquisa e extensão. Embora esta tenha sido uma boa medida para as IES privadas, que deixaram de pedir sua transformação em universidades, não funcionou nem para as IFES nem para as universidades privadas já existentes, pois entendiam sua conversão em centro universitário como "rebaixamento". Devido à pressão das universidades privadas, que viam, nesses centros, concorrentes com menores custos e menores responsabilidades (mas com quase a mesma autonomia), o atual governo proibiu a criação de novos centros e passou a exigir dos mesmos a atividade de pesquisa e outros itens que os tornarão semelhantes às universidades privadas hoje existentes.
Outra importante questão do financiamento refere-se ao tratamento dado a aposentados e pensionistas, tanto no que se refere à sua permanência no orçamento das IFES (sendo contabilizados como gastos com educação e não como gastos previdenciários) como da sua relação com a política de pessoal dos servidores ativos. Examinaremos ainda a atuação das fundações de apoio, a situação especial vivida pelos hospitais de ensino, devido à sua importância nas contas das IFES, e o importante papel exercido por outras fontes de financiamento governamentais. Para concluir, analisaremos as implicações, na perspectiva da eqüidade, do financiamento de alunos das IFES com base no ensino gratuito.
Aposentados e Pensionistas
A folha de inativos das IFES cresceu espetacularmente a partir de 1991, com a introdução do Regime Jurídico Único (RJU) em 1990. Em 1992, os inativos absorviam 9,6% da folha total de pessoal, em 1993, 23,38%, e em 2000 chegou a 31,7%. Até a introdução do RJU, a maioria dos servidores encontrava-se sob o regime da CLT e poucos eram os denominados estatutários. Os que se aposentavam pela CLT tinham seus proventos limitados a um teto que variava de 10 a 20 salários mínimos, dependendo do período. De qualquer forma, a responsabilidade pelo pagamento cabia ao INSS, para onde se dirigiam as contribuições previdenciárias dos celetistas, uma vez que esses valores não compunham o orçamento das IFES. Quanto aos estatutários, em número bem menor, seus
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benefícios correspondiam a uma aposentadoria com os mesmos salários da ativa (aposentadoria integral) e os valores respectivos integravam os orçamentos das IFES. Com a implantação do RJU todos os celetistas tornaram-se estatutários e estáveis e passaram a ter direito à aposentadoria integral.
Inicialmente, pensou-se que a aposentadoria integral não seria um ônus excessivo, pois o governo federal deixaria de pagar os 8% correspondentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e os outros encargos patronais da folha, e os servidores passariam a contribuir para o Plano de Seguridade Social (PSS) do governo federal, em torno de 11% do salário. A expectativa de implantação do RJU fez com que muitos servidores aguardassem esse momento para efetivar suas aposentadorias, o que de fato ocorreu a partir de 1991. A combinação de proventos integrais e até superiores aos salários da ativa (a lei determinava uma promoção na passagem para a inatividade e cessava a contribuição para o PSS) com aposentadorias precoces (30 anos para homens e 25 para mulheres, prazos que na realidade podiam ser até inferiores) tornou a aposentadoria extremamente atrativa e provocou uma enxurrada de exonerações.
A inclusão deste item no orçamento das IFES trouxe pelo menos duas grandes questões. A primeira é a de que gastos com inativos representam despesas previdenciárias e não gastos com a manutenção de ensino, provocando sérias distorções em análises comparativas com os orçamentos de instituições privadas, nacionais e estrangeiras. Deveria haver o correto financiamento, de tal sorte que os gastos com inativos fossem cobertos por fontes bem definidas, ensejando equilíbrio atuarial. No entanto, os recursos arrecadados para este fim, a contribuição de cerca de 11% do salário dos servidores ativos (PSS), além de não integrarem a receita das IFES, não suportavam os gastos de uma aposentadoria integral e precoce.
Neste sentido, algumas tentativas foram feitas, visando reverter a situação, tais como o aumento do tempo de serviço para a aposentadoria (35 anos para homens e 30 para mulheres), a proposta, aprovada recentemente (fins de 2003) no Congresso Nacional, de cobrar contribuição dos aposentados e implementada em 2004 após decisão do Supremo Tribunal Federal, eliminação da promoção por ocasião da aposentadoria, a ainda inconclusa criação de empregos públicos (que prevê a aposentadoria pelo INSS) e a revogação da possibilidade de transformar licenças-prêmio em tempo para aposentadoria. Todas estas medidas, algumas ainda dependendo de aprovação pelo Congresso Nacional, só surtirão efeito no médio e longo prazos e, ainda assim, de forma parcial.
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A segunda questão é que esses gastos são volumosos, representando mais de 30% dos gastos totais com pessoal e estão cristalizados por diversos dispositivos legais. A única política possível para baixar os gastos com este item, a curto prazo, é a não reposição integral de salários que atinge indistintamente ativos e inativos. Isso ocorre porque a Constituição Federal não permite índices diferentes de correção salarial entre as duas classes, levando a uma pressão por índices mais baixos de correção e introduzindo sérios problemas no mercado de trabalho de docentes e demais servidores. Em suma, a política salarial dos ativos tem sido determinada, em boa parte, por seu atrelamento jurídico a dos inativos e até a dos pensionistas. Recentemente, um novo expediente foi criado, através do qual se concedem gratificações ao pessoal da ativa, como as de desempenho, que logicamente não deveriam ser transferidas a inativos e pensionistas. No entanto, esta medida encontra forte resistência junto aos sindicatos de servidores públicos e está sujeita a contestações judiciais. Em relação aos gastos previdenciários, é de se destacar sua importância na composição dos orçamentos das IFES, atingindo a mais de 30% da folha total de pessoal.
Na Tabela 5, pode-se constatar o efeito dessas políticas sobre o orçamento das IFES. Enquanto no período analisado, os gastos com pessoal ativo nas IFES diminuíram em termos reais, os dispêndios com inativos e pensionistas elevaram-se continuamente.
Fundações de Apoio às Universidades
As fundações de apoio às universidades federais começaram a ser criadas, pelas próprias IFES; ainda na década de 70, visando a obtenção de maior autonomia administrativa, especialmente no gerenciamento de atividades de pesquisa. Por serem de direito privado, podiam atuar com mais liberdade na área de compras, inclusive importações, contratação de pessoal celetista e prestação de contas, conferindo maior agilidade e melhor qualidade de serviços. Em anos mais recentes, especialmente na década de 90, passaram, também, a ser importantes veículos de captação de recursos, que tinham como principal objetivo a complementação de salários de servidores e de recursos extras para unidades e departamentos. Esta foi a resposta encontrada para a crescente dificuldade de recursos de OCC e para a contenção salarial. De fato, hoje existem mais de 100 fundações ligadas às IFES, que se tornaram um essencial suporte na captação de recursos extras, principalmente aqueles oriundos da prestação de serviços e do oferecimento de cursos de extensão. Na maior parte das vezes, esses recursos não passam pelos orçamentos das IFES, sendo receitas e despesas contabilizadas somente nas fundações. Estes e outros
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procedimentos têm sido objeto de acompanhamento pelo Tribunal de Contas da União e outros órgãos de fiscalização, mas ainda sem uma definição clara das práticas que devam ser adotadas. Recentemente, o Decreto 5 205 de 14/9/2004 regulamente de forma mais clara as relações das Fundações com suas respectivas Universidade apoiadas.
Além de subestimarem o verdadeiro orçamento das IFES, existe sempre o perigo de que as atividades captadoras de recursos se sobreponham, em importância, a outras de natureza acadêmica, competindo com cursos de graduação, tempo para pesquisa e orientação de alunos. Contudo, este não é um problema a ser resolvido pela fundação, já que esta é apenas o meio de que se utiliza a universidade. Cabe a esta o acompanhamento das atividades de seus servidores. Isto é perfeitamente possível, já que a direção das fundações, na sua grande maioria, é exercida por pessoas de confiança da direção das IFES. No entanto, este acompanhamento nem sempre é feito ou bem feito, dando margem ao aparecimento de distorções na alocação do tempo dos servidores que, na busca de complementações salariais, passam a competir com o tempo dedicado às atividades mais acadêmicas, estas sem retorno financeiro.
Não existem estatísticas consolidadas sobre o volume de recursos geridos pelas fundações. Tais recursos variam muito, dependendo do tamanho da fundação e da IFES, mas, em certos casos, podem movimentar recursos várias vezes superiores aos aportados a título de OCC pelo Tesouro. Em conseqüência, uma completa análise financeira das IFES somente será obtida, quando se conhecer o volume de recursos utilizados pelas IFES através de suas fundações, mas que não integram seus orçamentos. A título de exemplo da crescente importância dessas fundações, estima-se que as pertencentes à Universidade de São Paulo (estadual) tenham movimentado recursos da ordem de 195 milhões de dólares em 2001, relacionados à prestação de serviços a empresas públicas e privadas valor equivalente a 35% do orçamento total daquela universidade (Folha de São Paulo, 10-05- 2004).
Hospitais Universitários
Funcionam, nas IFES, 45 hospitais universitários, com 32 mil servidores (cerca de 36% do total de servidores das IFES em 2000), além de 13.300 celetistas e 6.620 terceirizados, 3.500 médicos residentes, bem como de docentes de vários departamentos, que ali exercem atividades de ensino, pesquisa e assistência. Os hospitais atendem, basicamente, (mais de 80%) pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tendo recebido recursos deste sistema da ordem de 539 milhões de reais em 2000. Outras fontes de receita são
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provenientes dos segurados de planos de saúde e de particulares, mas que não chegam a atingir 20% do total das receitas na maior parte dos casos. O sistema de financiamento dos HUs não deveria ser problemático, ainda que coexistindo com todas as dificuldades e ineficiências do RJU e com a rigidez burocrática do serviço público numa unidade prestadora de serviços. De fato, os HUs dispõem de servidores técnico-administrativos, docentes e residentes pagos na folha das IFES pelo MEC e ainda recebem pagamento pelo atendimento ao SUS e aos convênios e particulares, estes últimos em proporções muito variáveis dependendo da IFES.
Por outro lado, o HU se responsabiliza pelos insumos necessários ao atendimento dos pacientes, tais como medicamentos e pelos serviços de manutenção predial e de equipamentos. Ainda que a tabela de pagamentos por procedimento do SUS, na maior parte dos casos, não cubra totalmente os custos, era de se esperar que o resultado fosse positivo. No entanto, durante a década de 90, com exceção de uma onda de contratações ocorrida em 1995, o MEC não repôs, adequadamente, os servidores que se exoneravam, obrigando os HUs a substituí-los por profissionais contratados (via fundações, geralmente) pelo regime da CLT. Essas substituições eram necessárias, pois sua não efetivação poderia implicar na suspensão de alguma prestação de serviço, como de fato, chegou a ocorrer em algumas situações. Como se viu, são mais de 13 mil os contratados para suprir essas faltas. Como resultado, muitos HUs passaram a apresentar "déficits" operacionais, pressionando o orçamento das IFES em valores significativos ou gerando inadimplência com fornecedores ou forçando as fundações a financiar tais gastos ou alguma combinação entre as três possibilidades.
Embora a não reposição de funcionários tenha observado, como referência, a relação padrão de funcionário por leito e outros indicadores relevantes, é preciso reconhecer que o "inchaço" de pessoal tinha a ver com a rigidez burocrática e a falta de autonomia. Funcionários desmotivados ou ineficientes eram colocados de lado (já que não podiam ser demitidos) e outros eram chamados para substituí-los em contratos pela CLT. Dessa forma, o sistema vem se aproximando mais dos indicadores internacionais, mas com eficácia mais reduzida em termos de produção alcançada.
Fundos nacionais de financiamento da educação superior
- As Agências de Fomento
O MEC é o mais importante, mas não o único, financiador público das IFES. Desde sua criação, na década de 60, os cursos de pós-graduação assim como as atividades de
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pesquisa contavam com recursos de outras agências governamentais, tais como a CAPES, o CNPq, a FINEP, o BNDE, além de fundações de apoio à pesquisa que foram sendo criadas pelos estados. Essas agências financiavam cursos de pós-graduação através de bolsas de manutenção para seus alunos e recursos para seu funcionamento, treinamento no país e no exterior para professores, auxílio à pesquisa, bolsas de pesquisa para professores/pesquisadores e apoio institucional. Uma importante característica da atuação dessas agências é que a distribuição dos recursos baseava-se, fundamentalmente, em avaliações pelos pares. Todas elas contavam com comitês, formados por professores e pesquisadores, que analisavam os pleitos baseados em projetos.
Além disso, a CAPES vem promovendo uma sistemática e contínua avaliação dos cursos de pós-graduação, cujo resultado influencia a alocação de recursos entre as instituições. O acesso a esses financiamentos não está limitado a instituições públicas, mas o setor universitário privado tem tido poucas chances na concorrência com as universidades públicas. Assim, a maior parte dos recursos concentra-se nas universidades federais e no sistema estadual público de São Paulo.
O que torna o sistema interessante, é que ele não contém orçamentos automáticos, que se repetem a cada ano. Com a exceção dos recursos aportados pela FINEP, de apoio institucional (atualmente desativado), o sistema aloca recursos nos melhores programas e em benefício de pesquisadores/professores mais bem avaliados, criando dessa forma um ambiente competitivo na busca de excelência no ensino de pós-graduação e na pesquisa. No entanto, um efeito colateral negativo vem sendo apontado, que seria o suposto desinteresse pelas atividades de graduação por parte de docentes e dirigentes, já que estas não trazem o mesmo retorno acadêmico e financeiro aos professores. De qualquer forma são recursos significativos, que nem sempre são orçados nas IFES, (a maior parte deles ingressa através das fundações) que induzem um interessante processo competitivo, em nada semelhante às praticas usuais dos demais setores das universidades.
Em 1997, as despesas executadas pela FINEP, CNPq e CAPES chegaram a 680 milhões de dólares de 2001, sendo que 373 milhões corresponderam a diversos tipos de bolsa para alunos e professores do ensino superior. Para efeito de comparação lembremos que os gastos do Tesouro com as IFES no mesmo ano foram de 3,0 bilhões de dólares. Uma demonstração da eficiência da alocação desses recursos está na tabela abaixo que apresenta as instituições que receberam o maior número de bolsas de produtividade em pesquisa, destinada a pesquisadores de alto nível.
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Tabela 6: Bolsas do CNPq de Produtividade em Pesquisa, 2000
Constata-se que essa distribuição de bolsas coincide com o entendimento generalizado de que estas universidades são as de melhor qualidade de pesquisa em suas respectivas esferas, assim como as universidades paulistas estão à frente das federais e que as privadas estão no fim da lista. Este é um forte indício da correta alocação de recursos pelas agências de fomento, no que tange ao critério de mérito.
No entanto, nem todos os recursos destas agências se dirigem a universidades. Parte deles destina-se, também, a centros de pesquisa e empresas privadas. Pode-se, no entanto, afirmar que a grande maioria das bolsas (de iniciação científica, de aperfeiçoamento, de mestrado e doutorado - inclusive no exterior- de produtividade em pesquisa e dos auxílios à pesquisa) dirige-se, predominantemente, para as instituições públicas de ensino.
O volume de recursos alocado para o ensino superior por estas agências de fomento pode ser estimado pela análise das despesas efetuadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e pela CAPES. Os gastos do MCT incluem as despesas efetuadas pelo CNPq e FINEP. Estimamos que todos os gastos da CAPES vão para as universidades; o mesmo ocorre com parte dos recursos do MCT (bolsas e fomento para pesquisa).
UFRJ
766
UFMG
373
PUC/RJ
154
PUC/SP
44
PUC/RGS
43
USP
1.342
UNICAMP
544
UNESP
357
Fonte: CNPq
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Tabela 7: MCT (inclui CNPq e FINEP) e CAPES: Execução Orçamentária, 1999-2002 Em mil US$ de 2002
MCT
Bolsas
Fomento
Outros
CAPES
TOTAL
1999
195,6
81,
354,5
210,5
841,4
2000
185,9
111,2
387,3
187,4
871,8
2001
173,7
200,1
393,8
198,0
965,6
2002
156,9
156,7
417,9
176,1
907,6
Fonte: Relatórios MCT e CAPES
Se considerarmos que os "Outros" gastos do MCT são destinados, preponderantemente, a empresas e governos estaduais e às suas próprias instituições de pesquisa, podemos estimar em 500 milhões de dólares, em 2002, os recursos que se destinam ao ensino superior, através de programas de fomento e de diversos tipos de bolsas a professores e estudantes.
- Fundações de apoio à pesquisa
"As Fundações de Amparo à Pesquisa de âmbito regional (FAP's), apóiam financeiramente, projetos de pesquisa, ensino e extensão apresentados por pesquisadores das universidades e centros de pesquisa sediados nos respectivos estados. Além disso, também promovem, financeiramente, a realização de eventos científicos e tecnológicos, a capacitação de recursos humanos, a realização de trabalhos científicos, culturais e artísticos, bem como projetos de desenvolvimento institucional, cientifico e tecnológico das instituições públicas" (Neves). Em geral, seus recursos são provenientes de um percentual das receitas líquidas dos estados (em torno de 1%). No entanto, à exceção do estado de São Paulo, os governos estaduais, repetidamente, não cumprem esta norma que geralmente está inserida nas constituições estaduais.
Não se conhece o valor exato administrado por essas fundações, mas sabemos que parte dos recursos, provavelmente a maior parte, se destina a instituições de ensino, a maioria públicas. A título de exemplo, a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Federal de Viçosa são as instituições que mais recebem recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Uma estimativa dos recursos alocados pelas maiores FAPs do país pode ser encontrada na tabela abaixo e
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deve representar em torno de 90% dos recursos disponíveis de todas as agências. A alocação de recursos por essas fundações é feita com regras semelhantes às utilizadas pelas principais agências federais, garantindo assim uma distribuição de recursos fortemente apoiada no mérito acadêmico.
Tabela 8: Despesas Executadas por algumas FAPs, 1996-2003 Em milhões de US$
- Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia
Os chamados Fundos de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, criados a partir de 1999, são instrumentos de financiamento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país. Eles atendem a 14 áreas, cada uma com recursos próprios exclusivos. Esses recursos, oriundos de contribuições incidentes sobre o faturamento de empresas e/ou sobre o resultado da operação de recursos naturais pertencentes à União, são alocados no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT. A FINEP e o CNPq são as agências responsáveis por sua gestão executiva, sob orientação de comitês gestores, que definem diretrizes e planos anuais de investimentos para os fundos.
Os recursos destes fundos podem ser aplicados em empresas ou IES, dependendo da apresentação de projetos de pesquisas pertinentes às áreas. Em 2001, estabeleceu-se o denominado CT-Infra, que destina 20% dos recursos totais dos fundos na implantação, recuperação e modernização da infra-estrutura das instituições públicas de ensino superior e pesquisa, sendo que 30% desses recursos devem ser aplicados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, menos desenvolvidas no âmbito científico e tecnológico.
Uma das primeiras estimativas acerca do valor total desses recursos indicava, aproximadamente, 300 milhões de dólares anuais. No entanto, esses recursos têm sido objeto de contingenciamento pelo governo federal, com a finalidade de ajudar na formação de um superávit primário nas contas do poder público.
FAP
PERÍODO
MÉDIA ANUAL
FAPESP
2000-2003
168,0
FAPERJ
1999-2002
25,0
FAPEMIG
2002-2003
10,0
FAPERGS
1996-2001
8,2
Fonte: Relatórios das FAP's.
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Tabela 9: Fundos Setoriais: disponibilidade e despesas executadas (em dólares de 2001) - 1999-2003
Como se observa, até 2002, menos de 50% dos recursos previstos foram efetivamente disponibilizados. Em 2003, esta tendência se interrompeu. Não há uma estimativa sobre o percentual desses fundos que vai para as IES, já que muitas delas concorrem por recursos de diversos fundos. Em relação ao Fundo CT-Infra, que destina recursos predominantemente à infra-estrutura de pesquisa de instituições de ensino, os recursos alocados montaram em 30, 5, 24,0 e 48,0 milhões de dólares para os anos de 2001, 2002 e 2003.
O Ensino Gratuito: o financiamento dos mais ricos
A Constituição de 1988 proíbe a cobrança de anuidades em estabelecimentos oficiais, revogando a Carta de 1967, que só previa a isenção de pagamentos para aqueles que provassem falta ou insuficiência de recursos. Embora pressões de ordem política e corporativista nunca tivessem permitido a introdução do ensino pago em estabelecimentos públicos, sua ausência provoca grave distorção no aspecto distributivo. De fato, o aluno que chega até ao ensino superior (pouco mais de 10% do total de pessoas na faixa de 18-24 anos) pode ser considerado um privilegiado e não há razão pela qual não deva pagar por seus estudos, a não ser que seja carente. O não pagamento tende a reforçar a má distribuição de renda pessoal no Brasil, item em que temos as piores estatísticas em nível mundial.
Uma avaliação, feita pelo Ministério da Fazenda em Novembro de 2003, diz que: "A canalização de grande parte do orçamento da educação para o financiamento das Instituições Federais de Ensino Superior reduz o montante de recursos disponíveis para os demais estágios da educação. Considerando a questão da eqüidade, essa política produz distorções relevantes, constituindo-se no componente do gasto em educação de maior
ANO
DISPONIBILIDADE
DESPESAS EXECUTADAS
1999
46.5
15.8
2000
63.3
47.7
2001
275.8
120.3
2002
268.7
116.8
2003
280.1
240.1
Fonte: MCT
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regressividade. Cerca de 46% dos recursos do Governo Central para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população. Ao mesmo tempo, a expansão dos empréstimos aos estudantes de baixa renda, com taxas subsidiadas, permitiria ampliar o acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior, com custos mais reduzidos para o setor público, através do FIES" (Ministério da Fazenda, p.35).
A questão do pagamento de anuidades, pelos que têm condições de fazê-lo, é mais importante da perspectiva da justiça social do que do financiamento, mas este não pode ser considerado desprezível. Se todos os 545 mil alunos existentes nas IFES, em 2000 (incluídos os de pós-graduação), pagassem uma anuidade de US$ 2,3 mil (valor médio estimado para o setor privado), isto representaria US$ 1,23 bilhão ou 40% dos recursos do Tesouro (Pessoal + OCC) que se destinam às IFES. É claro que este é um valor máximo, já que, nas IFES, também existem alunos carentes que não deveriam pagar. Este montante, ajustado para a isenção de carentes, poderia representar entre o triplo e o quádruplo de recursos hoje alocados pelo governo federal nas IFES a título de OCC.
Finalmente e ainda sob a perspectiva da eqüidade, constata-se que, nos cursos de pós-graduação de instituições públicas, além de não pagar mensalidades, os alunos ainda são, em muitos casos, agraciados com generosas bolsas de manutenção (não restituíveis), que atualmente vão de 3,5 mil dólares anuais (mestrado) a 5 mil (doutorado). Nunes e Carvalho (2003), ao utilizarem microdados da PNAD/IBGE de 2002, constataram que “Os alunos de mestrado e doutorado, praticamente todos, pertencem aos estratos mais ricos da população. A pós-graduação que conduz a diploma é território exclusivo dos mais ricos, concentrando no último decil de renda cerca de 70% de todos os alunos de mestrado e doutorado, impondo, portanto, adicional e robusto filtro elitizante".
A pressão pela manutenção destas bolsas é muito grande e decorre do rápido crescimento da pós-graduação stricto-sensu, ao mesmo tempo em que se estabilizam, ou mesmo se reduzem, os orçamentos da CAPES e CNPq. Em conseqüência, é muito elevado o percentual de gastos em bolsas dessas duas agências, especialmente os do CNPq que deveria canalizar seus recursos mais para o financiamento da pesquisa. Por outro lado, devido ao crescimento do setor de pós-graduação, é cada vez menor o percentual de alunos agraciados com essas bolsas, o que poderá redundar em maior racionalidade na sua distribuição. Uma medida recente da CAPES, condiciona a bolsa à participação dos alunos agraciados em atividades docentes nos cursos de graduação, sob supervisão de seus professores, o que atenua a questão distributiva ao promover algum tipo de restituição.
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3. O SETOR ESTADUAL
Vários são os estados brasileiros que possuem suas próprias instituições de ensino superior. Da mesma forma que ocorre no sistema federal, os governos estaduais são os principais mantenedores, pois a cobrança de mensalidades não é permitida pela Constituição Federal. No entanto, em alguns poucos casos a forma de financiamento pode diferir. Algumas universidades têm seu orçamento vinculado ao do estado (Santa Catarina, Pernambuco, Rio de Janeiro) ou a um determinado imposto como o ICMS (no caso do sistema paulista). A vantagem deste sistema para as universidades é a de permitir uma certa previsibilidade orçamentária, embora sujeita às flutuações do ciclo econômico. No entanto, espera-se que os bons tempos possam compensar os anos mais difíceis.
A fixação do percentual de vinculação também varia. Em São Paulo, inicialmente, o percentual do ICMS teve como referência os orçamentos passados de cada uma das três universidades. Posteriormente, o governo estadual procurou estabelecer um teto, alegando que, em períodos de crescimento econômico, os recursos vinculados eram excessivos. No entanto, nada se estabeleceu para as épocas de recessão. Em outras situações, o percentual é muito elevado (caso do Rio de Janeiro) e o governo não libera a totalidade dos recursos e em outros (Pernambuco), o percentual é baixo e o governo estadual complementa. No entanto, poucas são as situações em que a vinculação do orçamento está associada ao orçamento global ou à liberdade de implementar a política de pessoal.
Para a maioria das instituições estaduais, a forma de financiamento é a tradicional em ambientes públicos. A folha de pessoal é paga geralmente em dia, mas os salários estão quase sempre defasados em relação ao mercado e a política de pessoal é rígida. Os recursos para custeio são liberados com atraso e são reduzidos os investimentos. É comum a pressão pela apresentação de emendas ao orçamento estadual, com a finalidade de elevar os recursos para as universidades. No entanto, mesmo quando aprovadas pelo legislativo, não implicam em efetivo desembolso, já que o orçamento é apenas autorizativo.
As universidades estaduais, também, se utilizam de fundações de apoio (a USP tem 29) para flexibilizar procedimentos burocráticos e ser meio de captação adicional de recursos, por meio de cursos de extensão e prestação de serviços. Algumas conseguem, também, financiamento de agências federais para pesquisa e pós-graduação, como é o caso do sistema paulista, do Paraná e do Rio de Janeiro.
A questão de pessoal, como na esfera federal, ainda é a mais problemática, seja porque na maioria dos casos, os servidores são estatutários e os graus de liberdade para
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uma efetiva política de recursos humanos são reduzidos, seja porque a questão dos inativos não foi bem equacionada quanto à sua alocação no orçamento público, geralmente integrando o orçamento da IES e não o da Previdência. O fato é que a política de pessoal para os aposentados é determinada no âmbito mais geral do funcionalismo estadual, mas geralmente o pagamento é feito com recursos orçamentários das universidades. No caso do sistema paulista, por exemplo, não se previu o grande número de aposentadorias ocorrido no início da década de 90, o que forçou novas negociações em relação ao percentual do ICMS que deveria ser transferido.
Os gastos dos governos estaduais com suas universidades foram estimados, em dólares de 1999, em 1,58 bilhão (comparados aos 3,21 bilhões, gastos pelo governo federal, segundo a mesma fonte). No entanto, a distribuição destes gastos entre os estados é bastante desigual, como demonstra a tabela abaixo, em relação a alguns representativos estados brasileiros. Nela, se poderá observar os significativos gastos dos estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Bahia, sendo que, nos dois primeiros, sobrepujam os gastos federais em cada estado e, nos dois últimos, representam uma grande proporção.
Tabela 10: Despesa com Ensino Superior, por Estado, em milhões de US$ de 1999
ESTADO
ENSINO SUPERIOR
Ceará
29,1
Pernambuco
34,6
Bahia
84,4
Minas Gerais
16,0
Rio de Janeiro
234,2
São Paulo
859,5
Paraná
198,1
Santa Catarina
25,8
Demais Estados
103,4
Brasil (Total)
1.585,1
Fonte: INEP.
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Gastos públicos em educação superior em relação ao orçamento nacional e ao PIB
Estima-se que, no Brasil, o gasto público (governos federal, estaduais e municipais) com educação esteja entre 4,53% (Negri, para 1995) e 5,2% do PIB (PNUD 1999). Esta última percentagem deve estar mais próxima da realidade, pois os dados de Negri estão assumidamente (!) subestimados por considerarem apenas os gastos mínimos obrigatórios em educação nas três esferas de governo.
Um outro estudo, do IPEA (Castro e Sadeck), estima, para o ano de 2000, que a relação entre gastos públicos/PIB pode ultrapassar 5%. Da mesma forma, o governo informou, à OCDE, que o percentual era de 5,2% .Estes valores são comparáveis a países com renda per capita bem mais elevada, como o Canadá (4,9% em 2000), Reino Unido (5,4%) ou Estados Unidos (4,7%) Em média, este percentual foi de 4,7% no ano 2000 para as Américas (UNESCO, IEU). Este indicador, porém, esconde o fato de que o gasto per capita no Brasil é muito menor (249 dólares), comparado aos mesmos países: 2.282, 1.127 e 1.570 dólares, respectivamente. Em relação a outros países com níveis de renda per capita semelhantes, o México gasta 181, o Uruguai 202 e a Argentina 313 dólares.
Em relação ao ensino superior, 20,4 % (em 2000) dos gastos públicos com educação das três esferas são alocados neste nível de ensino (Castro e Sadeck, 2003), o que está um pouco acima dos padrões internacionais. Isto pode ser parcialmente explicado por termos, no Brasil, um sistema universitário público (incluindo universidades federais e algumas estaduais) relativamente caro. Assim, o gasto por aluno matriculado em instituições federais é cerca de 15 vezes o de matriculados em instituições estaduais e municipais de ensino fundamental e médio. Esta grande diferença pode ser explicada, também, pelos baixos níveis salariais de docentes e funcionários do ensino fundamental. Esta grande discrepância é corroborada em outro estudo (Arcia et al), que mostra, para o Brasil em 1990, um gasto público por aluno universitário 10 vezes superior ao despendido relativo ao aluno de ensino fundamental, sendo de 3, a mesma relação para os Estados Unidos, de 1,9 para a Argentina, de 6 para a Colômbia e de 3,2 para o Equador. Em US$ PPP (??), o custo anual de um aluno da rede pública federal era (UNESCO, IEU, 2000) de 12. 235, comparados aos 5.606 na Argentina, 6 528 no Chile, 6782 na Colômbia e 25. 310 nos EUA, portanto, o de maior custo da América Latina.
O gasto público com ensino superior chega a 1% do PIB (no Brasil). De fato, um estudo do IPEA, citado por Catani, Oliveira e Amaral (2003), estima em 0,62% do PIB, os gastos do governo federal com o ensino superior no período 1990-1995. Se acrescentarmos os gastos dos governos estaduais e das diversas agências de fomento, podemos ultrapassar
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a cifra acima mencionada de 1% do PIB. Comparando-se com outros países da América Latina, Argentina, Nicarágua e Jamaica ficaram acima de 1,4% e, em média, a região apresentou um percentual de 0,8% do PIB.
Tabela 11: Gasto Público em Educação – 1997/98 - Brasil
4. O SETOR PRIVADO: custo das matrículas e crédito educativo
Seu financiamento baseia-se, fortemente, na cobrança de mensalidades (inclusive de cursos de pós-graduação lato sensu), estando entre 95 e 100% dos recursos captados, com a possível exceção de algumas PUCs que conseguem algum financiamento público. Como vimos, as instituições privadas não podem receber recursos públicos a serem consignados em seus orçamentos, mas podem competir por recursos para a pesquisa e para a pós-graduação. No entanto, a taxa de sucesso neste caso tem sido muito baixa, devido à concorrência com universidades de maior tradição do setor público.
O setor privado vem crescendo muito fortemente nos últimos anos. Entre 1994 e 2000, o número de alunos cresceu em 86%, a maior parte deles matriculados em universidades. Estas, também, foram criadas com muita rapidez, através do credenciamento de faculdades integradas já existentes. Elas passaram de 40, em 1990-91, para 85 em 2000. Vários são os problemas que vêm afetando as finanças do setor privado, com tendência de agravamento nos próximos anos. São eles:
- Crescimento da demanda e da oferta
A grande expansão ocorrida no ensino médio nos últimos anos certamente elevou a procura por cursos superiores. Os concluintes deste nível de ensino passaram de 993 mil, em 1994, para 1.855 mil, em 2002, e espera-se que continuem crescendo até 2005. No entanto, o aumento de matrículas no ensino médio deu-se mais fortemente em estabelecimentos estaduais e no turno da noite. Dos alunos de nível médio, menos da
ANO
% DOS GASTOS EM RELAÇÃO AO PIB
GASTO MÉDIO POR ALUNO (EM R$)
INFANTIL
FUNDAMENTAL
MÉDIO
SUPERIOR
1997
4,7
733
542
670
9.399
1998
5,2
877
668
701
9.789
Fonte: MEC/INEP - IBGE.
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metade está na faixa etária correspondente e cerca de 20% têm mais de 20 anos de idade. Portanto, são alunos de baixa renda, que já necessitam trabalhar ainda no período de ensino médio, com pouca probabilidade de ingressarem em cursos superiores gratuitos. Seu ingresso e permanência no terceiro grau vão depender de sua capacidade de pagamento, da existência de crédito educativo e de bolsas e da sua convicção, ao longo do curso, em relação à efetivação do retorno do investimento que vem sendo realizado. As estatísticas mostram grande evasão no sistema privado. Comparando as vagas existentes em 1999 com os concluintes no setor privado e público em 2002, chegamos ao resultado de que, no primeiro caso, esta relação é de 59%, isto é, 41% abandonam seus estudos, e de 71,2% no setor público. Tal evasão constitui-se em importante perda de receita para os estabelecimentos privados, que apresentam turmas com poucos alunos nas séries finais. A solução encontrada tem sido manter elevadas as vagas iniciais por turma, que hoje dificilmente são inferiores a 50, captar alunos via transferência e fundir turmas dos últimos períodos. Além disto, as vagas oferecidas pelo setor privado parecem crescer mais rapidamente do que a demanda, apesar do significativo crescimento do ensino médio.
Em 2002, das 1.477 mil vagas abertas pelo setor privado, apenas 924 mil foram preenchidas, criando enorme capacidade ociosa. Este quadro difere entre as regiões brasileiras: o Sudeste do país, liderado por São Paulo, tem mais vagas no setor privado do que concluintes no ensino médio. Situação semelhante ocorre no Sul do país, havendo maior desequilíbrio no Norte e Nordeste. A reação das entidades privadas tem sido acirrar a concorrência entre elas, o que se manifesta através de agressivas campanhas publicitárias, rebaixamento do valor das mensalidades, localização das unidades de ensino perto do local de trabalho ou da residência dos alunos, facilidades no processo seletivo e a tentativa, por algumas poucas instituições, de atrair alunos pela elevada qualidade do ensino. Assim, o sistema parece caminhar para um período de ajustes, em que provavelmente ocorrerão fusões, vendas e desativação de cursos e programas, pois o tamanho do mercado, com uma oferta crescente, não parece comportar lugar para todos. No entanto, observa-se (em 2003) ainda uma pequena desaceleração no ritmo de crescimento das matrículas no setor privado.
- O crédito educativo
Constitui-se, hoje, em mecanismo potencialmente fundamental para a sobrevivência de parte significativa do setor privado. Como vimos, as tendências aqui esboçadas para o setor privado são de agravamento da situação no futuro: não preenchimento das vagas oferecidas para ingresso, elevados índices de evasão ao longo do curso, crescente
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inadimplência dos alunos e participação cada vez maior de estudantes oriundos de classes de renda mais baixas. A manutenção de alunos mais pobres nas escolas de nível superior não só é importante para as instituições educacionais privadas, como, também, para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, que propõe uma taxa de 30% de escolarização da população de 18-24 anos em dez anos, que hoje se situa em menos de 12%. Isso significaria aumentar as atuais 3,9 milhões de matrículas no ensino superior para cerca de 11 milhões em 2010. É interessante observar que o Plano menciona que o setor privado teria importante papel a desempenhar, mas não detalha os meios para se chegar a este resultado. O atual programa de crédito educativo, que substituiu o antigo CREDUC, agora denominado Financiamento ao Estudante (FIES), está longe de atender as necessidades atuais e muito menos ao crescimento da demanda que se verificará, especialmente aquela proveniente das camadas mais pobres da população. Vejamos o desempenho do FIES, desde a sua criação em maio de 1999:
Tabela 12: Alunos atendidos pelo FIES –2000-2002
O orçamento anual do FIES é proveniente, na sua grande parte, de recursos da Loteria Federal e do orçamento do MEC, não sendo ainda relevante o reembolso dos empréstimos. Se supusermos, conservadoramente, que ao menos 25% dos estudantes do ensino particular sejam carentes, precisaríamos atender, anualmente, cerca de 600 mil alunos, o que teria um custo adicional significativo em relação ao que é aplicado hoje.. Se trabalharmos com uma anuidade média de 2,1 mil dólares e considerarmos que o FIES financia, no máximo, 70% deste valor, podemos estimar em 900 milhões de dólares anuais os recursos necessárias para financiar aquela parcela do alunado das IES privadas. Este valor sobrepuja largamente as possibilidades orçamentárias do MEC (as IFES consumiram aproximadamente metade deste valor em OCC em 2001) e teria de provir de outras fontes,
ANO
CONTRATOS NOVOS
ESTOQUES
1999*
-
67.202
2000
35.299
102.501
2001
48.724
151.225
2002
67.979
219.204
Fonte: Relatórios do FIES. * O estoque existente em 1999 origina-se do antigo CREDUC.
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que já vêm sendo cogitadas. Entre elas podemos citar a utilização de parte dos recursos do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, dos depósitos compulsórios dos bancos, de parte das isenções das entidades de caráter filantrópico (ver o recém lançado PROUNI) e o financiamento próprio das IES privadas, complementando os recursos atuais.
Além da insuficiência de recursos, o atual crédito educativo padece de alguns dos males de seus antecessores. Seu agente financeiro, a Caixa Econômica Federal, não se empenha o suficiente para recuperar os empréstimos - o crédito é dado às instituições e não diretamente aos alunos. Além disso, constatam-se elevada concentração dos beneficiários em cursos tradicionais como Direito e Administração, bem como sua concentração nas regiões mais ricas do país (Sul e Sudeste). Enfim, o FIES reproduz a mesma distribuição dos cursos, inclusive de natureza regional, perdendo uma boa oportunidade de realizar algum tipo de indução no sistema.
- A questão da inadimplência
A crescente matrícula de alunos de menor poder aquisitivo tem levado a índices de inadimplência próximos de 20% ao longo do semestre, dependendo da instituição. A legislação em vigor veda a instituição beneficiada de impedir que os alunos nesta situação assistam às aulas ou deixem de prestar exames. Ademais, a universidade não pode negar aos alunos em atraso os documentos necessários à sua transferência ao final do período letivo, o que implica a possibilidade de sua saída sem a quitação da dívida. O principal recurso legal que resta à instituição é o de não recontratar com o aluno inadimplente no semestre seguinte e cobrar a dívida na Justiça. Poderá, também, inscrever o devedor num cadastro de maus pagadores. Contudo, várias são as instituições que preferem negociar com seus alunos em dificuldades, com a finalidade de mantê-los na escola e não agravar os índices de evasão. De qualquer forma, os custos da inadimplência existem, seja por atrasos ou falta de pagamento e têm sido, cada vez mais, um item importante na determinação dos resultados de uma empresa educacional.
O incerto futuro das universidades privadas
Como vimos, na década de 90, aumentou muito o número de universidades privadas. Duas são as principais razões para esta evolução. A primeira é o alto "status" conferido ao termo, quando comparado à faculdade, centro universitário ou escola, o que encerra, inclusive, um importante fator mercadológico. A segunda é a possibilidade, determinada em Lei, de maior autonomia acadêmica e administrativa, inclusive a da
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liberdade de criar novos cursos em sua sede, a possibilidade de fazê-lo também fora de sua sede (no limite da unidade da federação onde esteja localizada) e aumentar vagas em cursos já existentes. Essa possibilidade de aumentar vagas e criar novos cursos se mostrou especialmente importante nas fases iniciais de crescimento do setor privado, como forma de conquistar mercados.
Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) prevê que, para se tornar uma universidade e se manter como tal, é preciso que haja produção intelectual institucionalizada, bem como um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado e um terço do corpo docente em regime de tempo integral. As disposições transitórias da LDB estabelecem que o prazo para que as universidades cumpram os requisitos acima é de oito anos, encerrando-se, portanto, em 2004. O setor privado percebeu que os Centros Universitários são uma opção mais apropriada às suas possibilidades financeiras e estratégias de crescimento e que as universidades de pesquisa são para poucos. De fato, a criação de centros universitários foi uma medida engenhosa do governo federal. Esses centros tinham quase todas as prerrogativas das universidades (com a exceção de criar cursos fora de sede), mas não eram obrigados a fazer pesquisa. A contrapartida seria a destacada qualidade do ensino de graduação. Desde 1997, o governo federal credenciou apenas 8 universidades e autorizou mais de 70 centros universitários.
Neste contexto, avizinha-se uma outra dificuldade relativa ao financiamento das atuais 84 universidades do setor privado, que é manter pelo menos 1/3 de professores qualificados em tempo integral e em atividades de pesquisa que possam passar pelo crivo dos vários comitês acadêmicos que se formam nas agências de fomento. É provável, também, a ocorrência de pressões internas pela abertura de cursos de pós-graduação de mestrado e doutorado (com custos bem mais elevados do que os de cursos de graduação), que geralmente estão associados a um ambiente de pesquisa. A questão é que as mensalidades de cursos de graduação, fonte quase exclusiva de receitas, não têm como manter estas atividades. Para tanto, seria necessário aumentá-las, o que é inviável no contexto competitivo acima referido, em que a tendência mais provável é sua diminuição.
A outra possibilidade é a busca de recursos para pesquisa junto às agências públicas de fomento, mas aqui enfrentarão a concorrência de universidades e centros de pesquisa públicos e de algumas confessionais sem fins lucrativos, mais bem dotadas e de maior tradição. Há poucas saídas para esta situação. Uma delas é reverter para a condição de centro universitário, que tem quase as mesmas prerrogativas de autonomia das
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universidades, mas que exige apenas a qualidade do ensino de graduação, com conseqüências negativas para o "marketing" da instituição. A outra, especialmente no caso das particulares (em número de 28), é dedicar proporções maiores do lucro para as instituições mantidas, procurando torná-las mais competitivas na captação de alunos de graduação e no fortalecimento das atividades de pesquisa, até que adquiram maior grau de autonomia.
Por fim, certamente ocorrerão "adaptações", tais como atribuir uma elevada carga de aulas e atividades administrativas aos professores em tempo integral, "alugar" professores titulados de outras instituições e procurar meios de convencimento sobre a relevância da pesquisa realizada. Em relação às universidades comunitárias, confessionais e filantrópicas (em número de 56), os graus de liberdade são menores. Elas já aplicam seus resultados na própria instituição e a maioria delas já cobra mensalidades mais baixas, em virtude de suas isenções e imunidades. Ocorre, também, que algumas universidades filantrópicas estão a ponto de perder suas isenções tributárias, em virtude de recentes mudanças na lei e intensificação da fiscalização.
O crescimento da pós-graduação stricto-sensu no Brasil é digno de nota. O quadro abaixo mostra a evolução do número de mestres e doutores formados nos últimos anos:
Tabela 13: Número de doutores e mestres titulados anualmente no Brasil
Ao compararmos a evolução orçamentária do MCT (especialmente o CNPq) e CAPES com o expressivo crescimento na formação de doutores e mestres, veremos que os orçamentos constantes ou mesmo decrescentes destas duas instituições não podem explicar o crescimento da pós-graduação, já que é declinante o percentual de bolsistas financiados pela CAPES e CNPq em relação ao número de estudantes de pós-graduação, assim como devem apresentar a mesma tendência os auxílios para manutenção. Duas outras fontes de
ANOS
DOUTORES
MESTRES
1991
1.441
6.811
1995
2.545
9.265
1999
4.862
15.324
2000
5.344
18.132
2001
6.042
19.630
Fonte: Viotti e Macedo, p.182 e 192.
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financiamento devem ter operado nesse período. A primeira seria a capacidade ociosa existente em universidades públicas, tanto federais como estaduais. Estas IES tinham a grande maioria de seus professores em dedicação exclusiva, com carga-horária de aulas na graduação relativamente baixa, ao lado de grau crescente de titulação de seus professores. É possível também que, mesmo na ausência de bolsas de estudo para todos os alunos, os mesmos entenderam que a pós-graduação é um bom investimento pessoal e conseguiram outras fontes de renda para sua manutenção. Esta alternativa é tanto mais provável quando se sabe que os cursos estão fortemente concentrados em instituições públicas onde não se cobram mensalidades. Outra fonte de financiamento deve ter provindo das instituições privadas que puderam custear sua pós-graduação com os bons resultados financeiros obtidos nos primeiros anos de crescimento do setor privado.
Neste contexto, pode-se esperar um arrefecimento do crescimento da pós- graduação, seja porque não se espera um aumento substancial do orçamento das agências de fomento, seja porque está perto do fim a possibilidade de aproveitamento da capacidade ociosa de instituições públicas, seja ainda porque, cada vez mais, os recursos financeiros das escolas privadas se basearão nas mensalidades de um decrescente número de alunos de graduação, por instituição. Por outro lado, as universidades não terão dificuldades em cumprir o preceito da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de ter 1/3 de seu corpo docente com títulos de Mestre e Doutor, já que a oferta tem sido crescente.
5. RETORNOS À EDUCAÇÃO SUPERIOR
Considera-se que a educação desempenha preponderante papel nos diferenciais de salários observados no mercado de trabalho. Além disto, as taxas de retorno privada e social do investimento em educação superior costumam ser positivas e freqüentemente maiores do que a taxa de juros média praticada, em especial em países em desenvolvimento que apresentam baixas taxas de escolarização nesse nível de ensino. Neste caso, a escassez relativa de pessoal qualificado pressiona a taxa para cima. Esta taxa, no entanto, varia não somente de acordo com o nível de escolaridade, mas, também, com o estágio de desenvolvimento do país. Em geral, países desenvolvidos, de elevada escolarização em todos os níveis, mostram, para diferentes níveis de ensino, taxas de retorno bem próximas, enquanto em países em desenvolvimento observam-se maiores divergências..
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Do ponto de vista da alocação de recursos públicos, a observação das taxas de retorno e sua evolução no tempo são de grande importância para a construção de políticas públicas, já que, em princípio, do ponto de vista da eficiência, recursos públicos devem ser alocados prioritariamente onde a taxa de retorno seja mais elevada. As taxas de retorno da educação e diferenciais de salários, em função do nível de escolaridade, foram estimadas por vários autores. Coelho e Corseuil (2002) fizeram um levantamento dos estudos existentes sobre estas questões no Brasil e que mostraram o seguinte sobre a situação do ensino superior: • Tannen (1991), usando dados do Censo de 1980, estima que as taxas de retorno para cada ano adicional de estudo são de 12,8% e 8,1%, respectivamente para o 1o e 2o ciclos de ensino básico, 15,7% para o 2o grau e 23,4% para o ensino superior; • Leal e Werlang (1991), relativamente ao período 1976 a 1989, constatam altos retornos para um ano adicional no primário, baixos retornos no ginásio (equivalente hoje a 5a e 8a séries do ensino fundamental) e novamente altos no secundário e superior. Destacam, ainda, que houve aumento dos retornos da educação em relação aos níveis de educação mais elevados entre 1976 e 1989; • quanto ao período 1976 a 1985, Ramos (1991) estima os diferenciais de cada ciclo educacional em relação à instrução primária. Os diferenciais, em relação ao ginásio, ficam em torno de 30%, enquanto o secundário (Jacques, o ginásio não é secundário? No meu tempo era o primeiro ciclo do secundário!) registra 95%, crescendo para 300% no ensino superior, quando a educação primária é tomada como referencial; mostram ainda que, entre 1976 e 1989, a taxa de retorno da educação para o segundo e terceiro graus apresentou trajetória ascendente; • Hoffman (2001) mostra, em 1995, retornos menores da educação no setor primário em relação aos demais; • Menezes Filho, Piccheti e Fernandes (2000), analisando os períodos de 1980 e 1990, mostram que os retornos da educação universitária e do 1o ciclo do ensino fundamental subiram, enquanto nos outros níveis houve declínio.
Em outro estudo para o Banco Mundial, Blom, Holm-Nielsen e Verner verificam, para 1998, uma diferença de 814% entre os salários mensais de um trabalhador com diploma universitário e um trabalhador sem este grau de educação. Este mesmo padrão pode ser observado na década de 80. Os relativamente altos salários, pagos a portadores de diplomas de nível superior, implicam a existência de elevada demanda por este nível educacional, que não está sendo acompanhada de elevação da oferta. Ademais, os elevados
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salários pagos no nível superior contribuem, fortemente, para a má distribuição de renda pessoal no país (Coeficiente de Gini de 0,58).
As implicações para a política educacional apontam na direção da elevação da oferta de ensino superior no setor público ou privado, garantido o mínimo necessário de qualidade. Em primeiro lugar, o aumento da oferta de ensino superior incrementará o número de trabalhadores de maior produtividade e, assim, estimulará o crescimento econômico. Em segundo, a maior oferta de ensino superior tenderá a baixar os rendimentos médios deste nível educacional, contribuindo para melhor distribuição de renda. Pesquisas com informações mais recentes são necessárias, visto que houve forte elevação da oferta de vagas, principalmente no setor privado, que pode ter afetado negativamente os níveis salariais dos portadores de diplomas de nível superior, tornando menos atrativo o investimento social e privado em ensino superior.
A outra implicação para a política educacional é que não deve haver subsídio de qualquer espécie a estudantes de graduação e de pós-graduação, salvo pela existência de significativas economias externas em áreas de pouca demanda ou por considerações de natureza distributiva. Como vimos, a taxa de retorno privado para este nível de ensino é positiva, o que significa que o investimento em educação superior é rentável e apresenta um grande diferencial salarial, quando comparado a outros níveis. Não faz sentido que contribuintes que não tenham acesso ao nível superior transfiram recursos, através do sistema tributário, para os relativamente poucos freqüentadores do terceiro grau. O mais justo, do ponto de vista distributivo, seria o do pagamento integral do ensino em estabelecimentos públicos pelos que podem pagar.
Da mesma forma, os programas de crédito educativo devem trabalhar com taxas de juros positivas e exigir o reembolso integral dos empréstimos. Mesmo para os alunos carentes do setor público ou privado, qualquer tipo de subsídio deve ser reembolsável, já que o retorno para este tipo de investimento é positivo, o que permitirá sua devolução em prazos razoáveis. É claro que, nos programas de crédito educativo, situações especiais devem ser contempladas, tais como o nível de desemprego, doenças e outras. No entanto, a regra geral deve ser perseguida, a não ser que se identifiquem situações em que o retorno social seja alto e não exista demanda suficiente, quando então o subsídio poderia agir como incentivo à demanda.
Como bem assinala Huitrón, analisando a situação do México: “O fato de que a TIR (Taxa Interna de Retorno) da educação primária dos trabalhadores assalariados diminuiu, enquanto a TIR da educação superior aumentou, no mesmo período, interpreta-
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se, de acordo com o critério de eficiência, como um sinal em direção à mudança do padrão de investimento público em educação para beneficiar as pessoas que têm condições sócio- econômicas. Este conflito entre eficiência e eqüidade pode ser solucionado ao se procurar fazer com que as famílias dos alunos, com melhor situação sócio-econômica, financiem, pelo menos parcialmente, o custo dos seus estudos. Com isso, o financiamento não descuidaria da educação primária, nem seriam diminuídos os recursos orientados para a educação superior” (2002, p.81).
6. FINANCIAMENTO, EFICIÊNCIA E EQUIDADE
O volume e a forma pela qual se faz o financiamento do ensino superior têm repercussões sobre a melhor aplicação dos recursos (eficiência) e sobre a distribuição de renda e oportunidade de acesso ao ensino superior. Podemos distinguir dois tipos de financiamento: o que se faz aos alunos e suas famílias e o que se dirige às instituições. No primeiro caso, encontra-se o crédito educativo, o ensino gratuito nas escolas públicas e a dedução de gastos com educação para efeitos do Imposto de Renda Pessoa Física.
O antigo CREDUC e o atual FIES apresentam problemas quanto à eficiência. Estes programas, notoriamente, nunca atenderam a toda a demanda, o que demonstra haver mais alunos carentes do que os recursos disponíveis para atendê-los. Neste caso, faria mais sentido escolher, dentre os carentes, aqueles que atendessem simultaneamente a outros requisitos, como o de ter mais disponibilidade para os estudos (curso diurno), freqüentar cursos mais estratégicos para a economia do país, privilegiar cursos e instituições de melhor qualidade, favorecer regiões mais pobres e, finalmente conceder o crédito ao aluno (e não à instituição) antes do mesmo se matricular e, desta forma, aumentar a concorrência entre as instituições pelos alunos com crédito. A distribuição de crédito ao aluno permitiria, também, que se selecionassem os de maior potencial entre os carentes. No entanto, tradicionalmente, a concessão de crédito educativo segue o mesmo padrão da demanda, concentrando-se em cursos na área de Ciências Sociais (Direito e Administração), nas regiões Sudeste e Sul (76,5% dos contratos) e em alunos de cursos noturnos.
O ensino gratuito em estabelecimentos oficiais de ensino, como vimos anteriormente, piora ainda mais o nosso elevado grau de concentração de renda. Um estudo do IPEA (Barros e Foguel) mostra que "dos serviços e programas educacionais públicos analisados (que incluem o programa de creche, merenda escolar, livro didático e todos os
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níveis de ensino), a educação superior é, sem dúvida, o que possui o pior grau de focalização com um quasi-Gini (coeficiente bastante semelhante ao índice de Gini) de 0,66, sendo inclusive superior ao coeficiente de Gini de distribuição de renda. Assim, pode-se dizer que o acesso à educação superior pública está pior distribuído que a própria renda familiar".
A gratuidade no ensino fundamental, para cerca de 90% dos alunos matriculados neste nível, também contém um elemento concentrador de renda, mas tem dois atenuantes. O primeiro é que o ensino fundamental é obrigatório por lei. e, o segundo, o fato de que o percentual de alunos do ensino fundamental público que poderia pagar é, certamente, muito menor do que no ensino superior.
Uma terceira fonte de iniqüidade está na dedução de parte das despesas com instrução do contribuinte e seus dependentes para efeito de cálculo do imposto de renda de pessoa física. Esta dedução tem caráter nitidamente regressivo, pois somente atinge os que freqüentam escolas privadas e que, ao mesmo tempo, possuem renda suficiente para serem contribuintes do imposto de renda. No caso do ensino superior, este argumento fica reforçado, já que os que buscam o ensino superior privado já estão nos níveis mais elevados da pirâmide de renda. Em suma, a renúncia fiscal que essa redução representa favorece mais os de maior poder aquisitivo na população brasileira, prejudicando, potencialmente, outros programas destinados a populações carentes. Uma estimativa do Ministério da Fazenda situou em 219 milhões de dólares anuais o valor desta renúncia fiscal para o biênio 2001/ 2002.
A forma de financiamento do setor federal e de boa parte do setor estadual induz, como vimos anteriormente, comportamentos socialmente ineficientes por parte dos administradores universitários e do próprio governo, especialmente em relação à política de pessoal. Não se pode, entretanto, dizer que eles ajam sem racionalidade, pois estão procurando o que é melhor para a sua unidade. Ocorre que a soma desses comportamentos leva a indicadores indesejáveis, tais como baixa relação aluno/professor, elevado custo por aluno, excesso de professores em dedicação exclusiva, etc. A solução para esta situação está na adoção da autonomia pelas IFES, especialmente no que se refere à liberdade para executar sua política de recursos humanos Este foi um tema recorrente na década de 90, mas sempre esbarrou em duas grandes resistências: do lado do governo, a dificuldade em garantir orçamentos previsíveis sob a forma de vinculações ou correções automáticas; e do lado dos dirigentes universitários, em particular um significativo grupo de reitores das federais, a dificuldade de aceitarem o fim do regime jurídico único, que introduzisse planos
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de carreira regionais e flexibilidade de contratação, demissão e promoção. Sem estas mudanças, mais de 90% do orçamento continuará sendo gerenciado de forma distorcida e ineficiente, já comentada mais acima.
Os incentivos fiscais existentes para as instituições privadas, também, apresentam suas ineficiências. Existe a imunidade tributária, prevista no Art. 150 da Constituição Federal, para instituições educacionais sem fins lucrativos. A principal isenção federal é a do imposto de renda e a estadual, o ICMS. Para se conseguir a imunidade, basta ser uma instituição educacional e alocar seus eventuais lucros na própria atividade. Em princípio, elas poderiam, consequentemente, cobrar mensalidades menores e oferecer ensino de melhor qualidade. No entanto, a imunidade é indiscriminada em relação a quem se aproveita de menores custos, não havendo a preocupação de se conhecerem o nível e a relevância do ensino ministrado, nem se os preços praticados são inferiores ao de instituições que não têm este benefício. Uma estimativa deste tipo de renúncia fiscal para o biênio 2001/2002 situou-a em 100 milhões de dólares anuais (Ministério da Fazenda)
Algo semelhante acontece com a isenção da contribuição para fins de seguridade social, que é uma obrigação patronal sobre os salários, além do PIS, da COFINS e até do salário educação. São isentadas destes impostos, instituições consideradas beneficentes, de utilidade pública e que apliquem, integralmente, o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos. São as denominadas instituições filantrópicas. Na área da educação, a beneficência se caracteriza pela concessão de bolsas, integral e gratuitamente, a alunos considerados carentes e outras “gratuidades”, nem sempre bem especificadas. O total destas transferências deveria equivaler a 20% da receita total da IES, mas isto vem sendo questionado judicialmente.
A isenção, através da renúncia fiscal, se justificaria, quando se julga ser o setor privado capaz de promover redistribuição de renda de forma mais eficiente do que o estado. No entanto, não se verifica o potencial acadêmico dos alunos carentes beneficiados e nem se indaga a respeito da qualidade dos cursos que freqüentam, nem a sua importância para o país. Uma informação recolhida do jornal Folha de São Paulo (12-04-2004) dá conta de que estes benefícios às filantrópicas montam em 290 milhões de dólares, sendo 219 milhões referentes a contribuições não recolhidas ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e 71 milhões, referentes a tributos devidos à Receita Federal.
Alguns resultados positivos, no que se refere à eficiência, provêm das formas de financiamento da pós-graduação e da pesquisa pelas agências de fomento federais, fundos setoriais e fundações de apoio à pesquisa em nível estadual. Estas agências aplicam seus
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recursos de fomento com base na qualidade das instituições e grupos de pesquisa e pós- graduação, sendo o julgamento realizado por representantes proeminentes da própria comunidade acadêmica. Outra importante prática é a realização da avaliação de cursos de graduação (especialmente o Exame Nacional de Cursos) e pós-graduação (CAPES) bem como de instituições, a qual vem sendo efetivada pela SESu, INEP, CAPES. Registre-se, também, a recente introdução de uma matriz para distribuição de recursos de OCC para as IFES, baseada, em parte, em critérios de qualidade e desempenho. Cada vez mais se aceita o princípio de que a alocação de recursos deve estar combinada com (ou atrelada a) avaliações de qualidade, eficiência e eficácia. Os orçamentos automáticos, baseados em parâmetros históricos, começam a perder importância. Este movimento atinge, também, o setor privado que enxerga más avaliações de seus cursos como um fator negativo de "marketing" e que causa mais dificuldades na busca de recursos de fomento. A experiência do “Provão“ (Exame Nacional de Cursos) atesta um comportamento reativo bastante positivo. As instituições particulares apregoam seus bons resultados em “outdoors” e reagem com mais investimentos em pessoal qualificado e instalações à vista de resultados ruins. A avaliação de cursos de graduação ajuda também em melhorar a correspondência entre valor da anuidade e qualidade do curso. A avaliação realizada pelo Provão tem sido um importante fator de atração/expulsão de alunos de graduação, questão fundamental de sobrevivência das escolas privadas. Para as instituições públicas, boas avaliações aumentam sua capacidade de atrair mais recursos para atividades de ensino e de pesquisa.
Uma outra importância fonte de ineficiência provém da indefinição dos papéis dos vários sistemas de educação superior. No Brasil, a Constituição determina que as universidades devem seguir o princípio da “indissociabilidade da pesquisa, ensino e extensão” e a LDB prega que para ser credenciada como universidade deve comprovar “produção intelectual institucionalizada". Isto é, as universidades, que congregam 62% do alunado, estão obrigadas a manter atividade de pesquisa. Além disto, decreto federal promulgado ao final de 2003, proíbe a criação de novos Centros Universitários e dá prazo para que os existentes tomem medidas que os tornam semelhantes às universidades no que se refere à pesquisa. Com isto, 77 Centros Universitários com quase 500 mil alunos, deverão somar à necessidade de terem um bom ensino a obrigação de fazer pesquisa. A não exigência de pesquisa ficará restrita a faculdade isoladas e faculdades integradas que matriculam apenas 25% dos alunos.
A repercussão é maior nas instituições públicas, onde a própria cultura interna privilegia a pesquisa e a pós-graduação, de tal forma que todos os professores são
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avaliados com base nas suas atividades de pesquisa e todos os departamentos julgam que devem ter atividade de pesquisa. Como nem todos (professores e departamentos) têm condições de realizar pesquisa relevante, o desperdício surge no alto percentual de professores em dedicação exclusiva, na criação de programas de pós-graduação desnecessários, maior necessidade de espaço e funcionários, além de gastos em infra- estrutura. Esta pressão é menor nas instituições estaduais (exceto o sistema paulista e do Rio de Janeiro) onde existem poucos recursos para dedicação exclusiva dos professores. No setor privado, a cultura da pesquisa é menos sentida, mas seus custos são facilmente percebidos pelos seus dirigentes. Com poucas exceções elas tenderão a concentrar a atividade em poucos departamentos, em poucos professores e buscando mais parcerias com o setor produtivo, através de pesquisas mais ligadas à tecnologia e inovação. Não se vislumbra, como nas públicas, movimento significativo em relação à pesquisa básica. Isto decorre, como já mencionamos, da dificuldade de concorrer com as públicas por recursos das agências de fomento e pela dificuldade da maior parte delas em se auto-financiar. De qualquer forma, como em outras partes do mundo, nem todas as instituições de ensino superior são capazes ou tem condições de fazer pesquisa. Geralmente, as pesquisas são realizadas em poucas instituições, sendo o ensino superior fortemente integrado por instituições que oferecem cursos de graduação mais curtos e mais ligados ao mercado de trabalho, como é o caso dos tecnólogos.
Não é por outra razão que os processos de recredenciamento de Universidades encontram-se paralisados no Brasil. Não será possível cobrar das Universidades atividades relevantes de pesquisa, pois dificilmente ela será encontrada. Isto se refere tanto à boa parte das públicas quanto às privadas em maior grau. No caso destas últimas, terão também dificuldade de apresentarem um terço do corpo docente em regime de tempo integral em atividades acadêmicas e com carga não excessiva de aulas.
A insistência na exigência de pesquisa em todas as Unidades e Centros Universitários levará a aumentos consideráveis de custos, que se refletirão especialmente nas mensalidades do setor privado e nos gastos dos governos Federal e Estadual com as suas mantidas, sem acréscimo correspondente na qualidade e relevância da pesquisa.
7. CONCLUSÕES:
• 1. O Ensino Superior brasileiro vem crescendo aceleradamente desde a década de 90, e diferentemente da maioria dos países latino-americano, com predominância do setor
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privado. Apesar disto, o gasto público com o ensino superior corresponde ao nível de renda per capita do país e está coerente com seu nível de desenvolvimento. No entanto, atinge-se uma pequena parcela da população que estaria em condições de freqüentar o ensino superior, elevando os custos por aluno especialmente das IES públicas.
A situação acima decorre da rigidez com a qual se entendem as funções de instituições públicas, ao se supor que todas elas devam fazer pesquisa e extensão. Como somente uma pequena parte delas tem esta condição, gera-se um custo elevado de pessoal em tempo integral e despesas não relacionadas ao ensino Constata-se também que é muito baixa a proporção de cursos superiores de curta duração, que em outros países matriculam grande parte dos alunos a custos mais baixos.
• 2. As IES públicas (estaduais e federais) são regidas por leis (Regime Jurídico Único) que reduzem, substancialmente, sua capacidade de fazer política de recursos humanos, gerando importantes ineficiências e desperdício. Os projetos de autonomia para as IES públicas que não resolverem a questão da gestão de pessoal são inócuos e não vão ao cerne dos problemas. Mais de 90% dos recursos públicos que se dirigem a estas instituições são para despesas com pessoal, sendo que, de fato, as políticas de recursos humanos são conduzidas de forma centralizada pelo governo federal, sem atentar para as características regionais, as diferentes vocações e para o mercado de trabalho.
• 3. O financiamento para as famílias que buscam o ensino privado concentra-se no insuficiente crédito educativo (FIES) e deduções no cálculo do Imposto de Renda. Para as empresas educacionais, existem isenções e imunidades fiscais, dependendo do regime jurídico, mas que não afetam substancialmente a estrutura de custos, tendo pouco impacto no nível das mensalidades. O crescimento do setor privado é fundamental para o atendimento da demanda e será decisivo para se atingir as metas do Plano Decenal de Educação de prover até o final da década, educação superior para pelo menos 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos. Isto porque não se espera investimento significativo do setor público federal e estadual no setor, seja pela crise fiscal por que passam, seja pelas insuficiências ainda existentes no ensino médio e no pré-escolar. A provisão de crédito educativo e outras formas de ajuda a alunos carentes serão decisivas para se atingir a meta para o sistema. Os novos estudantes serão, cada vez mais, oriundos das classes econômicas mais baixas e não poderão arcar com as mensalidades vigentes.
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• 4. Para que o sistema se torne mais eficiente e justo é necessário que se promovam importantes mudanças nas leis. Do ponto de vista distributivo, a revogação, para os que podem pagar, do ensino gratuito nas IES públicas e as deduções de gastos com educação para efeito de Imposto de Renda. Na perspectiva da eficiência sobrepõe-se a substituição do RJU por um estatuto jurídico que permita maior flexibilidade às IES públicas para efetuarem política de recursos humanos. Impõe-se também a instalação de orçamentos globais e uma crescente importância da alocação de recursos públicos por avaliação de desempenho e qualidade, em detrimento dos orçamentos automáticos (históricos). No âmbito do setor privado, mudança na atual legislação que favorece exageradamente os alunos inadimplentes e revisão das normas que exigem uma proporção irrealista de pesquisa nos centro universitários e universidades. É preciso também que o crédito educativo não só cresça, mas que também seja utilizado como indutor de políticas para o ensino superior, privilegiando setores e regiões, carentes, qualidade dos cursos, disponibilidade e potencial dos alunos, etc. Não se desconhece as dificuldades políticas para aprovação destas medidas, mesmo quando as distorções são notórias, como é o caso do ensino gratuito. No entanto, mais cedo ou mais tarde estas questões terão de ser enfrentadas.
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