30 anos de Mídia Tática
Por Felix Stalder
Mídia tática como uma prática tem uma história longa, e parece seguro predizer, um futuro ainda maior. Ainda assim, sua existência como um conceito particular ao redor de um movimento social, ou mais precisamente, de uma rede auto-consciente de pessoas e projetos que ali se coalesceria, teve uma vida relativamente curta, muito confinada à primeira época da internet como um meio de massa (1995-2005). Durante aquele tempo Geert Lovink and David Garcia, dois ativistas/teóricos de mídia holandeses, do coração dessa rede, definiam Mídia Tática como:
"o que acontece quando a mídia "faça-você-mesmo", tornada acessível pela revolução do consumo de eletrônica e expandidas formas de distribuição (de acesso a cabos públicos e a internet) são exploradas por grupos e individuos que se sentem atingidos ou excluidos de uma cultura mais ampla. Mídia tática não somente para reportar eventos, já que nunca são imparciais, sempre participoam e é isso mais do que qualquer outra coisa que os separa da mídia comercial".2
Assim como tantas outras coisas que são agora comuns em nossas vidas informacionais, a raiz da mídia tática está nas inovações culturais dos movimentos sociais radicais que se espalhou no fim dos anos 1960s. Não somente começaram a explorar as mudanças tecnológicas para a auto-produção de mídia, mas criaram idéias completamente novas sobre o que poderia ser a mídia: not apenas condutores de propadagnda de estado mais ou menos sofisticada (como na famosa análise de Althusser "aparatos ideológicos de estado"3), ou uma fonte de informação "objetiva" provida por uma elite professional (liberal). Ao contrário, eles re-conceitualizaram a mídia como uma expressão subjetiva, por e para pessoas que não estão representadas no mainstream.
Em vista das significantes barreiras tecnológicas à produção e difusão de mídia autônoma que existia já nos anos 1990s, a primeira onda de mídia "faça-você-mesm@" pensou sobre si como "mídia comunitária" representando minoriais locais, sociais, cultural ou étnicas. Nos EUA, a mídia comunitária era centrada na televissão e rádio aberta (public access). Estas foram possíveis por fortuitas legislações que requeriam de empresas de mídia a prover um canal para programação local não-comercial. Isso crioi uma base tecnológica e financeira para ativistas comunitários gerenciar canais de TV (de baixo custo). por todo o país, estações de TV locais surgiram, provendo grupos comunitários plataformas nas quais produziam programas por e para el2s mesm@s. Durante os anos de 1970, a tecnologia de vídeo desenvolvia há uma velicodade muito rápida, reduzingo a maior parte do trabalho e dos custos do equipamento enquanto melhorava a qualidade das gravações e as formas de pós-produção. Nos anos 1980s, teve como ápice a "revolução da câmera", que se referia as gravadoras de vídeo portáteis que se tornaram disponíveis em muitos lugares. Elas paraciam oferecer as possibilidades de se engajar em "contra-vigilância", ex: a habilidade de documentar abusos de poder. Assim como o caso de Rodney King mostrava no começo das anos 1990 em Los Angeles, as consequências de tal "contra-vigilância" poderiam ser dramáticas.
4 Nauela mesma época, novas transmissões de satélite fizeram possíveis começar uma distribuição de conteúdo nacional, não somente local. Esse desenvolvimento foi levado adiante por Deep DishTV, fundada em 1986. Seu objetivo era "fazer o que a mídia de massa não pode fazer por você: identificar e ampliar, sem alteração ou limitação, as vozes das culturas sem sede que lutavam por tempo igualitário."
5 Na Holanda, Tv de cabo publica possibilitou uma movimentada cena de rádios e tvs piratas que desenvolveu-se paralelamente com os primeiros projetos de acesso á intrenet como a Cidade Digital de Amsterdam, criando uma rica cultura local de mídia experimental e política.
6 No resto da europa, parte por seu diferente ambiente regulatório, a Tv de acesso público teve um papel menor, enquanto rádio comunitária - no caso da Grã-Bretanha, rádio purata - florescia desde os anos 1970s. Hoje, o modelo de acesso público ainda é relevante e sempre expandindo. Em Vienna, por exemplo, um novo canal de acesso público (Okto TV) abriu em 2005. Ainda assim, o ambiente da TV mudou significamente nos últimos 30 anos, e a TV de aceso público corre o perigo de se tornar apenas mais um canal-estreito no meio de um número infinito de canais.
Na metade dos anos 1990, os custos da produção de mídia diminuiu ainda mais, e a internet começava a oferecer uma promessa crível de uma plataforma alernativa de distribuição. Tornou possível evitar algumas limitações da mídia de massa, incluindo sua firme-limítrofe separação entre emissor e receptor, que até a mídia comunitária não conseguiiu suiperar (mesmo que a tornassem mais fáceis para membros rornarem-se produtores). Uma nova geração de ativistas de mídia começou a expérimentar com novas possibilidades de redes de comunicação abertas, que foram, e ainda em grande parte são, ainda uma promessa a ser realizada, mais do que uma infraestrutura disponível pronta.
El@s radicalizaram as idéias de mídia comunitária, convocando tod@s a produzir sua própia mídia em aopio às suas lutas políticas. Esse novo ativismo de mídia foi motivado por 3 diferentes insights. Priemiro, teóricos culturais chamavam para uma reavaliação de como indivíduos lidavam com produtos de mídia. Mais do que ver indivíduos simplesmente como consumidores passivos, eles foram entendidos como engajados em uma apropriação tática da mídia.7 Novas mídias poderiam transfomar essa prática de um nível individual a um nível social. Por isso o termo "mídia tática". Segundo, foi entendido muito claramente que toda política é, até um certo nível, política mediada e que a antiga distinção entre a "rua" (realidade) e a "mídia" (representação) não podia mais ser sustentada. Ao contrário, a mídia permeava toda a sociedade, e para contestar a dominação, foi necessário o desenvolvimento de novas formas de produção e distribuição. Não como uma tarefa separada dos movimentos sociais, mas como uma ativiadde chave por onde os moviemntos socias podiam coalescer-se. Finalmente, o ambiente midiático caracterizado pela lógica geográfica da transmissão em massa foi suplantada por um ambiente definido por muitas-a-muitas lógicas de acesso.
Neste ambiente, trabalhar em rede ocorria naturalmente, e alguns dos eventos-chave que estavam nessa rede foram largos protestos sociais que monitoravam os encontros políticos internacionais do WTO (Organização Mundial do Comércio - OMC), G8 e similares organizações de "livre comércio" ap final dos anos 1990s e começo dos anos 2000. Isso inspirou a criação de uma rede internacional de projetos de mídia locais sob o nome de Indymedia (Mídia Independente), que, pelo menos inicialmente, entendia-se como uma marma midiática do movimento anti-globalização. No entanto, enquanto Indymedia correntemente enlista perto de 200 nodos locais, regonais e nacionais, nunca realmente comparou-se ao pleno fôlego do movimento, e provavelmente nunca teve essa intenção. Ao contrário, Indymedia parece florescer onde os nodos estão fortemente envolvidos em comunidades locais, privilegiando as lutais locais concretas no lugar de políticas abstratas e globais.
Mesmo angtes ed Indymedia tornar-se a primeira plataforma midiática verdadeiramente global, uma série de conferências ocorreram em Amsterdão (1995-2003) chamadas "The Next Five Minutes" (N5M - Os próximos cinco munutos).8 Elas convergiam os precurssores ativistas da internet e os conecatva com a geração anterior de produtores de tv de acesso público assim como produtores de filmes independentes, re-conceitualizando todo o movimento como Mídia Tática. Esses projetos de novas mídias foram entendidos como táticos porque não eram direcionadis a estabelecer estruturas de longo-termo, mas sim rápidas intervenções que podiam ser realizadas com alta destreza e pequenos apoios. Era a prática no lugar da teoria,parcialemnte como uma tentativa de deixar de lado os extenuantes debates sobre identidade e representação que esbravejava há mais de uma década.9
Uma abordagem em pouco espaço de tempo caía bem para experimentalmente explorar um ambiente de uma nova mídia que estava raidamente emergindo. A tecnologia estava sendo desenvolvida numa velocidade extremamente rápida durante a fase de hiper-crescimento da internet, e uma sociedade civil global apenas começava a ser forjada. Dessa forma, mjuitos dos projetos de Mídia Tática eram ainda mais marginais do que a mídia comunitária da geração anterior, e mesmo assim tinham um papel importante no estabelecimento de práticas de ativistas de mídia adaptadas às novas condfições das redes abertas. Por um pequeno númerode anos, e basicamente pela intensiva rede de conferncias como N5M, a Mídia Tática floresceu como uma prátuca distinta e auto-ciente de ativistas de mídia interessados na inovação tecnológica e política.
No entanto, a partir do momento que as tecnologias da internet amadureceram, algumas contradições inerentes do conceito de Mídia Tática tornaram-se aparentes.Por exemplo, prover infraestrutura para projetos é uma medida de longo-termo, mais do que uma medida tática e pode facilmente overburdens e afrouxar redes. Indymedia tem sido a exceção à essa regra, e basicamente porque aproximou-se da mídia comunitária, feita por e para uma relativamente distinta classe do movimento mais largo de anti-globalização.
Organizações financiadas pelo governo ativas nessa área, assim como De Waag em Amstrerdão, ou perderam o interesse ou, como no caso da Public Netbase na Áustria, tiveram seu financiamento cortado, deixando o campo aberto para organizações menores e mais especializadas. O que foi mais importante, no entanto, foram as contradições conceituais entre a integração da produção midiática em todas as formas de movimentos políticos de base como parte de seu Kit-Ferramenta, e construindo uma identidade partyicular ao redor dessa prática cada vez mais comum. O movimento como um todocomeçou a dissolver à medida que mais pessoas faziam mídia tática sem pensar sobre Mídia Tática. De uma forma, Mída Tática foi tão bem-sucedida em estabelecer uma nova prática política, que não poderia mais servir de abordagem distintora de somente uma comunidade.
isso faz com que o cenário atual da situação esteja decididamente embaralhado. De um lado, a produção tecnológica tornou-se ainda mais acessível, tanto em termos de preço e facilidade de uso. Com o advento de companhias de hospedagem de páginas comerciuais para blogs e vídeos , a distribuição foi profissionalizadaa um nível bem alto. Em consequência disso, tornou-se muito fpacil filmatr, editar e distribuir conteúdo rico de mídia para audiências maiorews e menores. Isso é uma boa notícia, particularmente para ativistas em países e,m desenvolvimento. ao mesmo tempo, a captura comercial da infraestrutura criou novos entraves onde a censura e o controle do conteúdo de mídia pode e devefuncionar eficientemente.
Foi assim que essa produção autônoma de mídia para campanhas de base tornou-se largamente estabelecida como uma preocupação central de movimentos políticos contemporâneos, e não pouco por pioneiros da Mídia Tática dos anos 1990s. No entanto, sua crescente appoio nas infraestruturas comerciais introduziu novos pontos de falha que tornam-se aparentes à medida em que a polícia das plataformas comerciais se intensifica. parcialmente como uma reação das pequenas manifestações de mídia tática somada ás pressões das plataformas comerciais, há um interesse renovado na infraestrutura entre desenvolvedores de mídia oruentrados politicamente. Um exemplo é a rede global de iniciativas chamada "Bricolabs" que se descreve como uma "rede distribuída de desenvolvimento de Mídia Comunitária e Mídia Tática global e local através de infraestruturas genéricas incrementalmente desenvolvida por comunidades."10 bricolabs, de uma forma, combina os dois lados da Mídia Comunitária e da Mída Tática, procurando formas de colocar em rede comunidades locais para auto-apoiarem-se do desenvolvimento de infraestruturas alternativas para a produção de mídia. quão longe está esse objetivo pode ser alcançado continua a ser um mistério, mas é claro que apesar do declínio da Mídia Tática de uma forma estreita, a prática social de produção de mídia autônoma continua a ser adaptativa e inovativa.
NOTES
1. Esse texto foi beneficiado de comentários de Konrad Becker, David Garcia e Patrice Riemens.
2. Lovink, Geert; Garcia, David (1997): The ABC of Tactical Media. http://www.ljudmila.org/nettime/zkp4/74.htm
3. Althusser, Louis (1971). Ideology and Ideological State Apparatuses (Notes towards an Investigation), (trans. Ben Brewster) in: Lenin and Philosophy and Other Essays, Monthly Review Press http://www.marxists.org/reference/archive/althusser/1970/ideology.htm
4. Wikipedia: Rodney King. http://en.wikipedia.org/wiki/Rodney_King
5. Yablonska, Linda (1993). Deep Dish TV. High Performance #61, Spring http://www.communityarts.net/readingroom/archivefiles/1999/12/deep_dish_tv.php
6. Lovink, Geert; Riemens, Patrice (2000). Amsterdam Public Digital Culture 2000. In Telepolis, 18.08. http://www.heise.de/tp/r4/artikel/6/6972/1.html
7. Certeau, Michel de (1988). The Practice of Everyday Life. Berkeley, University of California Press
8. http://www.next5minutes.org/
9. Wark, McKenzie (2002). Strategies for Tactical Media. In: Proceedings from the South Asian Tactical Media Lab. Nov. 14-16. Delhi. http://www.sarai.net/resources/eventproceedings/2002/tactical-media-lab/strategies.PDF
10. http://www.bricolabs.net [28.02.2008]
Espaco auto-gestionario na web. Espaco de articulacao de pensamentos, encontro, chegada.
sábado, 11 de junho de 2011
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Para uma Teoria Libertária do Poder
Para uma Teoria Libertária do Poder (I) ? Ibañez e o poder político libertárioPor Bruno Lima Rocha e Felipe Corrêa 02/06/2011 às 18:18
?Para uma Teoria Libertária do Poder? é uma série de resenhas elaboradas sobre artigos ou livros de autores do campo libertário que discutem o poder. Seu objetivo é apresentar uma leitura contemporânea de autores que vêm tratando o tema em questão e trazer elementos para a elaboração de uma teoria libertária do poder
As relações de poder podem ser edificadas para ultrapassando as amarras
Para uma Teoria Libertária do Poder (I) ? Ibañez e o poder político libertário
1º de junho de 2011, de São Paulo, Felipe Corrêa
Leia ao final o comentário dos editores do portal
?Para uma Teoria Libertária do Poder? é uma série de resenhas elaboradas sobre artigos ou livros de autores do campo libertário que discutem o poder. Seu objetivo é apresentar uma leitura contemporânea de autores que vêm tratando o tema em questão e trazer elementos para a elaboração de uma teoria libertária do poder, que poderá contribuir na elaboração de um método de análise da realidade e de estratégias de bases libertárias, a serem utilizadas por indivíduos e organizações.
Neste primeiro artigo da série, utilizarei para discussão o artigo ?Por um Poder Político Libertário?, de Tomás Ibáñez.[*] Nele, um artigo curto, que não ultrapassa algumas poucas laudas, o autor coloca-se criticamente em relação à abordagem libertária que vinha sendo feita do tema. O artigo de Ibáñez foi escrito originalmente como contribuição para o seminário ?O Poder e sua Negação?, promovido pelo CIRA e pelo CSL Pinelli, em julho de 1983. Até aquele momento, para o autor, o anarquismo estava ?preso à rigidez de conceitos e propostas, na sua maior parte, criados no decurso dos séculos XVIII e XIX?. E, para ele, discutir a fundo a questão do poder seria uma relevante renovação no campo teórico do anarquismo.
O PROBLEMA SEMÂNTICO DA DISCUSSÃO SOBRE O PODER
Já naquela época Ibáñez identificava que ?a polissemia [palavra que tem mais de uma significação] do termo ?poder? e a amplitude do seu espectro semântico constituem as condições de um diálogo de surdos?. Para ele, nas discussões sobre o poder, os discursos se sobrepõem e não se articulam uns com os outros. E isso acontece porque ?tratam de objetos profundamente diferentes, na confusão induzida pelo recurso a outro termo comum: o poder?.
E por isso a necessidade identificada de ?circunscrevermos o termo ?poder?, antes de iniciarmos a discussão?. Independente do esforço nesse sentido, o autor não acredita ser possível chegar a uma definição objetiva e asséptica da palavra ?poder?, já que ?se trata de um termo político carregado de sentido, analisado sempre de uma localização política precisa, e do qual não é possível possuir definição ?neutra??.
O PODER A PARTIR DE UMA TRIPLA DEFINIÇÃO
O primeiro elemento para iniciar uma definição do poder é que, dentro de uma perspectiva libertária, ele não pode ser concebido somente de maneira negativa: ?em termos de negação, de exclusão, de recusa, de oposição, de antinomia?. Para Ibáñez, o poder pode ser definido a partir de três interpretações: 1.) como capacidade, 2.) como assimetria nas relações de força, e 3.) como estruturas e mecanismos de regulação e controle. Vejamos, nos termos do próprio autor, como se define o poder em cada um dessas acepções.
1. O poder como capacidade
?Numa das suas acepções, provavelmente a mais geral e diacronicamente primeira, o termo ?poder? funciona como equivalente da expressão ?capacidade de?, isto é: como sinônimo do conjunto dos efeitos dos quais um agente dado, animado ou não, pode ser a causa direta ou indireta. É interessante que, desde o início, o poder se define em termos relacionais, na medida em que, para que um elemento possa produzir ou inibir um efeito, é necessário que se estabeleça uma interação.?
Pensado neste sentido, o poder seria concebido como ?ter poder de? ou ?ter poder para?, uma capacidade de realização ou uma força potencial que poderia ser aplicada em uma relação social. Coloca-se como premissa dessa definição de poder as relações sociais, ou seja, interação entre agentes sociais.
2. O poder como assimetria nas relações de força
?Numa segunda acepção, o termo ?poder? refere-se a certo tipo de relação entre agentes sociais, e costuma-se agora caracterizá-lo como uma capacidade assimétrica ou desigual que os agentes possuem de causar efeitos sobre o outro pólo de uma dada relação.?
Ainda que ancorado no poder como capacidade, esse outro sentido permite pensar nas assimetrias das diferentes forças sociais que se encontram em uma determinada relação social. Essas forças, sempre assimétricas e desiguais, quando em interação/relação, forjam os efeitos sobre um ou mais pólos, sendo que cada um deles possui uma força distinta e, portanto, uma capacidade distinta. Novamente, afirma-se o poder como relação entre agentes sociais, cada um dos quais com uma capacidade distinta de causar efeitos sobre outros.
3. O poder como estruturas e mecanismos de regulação e controle
?Numa terceira acepção, o termo ?poder? refere-se às estruturas macro-sociais e aos mecanismos macro-sociais de regulação ou de controle social. Fala-se, neste sentido, de ?instrumentos? ou ?dispositivos? de poder, de ?centros? ou de ?estruturas? de poder, etc.?
Assim concebido, o poder constituiria o ?sistema? de uma determinada sociedade, naquilo que diz respeito às suas estruturas e seus mecanismos de regulação e de controle. Seria o conjunto de regras de uma determinada sociedade, que envolve tanto as tomadas de decisão para seu estabelecimento e para definir seu controle, quanto a própria aplicação desse controle. Uma estruturação da sociedade que faz com que sejam necessárias instâncias deliberativas e executivas.
QUAIS AS POSSIBILIDADES DE UMA SOCIEDADE SEM PODER?
A partir dessas três interpretações, pode-se afirmar que ?falar de uma sociedade ?sem poder? constitui uma aberração, quer nos coloquemos do ponto de vista do poder/capacidade (que sentido teria uma sociedade que não ?pudesse? nada?), quer nos coloquemos ao nível das relações assimétricas (o que significariam as interações sociais sem efeitos assimétricos?), quer por fim nos coloquemos do ponto de vista do poder como mecanismos e estruturas de regulação macro-sociais (o que seria um sistema cujos elementos não fossem ?forçados? pelo conjunto das relações que definem exatamente o próprio sistema?)?.
Não há sociedade sem agentes sociais com capacidade, assim como não há sociedade com todas as relações sociais simétricas ? ou seja, uma sociedade em que todos os agentes sociais tenham a mesma capacidade de causar efeitos sobre outros, em todas as relações sociais ? ou sem estruturas e mecanismos de regulação e de controle social. O que nos permite concordar com Ibáñez em relação ao absurdo que significa, levando em conta as definições apresentadas pelo autor, falar em sociedade sem poder, em luta contra o poder, em acabar ou destruir o poder.
Ibáñez acredita que ?as relações de poder são consubstanciais ao próprio fato social, são-lhe inerentes, impregnam-no, contém-no, no próprio instante em que dele emanam?. Ao se tratar de qualquer aspecto do âmbito chamado social, pode-se afirmar que, nele, existem interações entre diversos elementos que conformam um determinado sistema. Para o autor, além disso, ?existem inelutavelmente certos efeitos de poder do sistema sobre os seus elementos, exatamente como existem também efeitos de poder entre os elementos do sistema?. Ou seja, o poder permeia tanto as relações entre elementos como as relações entre sistema e elementos.
Conceber uma sociedade sem poder significaria, para o autor, acreditar na possibilidade de existência de uma ?sociedade sem relações sociais, sem regras sociais e sem processos de decisão sociais?. Ou seja, seria conceber o ?impensável?.
UMA CONCEPÇÃO LIBERTÁRIA DO PODER
Tal argumentação permite que se afirme que ?existe uma concepção libertária do poder, e é falso que esta tenha que constituir uma negação do poder?. Negar este fato implicaria, necessariamente, em uma dificuldade tanto em termos de análise da realidade, quanto em termos de concepção de uma estratégia. ?Enquanto isso não for plenamente assumido pelo pensamento libertário?, enfatiza Ibáñez, ele ?não será capaz de iniciar as análises e as ações que lhe permitam ter força na realidade social?.
E o que ele argumenta faz sentido se observarmos a história do anarquismo ou mesmo daquilo que foi chamado de ?meio libertário?. Indo além das afirmações semânticas ? que muitas vezes davam/dão à palavra poder um sentido de Estado ? parece claro que o ?pensamento libertário? nunca negou a capacidade dos agentes sociais, as assimetrias nas relações de força ou as estruturas e mecanismos de regulação e controle.
Um exemplo que é significativamente comum na tradição libertária. Considerando as relações assimétricas de classes na sociedade capitalista e, fundamentando-se na ideia de capacidade da classe trabalhadora, os libertários buscam promover uma revolução social, em que a força da classe dominante seja sobreposta e que se estabeleça um sistema de regulação e controle fundamentado na autogestão e no federalismo. Mesmo com esse exemplo genérico, pode-se afirmar que se a classe dominante é retirada de sua condição de dominação e dá lugar a uma estrutura libertária, ainda que na sociedade futura, essa relação de forças entre classe dominante afastada da dominação e classe trabalhadora constitui uma relação assimétrica.
Nesse sentido, é possível assumir que, de fato, historicamente, há uma concepção libertária de poder que ? ainda que não tenha sido discutida com a devida profundidade e que tenha sido complicada por uma série de fatores ? possui elementos de relevância nesse debate que agora é realizado.
DOMINAÇÃO COMO UM TIPO DE PODER
Quando os libertários realizam um discurso contra o poder, coloca Ibáñez, utilizam o ?termo ?poder? para se referirem de fato a um ?certo tipo de relação de poder?, ou seja, muito concretamente, ao tipo de poder que se encontra nas ?relações de dominação?, nas ?estruturas de dominação?, nos ?dispositivos de dominação?, ou nos ?instrumentos de dominação? etc. (sejam estas relações de tipo coercitivo, manipulador ou outro).? Portanto, para ele, a dominação é um tipo de relação de poder, mas não se pode definir dominação como poder, já que constituem categorias distintas. Para o autor, não se pode englobar nas relações de dominação ?as relações que vinculam a liberdade do indivíduo ou dos grupos?, ou seja, não se pode incorporar na categoria dominação relações libertárias. Mas isso parece de certa maneira óbvio. O que não é obvio, na realidade, é que quando se equipara poder com dominação, assume-se que o poder é contrário à liberdade, uma afirmação da qual o autor discorda. ?Liberdade e poder não se situam realmente segundo uma relação de oposição simples.? E ainda: ?Poder e liberdade encontram-se, pois, numa relação inextricavelmente complexa de antagonismo/possibilidade?. Portanto, assim concebido, o poder poderia ser contraditório à liberdade, mas também poderia potencializar a sua realização. Seria, na realidade, o tipo de poder que determinaria essa relação com a liberdade.
Assim, Ibáñez acredita que ?os libertários se situam, na realidade, contra os sistemas sociais baseados em relações de dominação (em sentido estrito). ?Abaixo o poder!? é uma fórmula que deveria desaparecer do léxico libertário e ser substituída por ?Abaixo as relações de dominação?. Mas neste ponto é preciso tentar definir as condições que tornam possível uma sociedade enquanto tal.?
CONTRA A DOMINAÇÃO E POR UM PODER POLÍTICO LIBERTÁRIO
Pode-se afirmar, com base nessa estrutura argumentativa, que ?os libertários não são contra o poder, mas contra certo tipo de poder?, e em suas estratégias, buscam ser ?construtores de uma variedade de poder a que é cômodo (e exato) chamarmos agora de ?poder libertário?, ou, mais precisamente: ?poder político libertário??. O que significaria assumir que os libertários defendem um modelo de funcionamento (libertário) dos instrumentos, dos dispositivos e das relações de poder.
* Tomás Ibáñez. ?Por um Poder Político Libertário: considerações epistemológicas e estratégias em torno de um conceito?. Artigo originalmente publicado em 1983 na revista italiana Volontà. Utilizo para as citações uma tradução para o português de Miguel Serras Pereira, realizada para uma publicação portuguesa dos anos 1980. O artigo está também na compilação chamada Actualidad del Anarquismo, publicada pela Libros de Anarres, de Buenos Aires, em 2007.
Felipe Corrêa é editor pós-graduado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e mestrando da Universidade de São Paulo (EACH), no programa de Participação Política e Mudança Social. É pesquisador do anarquismo e dos movimentos populares e militante da Organização Anarquista Socialismo Libertário, da Organização Popular Aymberê e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pela regional da Grande São Paulo.
Comentário dos editores do portal
Felipe Corrêa é um trabalhador intelectual que materializa o conceito do termo. Trabalha como editor, é militante, estuda como profissional e dedica sua vida a difundir e executar idéias que levam as maiorias para ampliar e garantir seus direitos na plenitude de suas realizações. Este portal recebe os textos de Felipe com enorme satisfação ? na real, incomensurável satisfação ? pois entende a relevância destas palavras, indo ao encontro nossa vocação também de difusão científica, das ciências das humanidades produzidas no intuito de libertar a nós mesmos das mazelas sombrias do mundo da dominação que usurpa as vontades e castra as potencialidades de realização. Retornamos assim a uma de nossas metas permanentes, a popularização do debate político de alto nível advindo da matriz libertária de pensamento.
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Estratégia & Análise: a política, a economia e a ideologia na ponta da adaga.
Expediente
Editor Bruno Lima Rocha
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Agradecemos a publicação deste artigo, sempre citando a fonte e solicitamos o favor de enviar para nosso endereço eletrônico o LINK da página onde o texto foi reproduzido.
Gratos pela atenção:
Equipe Estratégia & Análise
1º de junho de 2011, de São Paulo, Felipe Corrêa
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?Para uma Teoria Libertária do Poder? é uma série de resenhas elaboradas sobre artigos ou livros de autores do campo libertário que discutem o poder. Seu objetivo é apresentar uma leitura contemporânea de autores que vêm tratando o tema em questão e trazer elementos para a elaboração de uma teoria libertária do poder, que poderá contribuir na elaboração de um método de análise da realidade e de estratégias de bases libertárias, a serem utilizadas por indivíduos e organizações.
Neste primeiro artigo da série, utilizarei para discussão o artigo ?Por um Poder Político Libertário?, de Tomás Ibáñez.[*] Nele, um artigo curto, que não ultrapassa algumas poucas laudas, o autor coloca-se criticamente em relação à abordagem libertária que vinha sendo feita do tema. O artigo de Ibáñez foi escrito originalmente como contribuição para o seminário ?O Poder e sua Negação?, promovido pelo CIRA e pelo CSL Pinelli, em julho de 1983. Até aquele momento, para o autor, o anarquismo estava ?preso à rigidez de conceitos e propostas, na sua maior parte, criados no decurso dos séculos XVIII e XIX?. E, para ele, discutir a fundo a questão do poder seria uma relevante renovação no campo teórico do anarquismo.
O PROBLEMA SEMÂNTICO DA DISCUSSÃO SOBRE O PODER
Já naquela época Ibáñez identificava que ?a polissemia [palavra que tem mais de uma significação] do termo ?poder? e a amplitude do seu espectro semântico constituem as condições de um diálogo de surdos?. Para ele, nas discussões sobre o poder, os discursos se sobrepõem e não se articulam uns com os outros. E isso acontece porque ?tratam de objetos profundamente diferentes, na confusão induzida pelo recurso a outro termo comum: o poder?.
E por isso a necessidade identificada de ?circunscrevermos o termo ?poder?, antes de iniciarmos a discussão?. Independente do esforço nesse sentido, o autor não acredita ser possível chegar a uma definição objetiva e asséptica da palavra ?poder?, já que ?se trata de um termo político carregado de sentido, analisado sempre de uma localização política precisa, e do qual não é possível possuir definição ?neutra??.
O PODER A PARTIR DE UMA TRIPLA DEFINIÇÃO
O primeiro elemento para iniciar uma definição do poder é que, dentro de uma perspectiva libertária, ele não pode ser concebido somente de maneira negativa: ?em termos de negação, de exclusão, de recusa, de oposição, de antinomia?. Para Ibáñez, o poder pode ser definido a partir de três interpretações: 1.) como capacidade, 2.) como assimetria nas relações de força, e 3.) como estruturas e mecanismos de regulação e controle. Vejamos, nos termos do próprio autor, como se define o poder em cada um dessas acepções.
1. O poder como capacidade
?Numa das suas acepções, provavelmente a mais geral e diacronicamente primeira, o termo ?poder? funciona como equivalente da expressão ?capacidade de?, isto é: como sinônimo do conjunto dos efeitos dos quais um agente dado, animado ou não, pode ser a causa direta ou indireta. É interessante que, desde o início, o poder se define em termos relacionais, na medida em que, para que um elemento possa produzir ou inibir um efeito, é necessário que se estabeleça uma interação.?
Pensado neste sentido, o poder seria concebido como ?ter poder de? ou ?ter poder para?, uma capacidade de realização ou uma força potencial que poderia ser aplicada em uma relação social. Coloca-se como premissa dessa definição de poder as relações sociais, ou seja, interação entre agentes sociais.
2. O poder como assimetria nas relações de força
?Numa segunda acepção, o termo ?poder? refere-se a certo tipo de relação entre agentes sociais, e costuma-se agora caracterizá-lo como uma capacidade assimétrica ou desigual que os agentes possuem de causar efeitos sobre o outro pólo de uma dada relação.?
Ainda que ancorado no poder como capacidade, esse outro sentido permite pensar nas assimetrias das diferentes forças sociais que se encontram em uma determinada relação social. Essas forças, sempre assimétricas e desiguais, quando em interação/relação, forjam os efeitos sobre um ou mais pólos, sendo que cada um deles possui uma força distinta e, portanto, uma capacidade distinta. Novamente, afirma-se o poder como relação entre agentes sociais, cada um dos quais com uma capacidade distinta de causar efeitos sobre outros.
3. O poder como estruturas e mecanismos de regulação e controle
?Numa terceira acepção, o termo ?poder? refere-se às estruturas macro-sociais e aos mecanismos macro-sociais de regulação ou de controle social. Fala-se, neste sentido, de ?instrumentos? ou ?dispositivos? de poder, de ?centros? ou de ?estruturas? de poder, etc.?
Assim concebido, o poder constituiria o ?sistema? de uma determinada sociedade, naquilo que diz respeito às suas estruturas e seus mecanismos de regulação e de controle. Seria o conjunto de regras de uma determinada sociedade, que envolve tanto as tomadas de decisão para seu estabelecimento e para definir seu controle, quanto a própria aplicação desse controle. Uma estruturação da sociedade que faz com que sejam necessárias instâncias deliberativas e executivas.
QUAIS AS POSSIBILIDADES DE UMA SOCIEDADE SEM PODER?
A partir dessas três interpretações, pode-se afirmar que ?falar de uma sociedade ?sem poder? constitui uma aberração, quer nos coloquemos do ponto de vista do poder/capacidade (que sentido teria uma sociedade que não ?pudesse? nada?), quer nos coloquemos ao nível das relações assimétricas (o que significariam as interações sociais sem efeitos assimétricos?), quer por fim nos coloquemos do ponto de vista do poder como mecanismos e estruturas de regulação macro-sociais (o que seria um sistema cujos elementos não fossem ?forçados? pelo conjunto das relações que definem exatamente o próprio sistema?)?.
Não há sociedade sem agentes sociais com capacidade, assim como não há sociedade com todas as relações sociais simétricas ? ou seja, uma sociedade em que todos os agentes sociais tenham a mesma capacidade de causar efeitos sobre outros, em todas as relações sociais ? ou sem estruturas e mecanismos de regulação e de controle social. O que nos permite concordar com Ibáñez em relação ao absurdo que significa, levando em conta as definições apresentadas pelo autor, falar em sociedade sem poder, em luta contra o poder, em acabar ou destruir o poder.
Ibáñez acredita que ?as relações de poder são consubstanciais ao próprio fato social, são-lhe inerentes, impregnam-no, contém-no, no próprio instante em que dele emanam?. Ao se tratar de qualquer aspecto do âmbito chamado social, pode-se afirmar que, nele, existem interações entre diversos elementos que conformam um determinado sistema. Para o autor, além disso, ?existem inelutavelmente certos efeitos de poder do sistema sobre os seus elementos, exatamente como existem também efeitos de poder entre os elementos do sistema?. Ou seja, o poder permeia tanto as relações entre elementos como as relações entre sistema e elementos.
Conceber uma sociedade sem poder significaria, para o autor, acreditar na possibilidade de existência de uma ?sociedade sem relações sociais, sem regras sociais e sem processos de decisão sociais?. Ou seja, seria conceber o ?impensável?.
UMA CONCEPÇÃO LIBERTÁRIA DO PODER
Tal argumentação permite que se afirme que ?existe uma concepção libertária do poder, e é falso que esta tenha que constituir uma negação do poder?. Negar este fato implicaria, necessariamente, em uma dificuldade tanto em termos de análise da realidade, quanto em termos de concepção de uma estratégia. ?Enquanto isso não for plenamente assumido pelo pensamento libertário?, enfatiza Ibáñez, ele ?não será capaz de iniciar as análises e as ações que lhe permitam ter força na realidade social?.
E o que ele argumenta faz sentido se observarmos a história do anarquismo ou mesmo daquilo que foi chamado de ?meio libertário?. Indo além das afirmações semânticas ? que muitas vezes davam/dão à palavra poder um sentido de Estado ? parece claro que o ?pensamento libertário? nunca negou a capacidade dos agentes sociais, as assimetrias nas relações de força ou as estruturas e mecanismos de regulação e controle.
Um exemplo que é significativamente comum na tradição libertária. Considerando as relações assimétricas de classes na sociedade capitalista e, fundamentando-se na ideia de capacidade da classe trabalhadora, os libertários buscam promover uma revolução social, em que a força da classe dominante seja sobreposta e que se estabeleça um sistema de regulação e controle fundamentado na autogestão e no federalismo. Mesmo com esse exemplo genérico, pode-se afirmar que se a classe dominante é retirada de sua condição de dominação e dá lugar a uma estrutura libertária, ainda que na sociedade futura, essa relação de forças entre classe dominante afastada da dominação e classe trabalhadora constitui uma relação assimétrica.
Nesse sentido, é possível assumir que, de fato, historicamente, há uma concepção libertária de poder que ? ainda que não tenha sido discutida com a devida profundidade e que tenha sido complicada por uma série de fatores ? possui elementos de relevância nesse debate que agora é realizado.
DOMINAÇÃO COMO UM TIPO DE PODER
Quando os libertários realizam um discurso contra o poder, coloca Ibáñez, utilizam o ?termo ?poder? para se referirem de fato a um ?certo tipo de relação de poder?, ou seja, muito concretamente, ao tipo de poder que se encontra nas ?relações de dominação?, nas ?estruturas de dominação?, nos ?dispositivos de dominação?, ou nos ?instrumentos de dominação? etc. (sejam estas relações de tipo coercitivo, manipulador ou outro).? Portanto, para ele, a dominação é um tipo de relação de poder, mas não se pode definir dominação como poder, já que constituem categorias distintas. Para o autor, não se pode englobar nas relações de dominação ?as relações que vinculam a liberdade do indivíduo ou dos grupos?, ou seja, não se pode incorporar na categoria dominação relações libertárias. Mas isso parece de certa maneira óbvio. O que não é obvio, na realidade, é que quando se equipara poder com dominação, assume-se que o poder é contrário à liberdade, uma afirmação da qual o autor discorda. ?Liberdade e poder não se situam realmente segundo uma relação de oposição simples.? E ainda: ?Poder e liberdade encontram-se, pois, numa relação inextricavelmente complexa de antagonismo/possibilidade?. Portanto, assim concebido, o poder poderia ser contraditório à liberdade, mas também poderia potencializar a sua realização. Seria, na realidade, o tipo de poder que determinaria essa relação com a liberdade.
Assim, Ibáñez acredita que ?os libertários se situam, na realidade, contra os sistemas sociais baseados em relações de dominação (em sentido estrito). ?Abaixo o poder!? é uma fórmula que deveria desaparecer do léxico libertário e ser substituída por ?Abaixo as relações de dominação?. Mas neste ponto é preciso tentar definir as condições que tornam possível uma sociedade enquanto tal.?
CONTRA A DOMINAÇÃO E POR UM PODER POLÍTICO LIBERTÁRIO
Pode-se afirmar, com base nessa estrutura argumentativa, que ?os libertários não são contra o poder, mas contra certo tipo de poder?, e em suas estratégias, buscam ser ?construtores de uma variedade de poder a que é cômodo (e exato) chamarmos agora de ?poder libertário?, ou, mais precisamente: ?poder político libertário??. O que significaria assumir que os libertários defendem um modelo de funcionamento (libertário) dos instrumentos, dos dispositivos e das relações de poder.
* Tomás Ibáñez. ?Por um Poder Político Libertário: considerações epistemológicas e estratégias em torno de um conceito?. Artigo originalmente publicado em 1983 na revista italiana Volontà. Utilizo para as citações uma tradução para o português de Miguel Serras Pereira, realizada para uma publicação portuguesa dos anos 1980. O artigo está também na compilação chamada Actualidad del Anarquismo, publicada pela Libros de Anarres, de Buenos Aires, em 2007.
Felipe Corrêa é editor pós-graduado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e mestrando da Universidade de São Paulo (EACH), no programa de Participação Política e Mudança Social. É pesquisador do anarquismo e dos movimentos populares e militante da Organização Anarquista Socialismo Libertário, da Organização Popular Aymberê e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pela regional da Grande São Paulo.
Comentário dos editores do portal
Felipe Corrêa é um trabalhador intelectual que materializa o conceito do termo. Trabalha como editor, é militante, estuda como profissional e dedica sua vida a difundir e executar idéias que levam as maiorias para ampliar e garantir seus direitos na plenitude de suas realizações. Este portal recebe os textos de Felipe com enorme satisfação ? na real, incomensurável satisfação ? pois entende a relevância destas palavras, indo ao encontro nossa vocação também de difusão científica, das ciências das humanidades produzidas no intuito de libertar a nós mesmos das mazelas sombrias do mundo da dominação que usurpa as vontades e castra as potencialidades de realização. Retornamos assim a uma de nossas metas permanentes, a popularização do debate político de alto nível advindo da matriz libertária de pensamento.
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