domingo, 17 de abril de 2011

"Federalismo, socialismo e antiteologismo: três fundamentos da teoria bakuninista (2009)"


40 anos da Comuna de Paris e a teoria do Anti-Estado



Comunicado da União Popular Anarquista – UNIPA
Nº. 32 - Março de 2011

A insurreição proletária de março de 1871, que ocorreu na capital francesa, instaurou uma experiência de autogoverno dos trabalhadores, conhecida com a Comuna de Paris.

Sendo um dos marcos da luta dos trabalhadores contra a exploração e opressão burguesa, a Comuna da Paris suscitou importantes debates a cerca da ideologia, da teoria, da estratégia e do programa revolucionários. Entretanto, o predomínio das análises de orientação marxista tem negligenciado aspectos centrais dessa experiência revolucionária, especialmente, no que diz respeito à participação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), o papel da Aliança e a teoria do anti-Estado.

A União Popular Anarquista (UNIPA) aproveita os 140 anos da Comuna para saldar essa insurreição proletária e destacar o papel da ideologia e da teoria anarquista nessa experiência de autogoverno dos trabalhadores.



1. O contexto político da Comuna de Paris


A derrota na guerra contra a Prússia (1870) pôs fim ao regime do imperador francês Napoleão III, Luís Bonaparte, e deu início ao Governo Provisório liderado pela burguesia. Inicialmente o Governo Provisório foi exercido por Leon Gambetta, posteriormente passou ao comando de Adolphe Thiers. Sob a liderança de Bismarck, a Alemanha estava em processo de unificação e disputava a hegemonia européia com a França e a Inglaterra. Os alemães já tinham conquistado as regiões francesas de Alsácia e Lorena, pelo Tratado de Frankfurt. O exército prussiano sitiou a cidade de Paris e o Governo Provisório francês propôs um armistício.

Por sua vez, o movimento operário na França estava consolidando sua organização política e sua consciência de classe, através da AIT. Estava mobilizado para a luta reivindicativa e começava a tomar parte nas questões da guerra. O movimento dos trabalhadores se deu conta que somente a sua iniciativa seria capaz de derrotar a ameaça de invasão prussiana, uma vez que a burguesia havia capitulado.



A insurreição começa em 1871 com a rebelião da Guarda Nacional que não aceitou a ordem de depor as armas. A Guarda Nacional executou seus generais e tomou a prefeitura de Paris. Thiers transferiu a sede do governo burguês para Versalhes e organizou a invasão da capital francesa. A resposta da classe trabalhadora foi a organização da Comuna de Paris – o autogoverno dos trabalhadores. A insurreição dos communards estabeleceu uma dualidade de poder: de um lado o poder burguês representado pelo Governo Provisório e seus aliados alemães; do outro lado, um poder operário-popular materializado na Comuna de Paris.

2. O papel da AIT e da Aliança na Comuna de Paris

O predomínio das interpretações marxistas sobre a Comuna produziu dois grandes equívocos: primeiro, a idéia de que o movimento insurrecional teve um caráter espontâneo, isto é, não foi o resultado de uma ação consciente dos trabalhadores, e, o segundo equívoco, é a defesa, feita por Engels e por Lênin, de que a Comuna foi a primeira experiência da "Ditadura do Proletariado".

Em 1870 a AIT já se constituía com uma das principais forças políticas da Europa, o espaço de organização das lutas dos trabalhadores europeus. A Associação Internacional dos Trabalhadores aprovou resolução contra a Guerra Franco-Prussiana, conclamando a unidade dos trabalhadores dos dois países.

Por sua vez, o movimento operário francês, responsável pela fundação da AIT juntamente com os trabalhadores ingleses em 1864, encontra-se fortemente organizados, enfrentando o governo absolutista de Napoleão III. Entre as lideranças dos trabalhadores franceses destaca-se Eugène Varlin (1839-1871), encadernador de livros, um dos principais organizadores da seção francesa da AIT e membro da Aliança (organização revolucionária anarquista da qual fazia parte Mikhail Bakunin).

Varlin participou ativamente da insurreição de março, sendo eleito para o Comitê Central da Guarda Nacional,
convocando os demais membros da AIT à participação no Comitê, também foi eleito para três distritos da Comuna e participando da resistência da última barricada.

Antes da eclosão da insurreição, o posicionamento da Aliança, a partir dos escritos e das ações de Bakunin e Varlin, é bem explícito: somente a Revolução Social poderia garantir a proteção do povo francês diante da opressão interna, o governo monárquico de Napoleão III, e da opressão externa, a invasão prussiana.

Em 1870, Bakunin estava em Lyon e organizou o Comitê para a Salvação da França e a Comuna de Lyon (também foram proclamadas Comunas em Marseille, Narbonne, Saint-Étienne, Toulouse e Creusot), defendendo a destruição do Estado e a organização do autogoverno dos trabalhadores.

Na sua obra Cartas a um francês, de 1870, Bakunin afirmava de maneira categórica: "Está aqui provado que a França não pode salvar... o Estado. Mas, separadamente desta instituição parasitária e artificial, uma nação somente consiste em seu povo; consequentemente, somente a ação imediata, não-partidária, do povo pode salvar a França, por meio de um levante massivo de todo o povo francês, espontaneamente organizado de baixo para cima, por uma guerra de destruição, uma guerra sem misericórdia, até a morte".

No início do mês de março de 1871, escrevia Varlin, no texto As sociedades operárias: ''Enquanto os nossos estadistas procuram substituir o regime do governo pessoal por um governo parlamentar e liberal (estilo Orléans), esperando assim desviar o avanço de uma revolução que ameaça os seus privilégios. (...) Devemos dedicar ativamente à preparação dos elementos de organização da sociedade futura, de modo a tornar mais fácil e mais certeira a obra de transformação social que se impõe à Revolução'''.

Portanto, não há dúvidas de que a teoria e a estratégia revolucionárias anarquistas foram determinantes da deflagração do movimento insurrecional da Comuna de Paris.

Do mesmo modo, o programa dos communards foi o programa da Aliança, isto é, a abolição do Estado, o povo em armas, a coletivização das fábricas, a igualdade entre homens e mulheres, entre outras. Sendo assim, o programa da Comuna, por suas características e natureza ideológica, não tem nenhuma relação com a "Ditadura do Proletariado", muito pelo contrário, a Comuna de Paris foi, como conclui Bakunin, a negação do Estado: "Sou um partidário da Comuna de Paris, (...) sou seu partidário em grande parte porque foi uma negação audaz, bem pronunciada, do Estado" (A Comuna de Paris e a noção de Estado).

Também encontramos no texto já citado de Varlin sua defesa da teoria do anti-Estado: "Até agora, os Estados políticos mais não têm sido do que a continuação de regime de conquista que presidiu ao estabelecimento da autoridade e à opressão das massas. (...) Se não quisermos converter tudo num Estado centralizador e autoritário, que nomearia os diretores das fábricas, das manufaturas, dos estabelecimentos de distribuição, os quais por sua vez nomeariam os subdiretores, os contramestres, etc., organizando-se assim hierarquicamente o trabalho de alto a baixo e deixando-se o trabalhador como uma mera engrenagem inconsciente, sem liberdade nem iniciativa, se não quisermos nada disto temos de admitir que os próprios trabalhadores devem dispor livremente dos seus instrumentos de trabalho, possuí-los, com a condição de trocar os seus produtos ao preço de custo, para que exista reciprocidade de serviços entre os trabalhadores das diferentes
especialidades".

Não se pode negar que a Comuna foi composta majoritariamente por republicanos radicais e que os setores socialistas (os chamados "internacionalistas") era minoritária. Entretanto, a partir da análise histórica correta sobre a Comuna de Paris não se pode negar que ela foi a primeira experiência do anti-Estado. Resultante de uma insurreição proletária que buscava a abolição do Estado e a construção da Federação e do autogoverno dos trabalhadores. Essa experiência histórica deve ser lembrada pela coragem dos communards em levar as últimas consequências o lema da AIT: A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores!




Os communards vivem e vencerão!
Viva a Comuna de Paris!

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        Federalismo, socialismo e antiteologismo: três fundamentos da teoria bakuninista (2009)

        Federalismo, socialismo e antiteologismo:
        três fundamentos da teoria bakuninista

         Pró-Núcleo da União Popular Anarquista (UNIPA) - DF

        BAKUNIN, Mikhail. Federalismo, Socialismo e Antiteologismo Cortez editora,São Paulo-SP, 1988.


        1. Federalismo e socialismo revolucionários. 


        A tentativa deste estudo foi explanar elementos da elaboração do texto de Bakunin e sua teoria revolucionária. Compreender tal teoria nos levou ao contexto histórico do texto que reflete sua intervenção na “Liga pela Paz e liberdade”. Tal intervenção se constituiu como entrismo de Bakunin no seio republicano tendo como intuito a atração de militantes para sua organização revolucionária. Tal consideração ganha relevo na análise do texto onde a sistematização de princípios da liga é ponderada por Bakunin no já conhecido provérbio “(...) quem muito abarca, mal abraça” (pg. 4). Como alerta Bakunin uma frouxidão de princípios pode desvirtuar anseios socialistas e republicanos para o autoritarismo: 


        “(...) inspirados como somos pelos sentimentos mais amplos e mais liberais poderíamos desembocar numa realidade diametralmente oposta a estes sentimentos: poderíamos começar com convicções republicanas, democráticas, socialistas, acabar como bismarckianos ou bonapartistas.”(pg.3 ) 


        A definição dos princípios da Liga seria o ponto inicial para sua consolidação de modo que os marcos deste projeto deveriam definir a Liga um “espírito” para impedir sua descaracterização. Assim, Bakunin inicia sua reflexão sobre o objetivo da Liga. A definição da luta pela Liberdade e Paz ganha um tom bem determinado onde a liberdade seria condição para a consolidação da paz: 


        “(...) a partir daí nos distinguimos de todos aqueles que querem e que procuram a paz a qualquer preço, mesmo ao preço da liberdade e da dignidade humana. (...) nossa Liga proclama que ela só crê na paz e que ela só a deseja sob a condição suprema da liberdade” (pg.5) 


        Bakunin se refere a resolução congressual da Liga que afirma “fundar a paz sobre a democracia e sobre a liberdade” para delimitar melhor a alcance da democracia. O princípio da liberdade associado com o privilégio daria origem à monarquia constitucional, ao se associar com a democracia ganha dimensão republicana. Esta concepção de democracia tem por objetivo combater o privilégio. Bakunin indica que a Liga seria uma meio um tanto amplo tendo o republicanismo como pano de fundo permeando seus objetivos (também amplos como ele bem ressalta). 


        Ao desenvolver a defesa da perspectiva republicana Bakunin se reporta a experiência de combate aos resquícios do antigo regime (desde 1848). É precisamente neste sentido que ele, e os socialistas russos, reivindicam a república: como negação ao antigo regime, “a derrubada ou eliminação da monarquia” (pg. 7). Porém, ao mesmo tempo que existe tal reivindicação do republicanismo coexiste a ela uma crítica sobre a perspectiva de centralização, esta seria um entrave à liberdade. Neste aspecto é importante salientar a negação de Bakunin ao Estado aludindo à experiência histórica da revolução francesa: 


         “(...) esta grande revolução que, pela primeira vez na história, havia proclamado a liberdade, não mais do cidadão apenas, mas do homem, fazendo-se herdeira da monarquia que ela matava, havia ressuscitado ao mesmo tempo esta negação de toda a liberdade: a centralização e onipotência do Estado.” (pg. 8) 


        Bakunin insere aqui o desenvolvimento de sua defesa do federalismo em oposição da centralização do Estado. Ao que tudo nos indica ao partir de princípios amplos e um tanto dispersos, sujeito a apropriações diversas, Bakunin conseguiu com maestria desenvolvê-los até um concepção socialista revolucionária, o que reafirma a hipótese: de tratar-se de um entrismo no meio republicano para buscar membros para sua organização revolucionária. 


        O texto prossegue enfocando o socialismo, sua origem, formação e objetivos na perspectiva bakuninista; cita para tanto a conspiração dos iguais, originada por Babeuf. O babuvismo foi a corrente revolucionária que pregou a defesa da distribuição dos bens da sociedade de acordo com o trabalho em plena Revolução francesa. Bakunin reivindica tal herança: “repartindo em porções iguais a cada um: a educação, a instrução, os meios de existência, os prazeres forçando a todos, sem exceção, segundo a medida de forças e de capacidade de cada um, ao trabalho tanto muscular quanto intelectual.” 


        A gênese do socialismo é apresentada na França durante a revolução burguesa as tradições posteriores se dividiram em duas correntes : 1ª a doutrinária (Fourierismo de Fourier e o Saint Simonianismo de Saint Simon), de caráter pacifista, teológico e estatista. E a 2ª Revolucionária (de Cabet e Louis Blanc - Blanquismo) de caráter revolucionário, pregando a transformação violenta, embora também estatista. Constatando o caráter estatista de ambas as correntes as qualifica portanto como autoritárias. Quem distinguia-se desse quadro era o socialista Proudhon, a quem, opondo o estado ao federalismo e a liberdade; a teologia ao ateísmo em defesa do socialismo. 


        O espaço desta reflexão comporta também para Bakunin a crítica do que ele chama de “republicanismo puro” surgido de Robespierre e Saint Justin. A principal crítica seria o seu desligamento do socialismo e a proclamação do conceito de cidadania (este sobre influência da Antiga Grécia e Roma). Tal concepção seria a negação da humanidade: reconhece somente aqueles que cumprem deveres a um Estado centralizado. Desta forma, o sacrifício por um suposto interesse comum da pátria, desconsiderando completamente as diferenças sociais e econômicas, funda uma nova exploração concretizada no domínio dos “cidadãos ativos” sobre os “cidadãos passivos”. Esta é a distinção bakuninista entre o regime de republicanismo socialista, que é dos homens livres, e do “republicanismo puro”, de cidadãos. 


        Para ampliar a crítica ao socialismo de Estado Bakunin analisa o processo revolucionário Francês de 1848, onde as organizações operárias influenciadas pelo socialismo autoritário uniram-se às correntes do republicanismo puro e estatista para derrubar a monarquia absolutista. Unidos inicialmente pela construção de um novo Estado formaram um governo provisório. Este teria sido o erro dos socialistas. Por meio da traição dos republicanos burgueses a sua verdadeira face e a conseqüência do programa foi desvelada: esmagaram os operários e socialistas de Paris sob o comando de Cavaignac unindo-se a reação e elegendo Luís Bonaparte, mais tarde imperador, restaurando a monarquia como golpe. Tal fato fortaleceu a idéia de que no fim a burguesia pode se aliar ás forças mais reacionárias para impedir a emancipação do povo. Bakunin irá caracterizar tal acontecimento como o “fim do socialismo estatista”, mais não do socialismo: 

        “Não foi o socialismo que morreu, e sim o estado que declarou falência perante o socialismo e que, proclamando-se incapaz de lhe pagar a dívida que havia contraído com ele, tentou mata-lo, para se livrar de maneira mais fácil desta dívida.” 

        A crítica e a experiência da luta classes de 1848 demonstrou a falta de um programa socialista claro, pois na “torre de babel” - como diria Bakunin- em que se fez na revolução existiam: socialismo, estatismo, republicanismo burguês, monarquistas moderados. Esta constatação de Bakunin surge no texto como um balanço crítico que aponta para a superação dos métodos de colaboração com a burguesia e da necessidade da organização do proletariado sob um programa socialista. 

        2. O Antiteologismo 

        No tomo “antiteologismo” bakunin expõem a crítica à religião, quer dizer, as diversas manifestações da alienação agrupadas no conceito: teologismos. Suas considerações iniciais atestam que a crença em divindades são manifestações da capacidade de abstração coletiva humana: 

         “(...) o céu religioso nada mais foi que uma miragem onde o homem exaltado pela fé reencontrou há muito tempo a sua própria imagem, mas ampliada e invertida, isto é, divinizada.” (pg. 39) 


        Porém, o preço desta divinização, advinda da capacidade propriamente humana, foi a miséria do mundo real, quer dizer: 



        “(...) graças a esta modéstia e a esta generosidade dos homens, o céu se enriqueceu com os despojos da terra, e por uma conseqüência natural, quanto mais o céu se tornava rico mais a humanidade se tornava miserável.” pg. 40. 

        A autoridade divina se enuncia com seus “reveladores”: as castas clericais -os seus representantes na terra- e por fim do Estado que tem dela seu beneplácito. Assim, a religião existe para justificar a miséria e o domínio de tais estruturas já que toda a humanidade é sacrificada em nome de uma justiça e verdade transcendentes, que se encontram fora dela: 

         “Deus sendo tudo, o mundo real e o homem nada são. Deus sendo a verdade a justiça e a vida infinita, o homem é escravo. Incapaz de encontrar por ele próprio o caminho da justiça e da verdade deve recebê-las como uma revelação vinda de cima (...)” pg. 40 

        Por tanto, a conclusão de Bakunin é no sentido de refutar a religião em favor da liberdade humana. Esta tem como algumas de suas condições a justiça e o exercício da razão: 

        “A existência de Deus implica a abdicação da razão e da justiça humanas, ela é negação da liberdade humana e resulta necessariamente numa escravidão não somente teórica, mas prática.” pg 41. 


        Existem duas perspectivas mutuamente excludentes delimitadas por Bakunin: 



         “Deus existe, por tanto o homem é escravo. 
        O homem é inteligente, justo, livre, por tanto Deus não existe.” pg. 41 

        A humanidade deve ser sacrificada mediante a existência divina, quer dizer, Bakunin aposta na reais potencialidades humanas que descreditam a viabilidade da teologia. Só uma das vias é possível ou o homem é grandioso, ou a divindade grandiosa. O desenvolvimento da teoria da realidade de Bakunin revelará que por existir uma lógica, uma ordem, a realidade confirmará a inviabilidade do teologismo. Este último seria a ilogicidade, o sacrifício da razão. 

        Esta reflexão é ligada a separação entre o trabalho “nervoso” e “muscular” caracteriza a divisão de classes, justificada pela religião.A religião existe para a renúncia da razão e a apropriação da energia do trabalho em favor dos detentores do privilégio. Razão e trabalho não podem ser separados na filosofia bakuninista: o primeiro, está vinculado a emancipação humana o segundo é responsável por sua materialização, quer dizer, “criação”: 

        “Elas matam neles a razão, o principal instrumento da emancipação humana, reduzindo-os à imbecilidade, principal fundamento de toda escravidão, enchem seu espírito de divinos absurdos. Matam neles a energia do trabalho, que é a sua glória e sua salvação: o trabalho sendo o ato pelo qual o homem, tornando-se criador, forma seu mundo, as bases e as condições de sua existência humana, e conquista, ao mesmo tempo, sua liberdade e humanidade.” pg. 42. 

        Para superar a religião em favor da plena humanidade Bakunin defende “a propaganda socialista e a ciência racional”, esta última compreendida como aquela que refuta a metafísica se valendo da síntese, dedução, hipótese, comparação e por fim pela comprovação por meio da crítica e da experiência. 

        Existe, portanto, uma diferença de método entre a racionalização metafísica e a ciência positiva: a metafísica tentaria capturar forçosamente a realidade por meio de um pensamento exterior a ela, impõe assim leis que não se encontram na natureza. A ciência positiva, racional, porém só se ateria a uma gama de fatos regulares extraídos da própria natureza, verificados pela experiência. Quer dizer, o sentido de organização do pensamento metafísico segue um sentido que parte de cima para baixo, enquanto a ciência positiva segue o caminho inverso. É por conta desta constatação que Bakunin conclui que: “A metafísica, como se vê, opera segundo o método dos Estados centralizados” pg. 44. 

        O autor consegue estabelecer uma teoria do conhecimento que deve ser democrática, organizada de baixo para cima, e que tem como critério da verdade a experiência e a crítica: “Nada do que não foi realmente analisado e confirmado pela experiência ou pela mais severa crítica pode ser por ela aceito.” pg. 45; e tem como objeto o mundo real, conhecido. Certa autonomia das ciências particulares é admitida segundo Bakunin e estas, por sua vez, se coordenariam numa ordem sistêmica: a da filosofia racional. A este ponto é possível fazer um paralelo entre a política federalista defendida por Bakunin e a organização do pensamento: ambos são realizados de baixo para cima, o que revela uma coerência sistêmica também entre a caracterização política e científica de Bakunin. 

        Tal filosofia racional é exposta pelo autor pelo seu desenvolvimento que parte da contribuição de August Comet e sua negação da metafísica. Ela teria “materializado o espírito” na medida em que enraizou o pensamento no mundo material. Esta seria a diferenciação positiva de Comet com relação a Hegel, Comet seguiu o sentido inverso da filosofia especulativa : enraizou a gênese do espírito na matéria. 

        Assim, Bakunin, confere um importante papel a recém-nascida sociologia de sua tempo. Esta teria o papel de buscar as leis gerais do desenvolvimento da sociedade. A ciência destas seriam imprescindíveis para a realização da liberdade : 

        “Extrair estas leis dos eventos passados e da massa dos fatos presentes, tal deve ser o objetivo da ciência. Fora do imenso interesse que apresenta ao espírito, ela nos promete, no futuro, uma grande utilidade prática; isto porque, assim como não podemos dominar a natureza e transformá-la segundo nossas necessidades progressivas, a não ser graças ao conhecimento que adquirimos de suas leis, só poderemos realizar nossa liberdade e nossa prosperidade social se levarmos em conta as leis naturais e permanentes que o governam.” Pg. 47. 

        Porém, mesmo constatando todo este potencial positivo Bakunin adverte para o risco de esperar o completo desenvolvimento de tal ciência para a mudança da realidade. Ele critica a partir daí os limites da ciência positiva diante da imensidão da vida, do movimento da sociedade humana: 

         “(...) ela não é tudo, que ela é apenas uma parte, e que o todo é a vida (...) a vida da sociedade humana sobre a Terra. Tudo isto é infinitamente mais extenso, mais amplo, mais profundo e mais rico que a ciência, e jamais será por ela esgotado.” pg. 49 

        Fica claro na colocação acima que a dinâmica da vida não pode ser totalmente apreendida pela ciência sendo dela uma abstração. Assim o vida social dos povos caminha sem depender da ciência para inspirá-la. 

        Ao dar continuidade a sua reflexão Bakunin usa metaforicamente o termo “criação” entendendo por esta “o produto infinitamente complexo de uma quantidade de causas muito diferentes” pg. 50, quer dizer a sociologia de Bakunin compreende a multicausalidade. Torna a se colocar a questão enunciada mais a acima sobre a perspectiva de Bakunin sobre a realidade: 

         “(...) a história e os destinos da sociedade humana não apresentariam mais do que um caos e não seriam mais do que o jogo do acaso? Bem ao contrário, no momento em que a história humana se livra de todo o arbítrio divino e humano, é aí então, e somente então, que ela se apresenta a nossos olhos em toda a grandeza imponente, e ao mesmo tempo racional, de um desenvolvimento necessário, como a natureza orgânica e física da qual é a continuação imediata.” pg. 50 

        Ao negar que exista um “ordenador” Bakunin renuncia a ilogicidade, pois como já foi visto a explicação divina é o sacrifício da razão. Por tanto “Tudo o que é natural é lógico, e tudo o que é lógico é realizado ou deve se realizar no mundo real: na natureza propriamente dita, e em seu desenvolvimento posterior, na história natural da sociedade humana.” pg. 51 

        Mesmo constatando a insuficiência da ciência de todas as causalidades necessárias para compreender todo o desenvolvimento humano Bakunin ressalta a importância da conquista científica como uma “luz imperfeita” que surgiu da superação das “penumbras da religião” para a humanidade. Ao mesmo passo em que afirma tal importância da ciência afirma que a capacidade de reflexão, a força da abstração, a razão, o pensamento, está relacionada a todos os seres humanos, independente da suas condições de surgimento, geográficas, etc. Para a concepção Bakuninista todas as expressões de organização social são parte de um mesmo desenvolvimento da humanidade expresso em manifestações específicas. 

        Resumindo a critica bakuninista da religião ela irá buscar a origem material da idéia da divindade. Ela afirma que a religião foi umas das primeiras formas usadas pela humanidade para: 1) abstrair a realidade e 2) para se utilizar desta abstração para justificar a ordem vigente. 

        A idéia de divindade surge quando os homens não conseguem entender os processos naturais e sociais a que são determinados, e buscam uma idéia exógena e abstrata para explicá-los, estes seriam os primeiros reflexos imperfeitos do pensamento humano, onde o medo instintivo e sentimento de dependência seriam suas características iniciais. 

        O autor apresenta uma seqüência progressiva onde a teologia como forma de explicação do mundo toma uma face cada vez mais autoritária e onipresente perante os homens e que se afasta lentamente de expressões materiais se cristalizando em dogmas. O fetichismo seria sua primeira expressão, marcado pelo temor a natureza e pelo culto a objetos naturais (Deus Coisa), a próxima fase seria marcada pela idealização do feiticeiro, onde deus seria um homem, e logo a do transe, onde um homem intermediaria com forças maiores, depois disso os homens começariam a cultuar coisas e fatos distantes, como o Sol, a lua, a noite etc. O panteísmo seguiria o ciclo, mas a finalização mais concreta deste processo e a criação da religião em si, é surgimento do Deus onipresente, onipotente e invisível, “o ser” por trás de tudo o que existe abstraído pelo homem. 

        Em oposição ao pensamento teológico e metafísico, Bakunin ressalta o fato do homem ser determinado por uma série de causas materiais sendo biológicas, econômicas, políticas, enfim naturais às quais está exposto se relacionando de forma dialética. Então os fatores materiais são aqueles que determinam a vida do homem, o único animal capaz de compreender a interligação das coisas no mundo em que vive, ainda que de forma imperfeita, através da abstração. A capacidade da abstração e o pensamento refletido geram no homem a possibilidade da transformação do meio através do trabalho inteligente, o homem é o único animal a ser realmente e conscientemente produto e produtor de seu meio. 

        “o que chamamos de mundo humano não possui outro criador imediato além do homem que o produz, conquistando passo a passo, sobre o mundo exterior e sobre sua própria bestialidade, sua liberdade e sua dignidade”. pág.68 

        Este fato define Homem através da sua vontade refletida (conhecimento da realidade) e de seu trabalho livre permitindo a este a capacidade de emancipação, como agente transformador em posse das leis biológicas, físicas dos seres e coisas do mundo exterior ao Homem incluindo as de ordem social como agricultura, a política e a economia etc. 

        A animalidade -nas palavras de Bakunin- é a escravidão na medida em que é a reprodução irrefletida da leis naturais que regem a realidade. Somente no homem, portanto, existe tal grau de abstração para compreensão dessas leis. No entanto, somente este faculdade cognitiva não é a garantia de libertação que pode ser mitigada por toda sorte de devaneios mítico-religiosos: “uma obra que não é somente de desenvolvimento intelectual e moral, é ao mesmo tempo uma obra de emancipação material.” pg. 71 

        Ao demonstrar a capacidade de abstração humana a religião também aferra a humanidade: tal é a ordem desta contradição. Por isso ao contrário do que é afirmado pela teoria contratualista de Rosseau, a liberdade da humanidade não se encontra no começo de sua história, onde os homens são vítimas das fantasmagorias de sua consciência e escravos da natureza exterior, e sim em seu final após trilhar o caminho da experiência guiada pelo trabalho livre e pelo raciocínio guiado pela ciência positiva. 

        Ao mesmo tempo, Bakunin se separa dos materialistas ingênuos que se paralisavam em perspectivas de limitação do homem a sua dimensão biológica sacrificando qualquer perspectiva filosófica humanizadora. Quer dizer, aferrando novamente o Homem à animalidade e não sinalizando para a necessidade de superá-la. Como se observa ele sinaliza para o encadeamento entre a realização humana e a ciência: 

         “Não hesitamos em dizer que de todas as necessidades que constituem sua própria natureza, é a mais humana, e que ele só se torna realmente homem, só se distingue efetivamente de todos os animais das outras espécies por esta inextinguível necessidade de saber.” (pg. 81) 

        No pensamento bakuninista é nítida a relação entre liberdade e fatalismo, a “fatalidade cega” que move o universo. Ao negar todo o arbítrio divino e humano aponta que a realidade é a constante transformação, o pleno fluir deixando para trás na esteira de abstração teologal toda especulação sobre “causa primeira”, “providência divina” e similares: 

         “Se vós perguntais depois disso seu pensamento íntimo e sua última palavra sobre a unidade real do universo, ele vos dirá que é a eterna e universal transformação, um movimento sem começo, sem limites e sem fim . É pois contrário absoluto de qualquer Providência, a negação de Deus.” (pg. 82, destaque do autor). 

        Deus como imagem ampliada e invertida do próprio homem seria também por isso mesmo vazio de determinação, uma abstração absoluta de todo o universo real. A abstração humana volta-se para si mesma afixando o movimento perpétuo a seu redor em completa imobilidade no conceito de Deus. O exercício de abstração humano estabelece a adoração a este Deus, que abstrai com ele toda diversidade e demonstra que o próprio humano desconhece sua origem real. Este não desconhecimento de sua própria criação é uma alienação teologal que justifica desprezo ao mundo real: 

         “É assim que a razão humana, o único órgão que possuímos para reconhecer a verdade, ao se tornar razão divina, faz-se incompreensível para nós e se impõe aos fiéis como a revelação do absurdo. É assim que o respeito ao céu se traduz em desprezo pela terra, e adoração da divindade em denegrimento da humanidade.” (pg. 85) 

        É possível retomar alguns elementos já expostos sobre Bakunin relativos à caracterização inconciliável entre humanidade e Deus, ou dito de outro modo: ou seria Deus “tudo” e o homem “nada”, ou o inverso o homem sendo “tudo” e Deus “nada”. A questão já foi abordada e Bakunin demonstrou racionalmente que não existe conciliação alguma entre ambas, o que o leva a demolir o teologismo. 

        O caráter da religião expressa os primeiros e imperfeitos lampejos da capacidade racional humana “(...) é o primeiro despertar da razão humana sob a forma da demência divina; é a primeira penumbra de verdade humana através do véu divino da mentira(...)” (pg. 85). Porém, a negação do mundo real é a negação do próprio humano ligado a ele por laços dialéticos fortíssimos. Este é o supracitado entrave que a religião cria para o desenvolvimento: 

        “Pela religião, os povos, tão logo libertados da escravidão natural na qual permanecem mergulhadas as outras espécies animais, recaem logo em seguida na escravidão dos homens fortes e das castas privilegiadas pela divina eleição.” (pg. 86) 

        Este “divino nada”, uma indeterminação, torna-se o governante moral, valorativo. Porém, o autor discerne que sua indeterminação torna tal relação impossível visto que a alienação teologal retira a condição humana real do centro da criação valorativa. As massas espoliadas ficam reféns de castas que intermediariam tal moral justificando sua miséria e subordinação mantendo o status quo. Restaria na questão estabelecer qual seria a origem da moral humana sendo esta de fato transposta à divindade, sua depositária abstrata. A resposta estaria no progressivo desenvolvimento da animalidade em princípio: 


        “ Onde ele [o homem] a encontrou? Necessariamente nele próprio. Mas tudo o que possui vem inicialmente de sua animalidade, seu espírito nada mais sendo que a explicação, a palavra de sua natureza animal. (...) E com efeito, os elementos do que chamamos moral encontram-se já no mundo animal. (...) quanto mais as espécies se desenvolvem, subindo por uma série progressiva até o homem, e quanto mais a lei genérica que os governa se individualiza, e mais completamente se realiza e se exprime em cada indivíduo que adquire por isso mesmo um caráter mais determinado (...) Ele começa a ter o sentimento de sua liberdade.” (pg. 87, 88,89) 

        Existiria então uma tendência para a individualização e para a emancipação. Porém, tal tendência não pode ser compreendida desvinculada de sua dimensão social. Tal constatação dá fundamento para reafirmar a crítica ao contratualismo. Um dos pontos centrais seria a atribuição feita pelo contratualismo a uma liberdade originária do humano primitivo, quer dizer, toma a liberdade humana como ponto de partida e não ponto de chegada da humanidade. A conseqüência lógica desta inversão é uma perspectiva de cunho liberal que desconsidera o domínio exercido pela natureza exterior nos primeiros dias da história do desenvolvimento do humano: 

         “(...) o princípio, tomado no ponto de partida, parece excessivamente liberal. Os indivíduos, antes de estabelecerem este contrato, estão supostamente gozando de absoluta liberdade, pois segundo esta teoria, o homem natural, o homem selvagem é o único que é completamente livre. Já dissemos o que pensamos desta liberdade natural, que nada mais é do que a absoluta dependência do homem-gorila em relação à obsessão permanente do mundo exterior.” (pg. 90) 

        O equívoco do pensamento do “livre contrato” e da suposição de uma precedente “liberdade individual natural” é completo, e segundo Bakunin tal teoria serve para justificação do Estado. Segundo ele ainda não existiria vinculação direta entre a teoria contratualista e o mundo natural assim como para as implicações expostas deste pensamento: 

         “O Estado não é absolutamente um produto imediato da natureza; não precede, como a sociedade, o despertar do pensamento nos homens, e tentaremos mais tarde mostrar como a consciência religiosa o cria no meio da sociedade natural.” (Idem) 

        “(...) segundo este sistema, a sociedade humana só começa com a conclusão do contrato. Mas o que é então esta sociedade? É a pura e lógica realização do contrato com todas as suas disposições e conseqüências legislativas e práticas, é o Estado.” (pg.92) 

        A implicação da concepção contratualista é uma liberdade individual sempre concorrente entre si, quase como uma “propriedade” separada em “frações” para que seja possível o “bem comum”. Assim, o Estado suprime a liberdade real e sua diversidade: 

         “(...) segundo a teoria individualista, a liberdade de cada um é o limite ou então a negação natural da liberdade de todos os outros: bem, esta limitação absoluta, esta negação da liberdade de cada um em nome da liberdade de todos ou do direito comum é o Estado.(...) A liberdade é indivisível: não se pode retirar uma parte dela sem matá-la por inteiro.” (pg. 92) 

        Ao mutilar a liberdade a constituição moral do Estado se mostra totalmente arbitrária afirmando que a justiça e o bem se iniciam unicamente pelo contrato. Equivale ao mesmo que dizer: os que estão fora do contrato não partilham do “interesse comum” demonstrando que o Estado não reconhece humanos mas unicamente “cidadãos”. Ao constatar o princípio de conquista que move os Estados, Bakunin retrata a dinâmica interconcorrencial destes: 

         “Interiormente federado ou não, cada Estado, sob pena de perecer, deve, portanto, procurar se tornar o mais poderoso deve devorar para não ser devorado, conquistar para não ser conquistado, subjugar para não ser subjugado, pois duas potências similares e ao mesmo tempo estranhas uma à outra não poderia coexistir sem se destruírem mutuamente.” (pg. 96) 



         “Cobre com sua proteção apenas seus próprios cidadãos, só reconhece o direito humano, a humanidade a civilização interior de seus próprios limites; não reconhecendo nenhum direito fora de si mesmo (...)” (pg. 97) 



        Tal ideologia ganha uma aspecto teologista e rompe com a moral humana mais elementar que pressupões a negação à injustiça, ao morticínio, à pilhagem, às imposições de “direitos históricos” dos impérios, à escravidão etc. A sua confirmação se apresenta justamente quando tais práticas são justificadas e incitadas para movimentar o princípio de conquista do Estado, assim os atos mais cruéis são a sua virtude. Bakunin atribui a esta ideologia o nome de “razão de Estado”. Esta análise também é sustentada por sua leitura de Maquiavel: 

         “Pensador realista e positivo, ele teve primazia de compreender que os grandes e poderosos Estados só poderiam ser fundados e mantidos pelo crime, por grandes crimes e por um desprezo radical por tudo que chama honestidade!” (pg. 99) 

        Bakunin concorda com o aspecto factual da obra de Maquiavel por sua compreensão de que a moral e justiça humana não podem ser utilizadas coerentemente pelo Estado em sua política de expansão. 

        Porém, Bakunin discorda da conclusão política de Maquiavel e reafirma sua concepção revolucionária: 

         “(...) somos filhos da Revolução e herdamos dela a religião da humanidade, que devemos fundar sobre as ruínas da religião da divindade; acreditamos nos direitos do homens, na dignidade e na emancipação necessária da espécie humana. (...) [Esta emancipação] só poderá se efetivar quando o crime cessar de ser o que é, mais ou menos em toda parte, hoje: a própria base da existência política das nações absorvidas, dominadas pela idéia do Estado.” (pg. 100) 

        O Estado como depositário do crime como política para realizar seu princípio prático submete sob sua hegemonia uma massa de escravos que lhe dá sustentação. Desta forma Bakunin conclui que a escravidão é fator essencialmente necessário derivado do princípio de conquista: 

         “Quem diz conquista, diz povos conquistados, subjugados, reduzidos à escravidão sob qualquer forma e qualquer denominação. A escravidão é, pois, uma conseqüência necessária da própria existência do Estado.” (pg. 101)

        Por estes motivos apresentados, o autor concluí, que para emancipação do proletariado é “necessária a absoluta destruição dos estados” (pg. 100). Diante deste fato retoma-se a crítica ao contratualismo: o contrato/Estado, da mesma forma que a teologia/religião, parte da concepção da perversidade natural humana, e da necessidade da imolação da liberdade humana para moralizar e transforma-lo em cidadão virtuoso ou em santo, ou seja, da suposta necessidade eterna de salvar os homens de si mesmos e dos outros. 

        Bakunin lança mão de uma demonstração lógica para desfazer a noção do contrato apontando suas inconsistências. O contrato realmente teria sido instituído livremente? E como seria instituído livremente se a liberdade dentro desta concepção só produziria o mal? Retoma também a crítica acima citada sobre as condições dadas ao Homem no princípio de sua história: vida nada livre, sempre “escravo da natureza”, rodeado de temor por sua realidade exterior etc. 

        Ele indaga como os homens que viviam na “liberdade natural” chegariam a conclusão e a distinção entre o bem (contrato) e o mal, sendo que como selvagens deveriam ignorar tal fato. Se apenas elaborariam um contrato simples de segurança e através do intermédio de um “gênio virtuoso” que criaria o primeiro código de moral e de leis. Homens virtuosos (honestos) e inteligentes, mas como na humanidade e em diversas gerações surgiriam tantos homens semelhantes? Esta é uma condição que não se realiza constantemente. E ainda como um homem de inteligência extraordinária, nascido em tal meio primitivo poderia fazer-se aceitar um código de moral por seu povo? Pela lógica? Impossível. Pela força, pela violência? Então não seria mais uma sociedade fundada sobre o “livre” contrato. 

        O meio mais usual é sobre a conquista e a escravidão, e que levaria a formação das sociedade reais e históricas onde os grandes legisladores legitimam tal código através da autoridade divina. 

        Assim bakunin concluí que a teoria contratualista não passa de um mito para legitimação do Estado, de sua dominação e controle sobre as massas. Escondendo sobre este mito sobre várias formas sejam elas o sufrágio, ou a “livre iniciativa”, a verdadeira face desta estrutura se baseia não na liberdade, mas sim na escravidão e conquista pela religião e por um suposto intelecto superior. 

        Estas são para Bakunin as três fontes do princípio de autoridade ligadas dialeticamente ao princípio de conquista do Estado levando ao aviltamento das massas impedindo-as de se fazerem sujeito de capacidade política. O “teologismo estatista” vem de cima: 

         “Toda teoria conseqüente e sincera do Estado está essencialmente fundada sobre o princípio da autoridade, isto é, sobre esta idéia iminentemente teológica, metafísica, política, de que as massas, sempre incapazes de se governar, deverão sofrer sempre o julgo benfazejo de uma sabedoria e de uma justiça que, de uma maneira ou de outra, lhes serão impostas de cima” (pg. 110) 

        A inteligência superior presente na teoria do livre contrato é sempre representada pelas minorias: o governo sempre cabe a classe dominante. Desta maneira, independente da forma de governo a divisão de classe entrega a organização das massas a minorias que ludibriam o povo para concretizar seus interesses. Concluindo: o Estado é a regulação desta exploração da maioria pela minoria. Demonstrando tais implicações num 'Estado ideal' de livre contrato ele destaca as limitações do processos democráticos onde seriam eleitos “os mais inteligentes”. A separação política criada pela ascensão aos postos é inevitável e manifesta até mesmo no auto-retrato dos eleitos que, sempre auto-complacentes, se consideram mais capazes que o povo. Bakunin adverte para a “aberração intelectual e moral” a que tais fatos implicam: 

         “(...) as classes políticas não podem chegar de outra forma ao poder a não ser cortejando-o, bajulando suas paixões passageiras, algumas vezes muito más, e enganando-o na maioria das vezes.” (idem) 

         “Nada é tão perigoso para a moral privada do homem quanto o hábito do comando. O melhor homem, o mais inteligente o mais desinteressado, o mais generoso, o mais puro, se estragará infalivelmente e sempre nesta atividade. Dois sentimentos inerentes ao poder jamais deixam de produzir esta desmoralização: o desprezo pelas massas populares e o exagero de seu próprio mérito.” (pg. 114) 

        Tal moral é para o autor vista sob um prisma humano: é o reconhecimento da humanidade a qualquer humano, independente da raça, cor, constituição intelectual ou moralidade. Uma reflexão é realizada sobre onde ficaria a vilania e a torpeza presente em certos homens, se deveria estender a eles a humanidade? 

        O ponto central é que tais qualidades não advém da natureza individual dos homens mas sim do meio social que as gerou, esta conclusão perpassará até o fim da obra com consequências importantes pois se desdobra a partir daí a negação do “livre-arbítrio” e a defesa do “determinismo”. O livre arbítrio desconsidera a influência natural e social e relegando ao homem a determinação individual. O ser para a concepção bakuninista é formado das sucessivas transformações da matéria, todo humano está submetido a uma complexa cadeia de determinações maiores e anteriores: 


         “Assim, todo indivíduo humano, no momento de seu nascimento, é a resultante material, orgânica, de toda esta diversidade infinita de causas que se combinaram produzindo-o.” (pg. 118) 

        Bakunin também levanta a questão sobre a origem da moral e nega uma suposta herança fisiológica desta. Ou seja, a pergunta: O nascimento traz predisposições morais? Como já se observou, Bakunin salienta que não: 1) o ser recém nascido é dotado apenas de características fisiológicas ; 2) desta forma, esses caracteres teriam que estar alojados em algum lugar do organismo para tal, fato negado amplamente pelos fisiologistas. 

        Não existe por tanto um meio congênito de transmissão de tais qualidades, a única característica herdada fisiologicamente é a capacidade cada vez mais ampliada de estabelecer associações de impressões externas e internas combinadas pelo cérebro de modo a possibilitar as representações, idéias, sentimentos etc. A moral só pode ser transmitida pela tradição social, pela educação, fato que coloca os crimes como de responsabilidade social. Aqui Bakunin parece refutar algum tipo de perspectiva biologicista ingênua e anti-dialética que tentaria concluir traços sociais e morais a partir da fisiologia. 


        Ainda sobre a moral para Bakunin o mal não possui constituição ontológica apenas o bem. Sendo assim o mal seria um uma debilização do bem em forma de grau que subsiste a ela podendo ser desenvolvido e reorientado pela educação. O que explica a afirmação anterior do autor sobre a possibilidade de “elevação da consciência da humanidade”. 

        Por tanto, não seriam diferenças naturais que separariam os indivíduos sim a educação social a qual foram submetidos. Por isso Bakunin confere à educação um papel de libertação, de consolidação da justiça humana e equilíbrio do trabalho muscular e intelectual: 

         “Para ser perfeita, a educação deveria ser muito mais individualizada do que é hoje, individualizada no sentido da liberdade e unicamente pelo respeito à liberdade, mesmo nas crianças. Ela deveria ter por objeto não o adestramento do caráter, do espírito e do coração, mas seu despertar para uma atividade independente e livre, e não perseguir outro objetivo senão a criação da liberdade, nem de outro culto, ou melhor, de outra moral, de outro objeto de respeito que não seja a liberdade de cada um e de todos (...)” (pg. 130) 

        Por fim Bakunin destaca considerações sobre as condições para construção da liberdade. O bem produz o mal? O bem poderia ser imposto? Não, pois o bem e a liberdade são indissociáveis, unidos dialeticamente: 

         “O excesso de bem ou de que se chama geralmente de bem pode, por sua vez, produzir o mal? Sim, quando ele se impõe como lei despótica, absoluta, quer seja religiosa, doutrinária-filosófica, política, jurídica, social, ou como lei patriarcal da família, numa palavra, quando todo bem que ele parece ser ou que ele realmente é, impõe-se ao indivíduo como negação da liberdade e ele próprio não é seu produto. (...) não existe bem fora da liberdade, e a liberdade é a fonte e condição absoluta de qualquer bem que seja verdadeiramente digno deste nome, o bem não sendo outra coisa senão liberdade.? (pg. 132, 133) 

        3. Considerações finais 

        Interrompe-se a este ponto o manuscrito, vale ressaltar aqui as considerações finais deste estudo. Bakunin por meio de um documento marcado por um objetivo político sistematizou os elementos centrais de seu pensamento (Federalismo, Socialismo e Antiteologismo). O federalismo sintetiza sua noção de organização sócio-política, o socialismo a sinalização das massas trabalhadoras como sujeito histórico revolucionário e progressivo na conjuntura história de onde ele parte. Ao mesmo tempo no campo teórico ele funde uma crítica filosófica da religião e da alienação místico-religiosa com a crítica do contratualismo e ao Estado abrigando-as na categoria “teologismo”. Esta fusão se apresenta também combinada de análises sócio-históricas presentes em textos como “Três conferências feitas aos operários do vale de Saint-Imier”, “Princípios do estado” e outros, mostrando o aspecto filosófico-científico do materialismo defendido por Bakunin uma das chaves para compreensão dialética de seu pensamento.

        Desta forma, o texto “federalismo, Socialismo e antiteologismo” é uma peça fundamental para formação de todo militante classista que busca se armar para a luta revolucionária. Devemos abstrair as lições teóricas do bakuninismo para superar as dificuldades reais para a consolidação do regime de socialismo e liberdade.


        Bakunin Vive e vencerá! 


        Pró-núcleo da União Popular Anarquista (UNIPA)-DF 

        21/04/2009


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          Federalismo, socialismo e antiteologismo: três fundamentos da teoria bakuninista (2009)


          Federalismo, socialismo e antiteologismo:

          três fundamentos da teoria bakuninista

          Pró-Núcleo da União Popular Anarquista (UNIPA)-DF

          BAKUNIN, Mikhail. Federalismo, Socialismo e Antiteologismo Cortez editora,São Paulo-SP, 1988. 

          1. Federalismo e socialismo revolucionários. 

          A tentativa deste estudo foi explanar elementos da elaboração do texto de Bakunin e sua teoria revolucionária. Compreender tal teoria nos levou ao contexto histórico do texto que reflete sua intervenção na “Liga pela Paz e liberdade”. Tal intervenção se constituiu como entrismo de Bakunin no seio republicano tendo como intuito a atração de militantes para sua organização revolucionária. Tal consideração ganha relevo na análise do texto onde a sistematização de princípios da liga é ponderada por Bakunin no já conhecido provérbio “(...) quem muito abarca, mal abraça” (pg. 4). Como alerta Bakunin uma frouxidão de princípios pode desvirtuar anseios socialistas e republicanos para o autoritarismo: 

          (...) inspirados como somos pelos sentimentos mais amplos e mais liberais poderíamos desembocar numa realidade diametralmente oposta a estes sentimentos: poderíamos começar com convicções republicanas, democráticas, socialistas, acabar como bismarckianos ou bonapartistas.”(pg.3 ) 




          A definição dos princípios da Liga seria o ponto inicial para sua consolidação de modo que os marcos deste projeto deveriam definir a Liga um “espírito” para impedir sua descaracterização. Assim, Bakunin inicia sua reflexão sobre o objetivo da Liga. A definição da luta pela Liberdade e Paz ganha um tom bem determinado onde a liberdade seria condição para a consolidação da paz: 

          (...) a partir daí nos distinguimos de todos aqueles que querem e que procuram a paz a qualquer preço, mesmo ao preço da liberdade e da dignidade humana. (...) nossa Liga proclama que ela só crê na paz e que ela só a deseja sob a condição suprema da liberdade” (pg.5) 

          Bakunin se refere a resolução congressual da Liga que afirma “fundar a paz sobre a democracia e sobre a liberdade” para delimitar melhor a alcance da democracia. O princípio da liberdade associado com o privilégio daria origem à monarquia constitucional, ao se associar com a democracia ganha dimensão republicana. Esta concepção de democracia tem por objetivo combater o privilégio. Bakunin indica que a Liga seria uma meio um tanto amplo tendo o republicanismo como pano de fundo permeando seus objetivos (também amplos como ele bem ressalta). 

          Ao desenvolver a defesa da perspectiva republicana Bakunin se reporta a experiência de combate aos resquícios do antigo regime (desde 1848). É precisamente neste sentido que ele, e os socialistas russos, reivindicam a república: como negação ao antigo regime, “a derrubada ou eliminação da monarquia” (pg. 7). Porém, ao mesmo tempo que existe tal reivindicação do republicanismo coexiste a ela uma crítica sobre a perspectiva de centralização, esta seria um entrave à liberdade. Neste aspecto é importante salientar a negação de Bakunin ao Estado aludindo à experiência histórica da revolução francesa: 

           “(...) esta grande revolução que, pela primeira vez na história, havia proclamado a liberdade, não mais do cidadão apenas, mas do homem, fazendo-se herdeira da monarquia que ela matava, havia ressuscitado ao mesmo tempo esta negação de toda a liberdade: a centralização e onipotência do Estado.” (pg. 8) 

          Bakunin insere aqui o desenvolvimento de sua defesa do federalismo em oposição da centralização do Estado. Ao que tudo nos indica ao partir de princípios amplos e um tanto dispersos, sujeito a apropriações diversas, Bakunin conseguiu com maestria desenvolvê-los até um concepção socialista revolucionária, o que reafirma a hipótese: de tratar-se de um entrismo no meio republicano para buscar membros para sua organização revolucionária. 

          O texto prossegue enfocando o socialismo, sua origem, formação e objetivos na perspectiva bakuninista; cita para tanto a conspiração dos iguais, originada por Babeuf. O babuvismo foi a corrente revolucionária que pregou a defesa da distribuição dos bens da sociedade de acordo com o trabalho em plena Revolução francesa. Bakunin reivindica tal herança: “repartindo em porções iguais a cada um: a educação, a instrução, os meios de existência, os prazeres forçando a todos, sem exceção, segundo a medida de forças e de capacidade de cada um, ao trabalho tanto muscular quanto intelectual.” 

          A gênese do socialismo é apresentada na França durante a revolução burguesa as tradições posteriores se dividiram em duas correntes : 1ª a doutrinária (Fourierismo de Fourier e o Saint Simonianismo de Saint Simon), de caráter pacifista, teológico e estatista. E a 2ª Revolucionária (de Cabet e Louis Blanc - Blanquismo) de caráter revolucionário, pregando a transformação violenta, embora também estatista. Constatando o caráter estatista de ambas as correntes as qualifica portanto como autoritárias. Quem distinguia-se desse quadro era o socialista Proudhon, a quem, opondo o estado ao federalismo e a liberdade; a teologia ao ateísmo em defesa do socialismo. 

          O espaço desta reflexão comporta também para Bakunin a crítica do que ele chama de “republicanismo puro” surgido de Robespierre e Saint Justin. A principal crítica seria o seu desligamento do socialismo e a proclamação do conceito de cidadania (este sobre influência da Antiga Grécia e Roma). Tal concepção seria a negação da humanidade: reconhece somente aqueles que cumprem deveres a um Estado centralizado. Desta forma, o sacrifício por um suposto interesse comum da pátria, desconsiderando completamente as diferenças sociais e econômicas, funda uma nova exploração concretizada no domínio dos “cidadãos ativos” sobre os “cidadãos passivos”. Esta é a distinção bakuninista entre o regime de republicanismo socialista, que é dos homens livres, e do “republicanismo puro”, de cidadãos. 

          Para ampliar a crítica ao socialismo de Estado Bakunin analisa o processo revolucionário Francês de 1848, onde as organizações operárias influenciadas pelo socialismo autoritário uniram-se às correntes do republicanismo puro e estatista para derrubar a monarquia absolutista. Unidos inicialmente pela construção de um novo Estado formaram um governo provisório. Este teria sido o erro dos socialistas. Por meio da traição dos republicanos burgueses a sua verdadeira face e a conseqüência do programa foi desvelada: esmagaram os operários e socialistas de Paris sob o comando de Cavaignac unindo-se a reação e elegendo Luís Bonaparte, mais tarde imperador, restaurando a monarquia como golpe. Tal fato fortaleceu a idéia de que no fim a burguesia pode se aliar ás forças mais reacionárias para impedir a emancipação do povo. Bakunin irá caracterizar tal acontecimento como o “fim do socialismo estatista”, mais não do socialismo: 

          Não foi o socialismo que morreu, e sim o estado que declarou falência perante o socialismo e que, proclamando-se incapaz de lhe pagar a dívida que havia contraído com ele, tentou mata-lo, para se livrar de maneira mais fácil desta dívida.” 

          A crítica e a experiência da luta classes de 1848 demonstrou a falta de um programa socialista claro, pois na “torre de babel” - como diria Bakunin- em que se fez na revolução existiam: socialismo, estatismo, republicanismo burguês, monarquistas moderados. Esta constatação de Bakunin surge no texto como um balanço crítico que aponta para a superação dos métodos de colaboração com a burguesia e da necessidade da organização do proletariado sob um programa socialista. 

          2. O Antiteologismo 

          No tomo “antiteologismo” bakunin expõem a crítica à religião, quer dizer, as diversas manifestações da alienação agrupadas no conceito: teologismos. Suas considerações iniciais atestam que a crença em divindades são manifestações da capacidade de abstração coletiva humana: 

           “(...) o céu religioso nada mais foi que uma miragem onde o homem exaltado pela fé reencontrou há muito tempo a sua própria imagem, mas ampliada e invertida, isto é, divinizada.” (pg. 39) 

          Porém, o preço desta divinização, advinda da capacidade propriamente humana, foi a miséria do mundo real, quer dizer: 

          (...) graças a esta modéstia e a esta generosidade dos homens, o céu se enriqueceu com os despojos da terra, e por uma conseqüência natural, quanto mais o céu se tornava rico mais a humanidade se tornava miserável.” pg. 40. 

          A autoridade divina se enuncia com seus “reveladores”: as castas clericais -os seus representantes na terra- e por fim do Estado que tem dela seu beneplácito. Assim, a religião existe para justificar a miséria e o domínio de tais estruturas já que toda a humanidade é sacrificada em nome de uma justiça e verdade transcendentes, que se encontram fora dela: 

           “Deus sendo tudo, o mundo real e o homem nada são. Deus sendo a verdade a justiça e a vida infinita, o homem é escravo. Incapaz de encontrar por ele próprio o caminho da justiça e da verdade deve recebê-las como uma revelação vinda de cima (...)” pg. 40 

          Por tanto, a conclusão de Bakunin é no sentido de refutar a religião em favor da liberdade humana. Esta tem como algumas de suas condições a justiça e o exercício da razão: 

          A existência de Deus implica a abdicação da razão e da justiça humanas, ela é negação da liberdade humana e resulta necessariamente numa escravidão não somente teórica, mas prática.” pg 41. 

          Existem duas perspectivas mutuamente excludentes delimitadas por Bakunin: 

           “Deus existe, por tanto o homem é escravo. 
          O homem é inteligente, justo, livre, por tanto Deus não existe.” pg. 41 

          A humanidade deve ser sacrificada mediante a existência divina, quer dizer, Bakunin aposta na reais potencialidades humanas que descreditam a viabilidade da teologia. Só uma das vias é possível ou o homem é grandioso, ou a divindade grandiosa. O desenvolvimento da teoria da realidade de Bakunin revelará que por existir uma lógica, uma ordem, a realidade confirmará a inviabilidade do teologismo. Este último seria a ilogicidade, o sacrifício da razão. 

          Esta reflexão é ligada a separação entre o trabalho “nervoso” e “muscular” caracteriza a divisão de classes, justificada pela religião.A religião existe para a renúncia da razão e a apropriação da energia do trabalho em favor dos detentores do privilégio. Razão e trabalho não podem ser separados na filosofia bakuninista: o primeiro, está vinculado a emancipação humana o segundo é responsável por sua materialização, quer dizer, “criação”: 

          Elas matam neles a razão, o principal instrumento da emancipação humana, reduzindo-os à imbecilidade, principal fundamento de toda escravidão, enchem seu espírito de divinos absurdos. Matam neles a energia do trabalho, que é a sua glória e sua salvação: o trabalho sendo o ato pelo qual o homem, tornando-se criador, forma seu mundo, as bases e as condições de sua existência humana, e conquista, ao mesmo tempo, sua liberdade e humanidade.” pg. 42. 

          Para superar a religião em favor da plena humanidade Bakunin defende “a propaganda socialista e a ciência racional”, esta última compreendida como aquela que refuta a metafísica se valendo da síntese, dedução, hipótese, comparação e por fim pela comprovação por meio da crítica e da experiência. 

          Existe, portanto, uma diferença de método entre a racionalização metafísica e a ciência positiva: a metafísica tentaria capturar forçosamente a realidade por meio de um pensamento exterior a ela, impõe assim leis que não se encontram na natureza. A ciência positiva, racional, porém só se ateria a uma gama de fatos regulares extraídos da própria natureza, verificados pela experiência. Quer dizer, o sentido de organização do pensamento metafísico segue um sentido que parte de cima para baixo, enquanto a ciência positiva segue o caminho inverso. É por conta desta constatação que Bakunin conclui que: “A metafísica, como se vê, opera segundo o método dos Estados centralizados” pg. 44. 

          O autor consegue estabelecer uma teoria do conhecimento que deve ser democrática, organizada de baixo para cima, e que tem como critério da verdade a experiência e a crítica: “Nada do que não foi realmente analisado e confirmado pela experiência ou pela mais severa crítica pode ser por ela aceito.” pg. 45; e tem como objeto o mundo real, conhecido. Certa autonomia das ciências particulares é admitida segundo Bakunin e estas, por sua vez, se coordenariam numa ordem sistêmica: a da filosofia racional. A este ponto é possível fazer um paralelo entre a política federalista defendida por Bakunin e a organização do pensamento: ambos são realizados de baixo para cima, o que revela uma coerência sistêmica também entre a caracterização política e científica de Bakunin. 

          Tal filosofia racional é exposta pelo autor pelo seu desenvolvimento que parte da contribuição de August Comet e sua negação da metafísica. Ela teria “materializado o espírito” na medida em que enraizou o pensamento no mundo material. Esta seria a diferenciação positiva de Comet com relação a Hegel, Comet seguiu o sentido inverso da filosofia especulativa : enraizou a gênese do espírito na matéria. 

          Assim, Bakunin, confere um importante papel a recém-nascida sociologia de sua tempo. Esta teria o papel de buscar as leis gerais do desenvolvimento da sociedade. A ciência destas seriam imprescindíveis para a realização da liberdade : 

          Extrair estas leis dos eventos passados e da massa dos fatos presentes, tal deve ser o objetivo da ciência. Fora do imenso interesse que apresenta ao espírito, ela nos promete, no futuro, uma grande utilidade prática; isto porque, assim como não podemos dominar a natureza e transformá-la segundo nossas necessidades progressivas, a não ser graças ao conhecimento que adquirimos de suas leis, só poderemos realizar nossa liberdade e nossa prosperidade social se levarmos em conta as leis naturais e permanentes que o governam.” Pg. 47. 

          Porém, mesmo constatando todo este potencial positivo Bakunin adverte para o risco de esperar o completo desenvolvimento de tal ciência para a mudança da realidade. Ele critica a partir daí os limites da ciência positiva diante da imensidão da vida, do movimento da sociedade humana: 

           “(...) ela não é tudo, que ela é apenas uma parte, e que o todo é a vida (...) a vida da sociedade humana sobre a Terra. Tudo isto é infinitamente mais extenso, mais amplo, mais profundo e mais rico que a ciência, e jamais será por ela esgotado.” pg. 49 

          Fica claro na colocação acima que a dinâmica da vida não pode ser totalmente apreendida pela ciência sendo dela uma abstração. Assim o vida social dos povos caminha sem depender da ciência para inspirá-la. 

          Ao dar continuidade a sua reflexão Bakunin usa metaforicamente o termo “criação” entendendo por esta “o produto infinitamente complexo de uma quantidade de causas muito diferentes” pg. 50, quer dizer a sociologia de Bakunin compreende a multicausalidade. Torna a se colocar a questão enunciada mais a acima sobre a perspectiva de Bakunin sobre a realidade: 

           “(...) a história e os destinos da sociedade humana não apresentariam mais do que um caos e não seriam mais do que o jogo do acaso? Bem ao contrário, no momento em que a história humana se livra de todo o arbítrio divino e humano, é aí então, e somente então, que ela se apresenta a nossos olhos em toda a grandeza imponente, e ao mesmo tempo racional, de um desenvolvimento necessário, como a natureza orgânica e física da qual é a continuação imediata.” pg. 50 

          Ao negar que exista um “ordenador” Bakunin renuncia a ilogicidade, pois como já foi visto a explicação divina é o sacrifício da razão. Por tanto “Tudo o que é natural é lógico, e tudo o que é lógico é realizado ou deve se realizar no mundo real: na natureza propriamente dita, e em seu desenvolvimento posterior, na história natural da sociedade humana.” pg. 51 

          Mesmo constatando a insuficiência da ciência de todas as causalidades necessárias para compreender todo o desenvolvimento humano Bakunin ressalta a importância da conquista científica como uma “luz imperfeita” que surgiu da superação das “penumbras da religião” para a humanidade. Ao mesmo passo em que afirma tal importância da ciência afirma que a capacidade de reflexão, a força da abstração, a razão, o pensamento, está relacionada a todos os seres humanos, independente da suas condições de surgimento, geográficas, etc. Para a concepção Bakuninista todas as expressões de organização social são parte de um mesmo desenvolvimento da humanidade expresso em manifestações específicas. 

          Resumindo a critica bakuninista da religião ela irá buscar a origem material da idéia da divindade. Ela afirma que a religião foi umas das primeiras formas usadas pela humanidade para: 1) abstrair a realidade e 2) para se utilizar desta abstração para justificar a ordem vigente. 

          A idéia de divindade surge quando os homens não conseguem entender os processos naturais e sociais a que são determinados, e buscam uma idéia exógena e abstrata para explicá-los, estes seriam os primeiros reflexos imperfeitos do pensamento humano, onde o medo instintivo e sentimento de dependência seriam suas características iniciais. 

          O autor apresenta uma seqüência progressiva onde a teologia como forma de explicação do mundo toma uma face cada vez mais autoritária e onipresente perante os homens e que se afasta lentamente de expressões materiais se cristalizando em dogmas. O fetichismo seria sua primeira expressão, marcado pelo temor a natureza e pelo culto a objetos naturais (Deus Coisa), a próxima fase seria marcada pela idealização do feiticeiro, onde deus seria um homem, e logo a do transe, onde um homem intermediaria com forças maiores, depois disso os homens começariam a cultuar coisas e fatos distantes, como o Sol, a lua, a noite etc. O panteísmo seguiria o ciclo, mas a finalização mais concreta deste processo e a criação da religião em si, é surgimento do Deus onipresente, onipotente e invisível, “o ser” por trás de tudo o que existe abstraído pelo homem. 

          Em oposição ao pensamento teológico e metafísico, Bakunin ressalta o fato do homem ser determinado por uma série de causas materiais sendo biológicas, econômicas, políticas, enfim naturais às quais está exposto se relacionando de forma dialética. Então os fatores materiais são aqueles que determinam a vida do homem, o único animal capaz de compreender a interligação das coisas no mundo em que vive, ainda que de forma imperfeita, através da abstração. A capacidade da abstração e o pensamento refletido geram no homem a possibilidade da transformação do meio através do trabalho inteligente, o homem é o único animal a ser realmente e conscientemente produto e produtor de seu meio. 

          o que chamamos de mundo humano não possui outro criador imediato além do homem que o produz, conquistando passo a passo, sobre o mundo exterior e sobre sua própria bestialidade, sua liberdade e sua dignidade”. pág.68 

          Este fato define Homem através da sua vontade refletida (conhecimento da realidade) e de seu trabalho livre permitindo a este a capacidade de emancipação, como agente transformador em posse das leis biológicas, físicas dos seres e coisas do mundo exterior ao Homem incluindo as de ordem social como agricultura, a política e a economia etc. 

          A animalidade -nas palavras de Bakunin- é a escravidão na medida em que é a reprodução irrefletida da leis naturais que regem a realidade. Somente no homem, portanto, existe tal grau de abstração para compreensão dessas leis. No entanto, somente este faculdade cognitiva não é a garantia de libertação que pode ser mitigada por toda sorte de devaneios mítico-religiosos: “uma obra que não é somente de desenvolvimento intelectual e moral, é ao mesmo tempo uma obra de emancipação material.” pg. 71 

          Ao demonstrar a capacidade de abstração humana a religião também aferra a humanidade: tal é a ordem desta contradição. Por isso ao contrário do que é afirmado pela teoria contratualista de Rosseau, a liberdade da humanidade não se encontra no começo de sua história, onde os homens são vítimas das fantasmagorias de sua consciência e escravos da natureza exterior, e sim em seu final após trilhar o caminho da experiência guiada pelo trabalho livre e pelo raciocínio guiado pela ciência positiva. 

          Ao mesmo tempo, Bakunin se separa dos materialistas ingênuos que se paralisavam em perspectivas de limitação do homem a sua dimensão biológica sacrificando qualquer perspectiva filosófica humanizadora. Quer dizer, aferrando novamente o Homem à animalidade e não sinalizando para a necessidade de superá-la. Como se observa ele sinaliza para o encadeamento entre a realização humana e a ciência: 

           “Não hesitamos em dizer que de todas as necessidades que constituem sua própria natureza, é a mais humana, e que ele só se torna realmente homem, só se distingue efetivamente de todos os animais das outras espécies por esta inextinguível necessidade de saber.” (pg. 81) 

          No pensamento bakuninista é nítida a relação entre liberdade e fatalismo, a “fatalidade cega” que move o universo. Ao negar todo o arbítrio divino e humano aponta que a realidade é a constante transformação, o pleno fluir deixando para trás na esteira de abstração teologal toda especulação sobre “causa primeira”, “providência divina” e similares: 

           “Se vós perguntais depois disso seu pensamento íntimo e sua última palavra sobre a unidade real do universo, ele vos dirá que é a eterna e universal transformação, um movimento sem começo, sem limites e sem fim . É pois contrário absoluto de qualquer Providência, a negação de Deus.” (pg. 82, destaque do autor). 

          Deus como imagem ampliada e invertida do próprio homem seria também por isso mesmo vazio de determinação, uma abstração absoluta de todo o universo real. A abstração humana volta-se para si mesma afixando o movimento perpétuo a seu redor em completa imobilidade no conceito de Deus. O exercício de abstração humano estabelece a adoração a este Deus, que abstrai com ele toda diversidade e demonstra que o próprio humano desconhece sua origem real. Este não desconhecimento de sua própria criação é uma alienação teologal que justifica desprezo ao mundo real: 

           “É assim que a razão humana, o único órgão que possuímos para reconhecer a verdade, ao se tornar razão divina, faz-se incompreensível para nós e se impõe aos fiéis como a revelação do absurdo. É assim que o respeito ao céu se traduz em desprezo pela terra, e adoração da divindade em denegrimento da humanidade.” (pg. 85) 

          É possível retomar alguns elementos já expostos sobre Bakunin relativos à caracterização inconciliável entre humanidade e Deus, ou dito de outro modo: ou seria Deus “tudo” e o homem “nada”, ou o inverso o homem sendo “tudo” e Deus “nada”. A questão já foi abordada e Bakunin demonstrou racionalmente que não existe conciliação alguma entre ambas, o que o leva a demolir o teologismo. 

          O caráter da religião expressa os primeiros e imperfeitos lampejos da capacidade racional humana “(...) é o primeiro despertar da razão humana sob a forma da demência divina; é a primeira penumbra de verdade humana através do véu divino da mentira(...)” (pg. 85). Porém, a negação do mundo real é a negação do próprio humano ligado a ele por laços dialéticos fortíssimos. Este é o supracitado entrave que a religião cria para o desenvolvimento: 

          Pela religião, os povos, tão logo libertados da escravidão natural na qual permanecem mergulhadas as outras espécies animais, recaem logo em seguida na escravidão dos homens fortes e das castas privilegiadas pela divina eleição.” (pg. 86) 

          Este “divino nada”, uma indeterminação, torna-se o governante moral, valorativo. Porém, o autor discerne que sua indeterminação torna tal relação impossível visto que a alienação teologal retira a condição humana real do centro da criação valorativa. As massas espoliadas ficam reféns de castas que intermediariam tal moral justificando sua miséria e subordinação mantendo o status quo. Restaria na questão estabelecer qual seria a origem da moral humana sendo esta de fato transposta à divindade, sua depositária abstrata. A resposta estaria no progressivo desenvolvimento da animalidade em princípio: 

          “ Onde ele [o homem] a encontrou? Necessariamente nele próprio. Mas tudo o que possui vem inicialmente de sua animalidade, seu espírito nada mais sendo que a explicação, a palavra de sua natureza animal. (...) E com efeito, os elementos do que chamamos moral encontram-se já no mundo animal. (...) quanto mais as espécies se desenvolvem, subindo por uma série progressiva até o homem, e quanto mais a lei genérica que os governa se individualiza, e mais completamente se realiza e se exprime em cada indivíduo que adquire por isso mesmo um caráter mais determinado (...) Ele começa a ter o sentimento de sua liberdade.” (pg. 87, 88,89) 

          Existiria então uma tendência para a individualização e para a emancipação. Porém, tal tendência não pode ser compreendida desvinculada de sua dimensão social. Tal constatação dá fundamento para reafirmar a crítica ao contratualismo. Um dos pontos centrais seria a atribuição feita pelo contratualismo a uma liberdade originária do humano primitivo, quer dizer, toma a liberdade humana como ponto de partida e não ponto de chegada da humanidade. A conseqüência lógica desta inversão é uma perspectiva de cunho liberal que desconsidera o domínio exercido pela natureza exterior nos primeiros dias da história do desenvolvimento do humano: 

           “(...) o princípio, tomado no ponto de partida, parece excessivamente liberal. Os indivíduos, antes de estabelecerem este contrato, estão supostamente gozando de absoluta liberdade, pois segundo esta teoria, o homem natural, o homem selvagem é o único que é completamente livre. Já dissemos o que pensamos desta liberdade natural, que nada mais é do que a absoluta dependência do homem-gorila em relação à obsessão permanente do mundo exterior.” (pg. 90) 

          O equívoco do pensamento do “livre contrato” e da suposição de uma precedente “liberdade individual natural” é completo, e segundo Bakunin tal teoria serve para justificação do Estado. Segundo ele ainda não existiria vinculação direta entre a teoria contratualista e o mundo natural assim como para as implicações expostas deste pensamento: 

           “O Estado não é absolutamente um produto imediato da natureza; não precede, como a sociedade, o despertar do pensamento nos homens, e tentaremos mais tarde mostrar como a consciência religiosa o cria no meio da sociedade natural.” (Idem) 

          (...) segundo este sistema, a sociedade humana só começa com a conclusão do contrato. Mas o que é então esta sociedade? É a pura e lógica realização do contrato com todas as suas disposições e conseqüências legislativas e práticas, é o Estado.” (pg.92) 

          A implicação da concepção contratualista é uma liberdade individual sempre concorrente entre si, quase como uma “propriedade” separada em “frações” para que seja possível o “bem comum”. Assim, o Estado suprime a liberdade real e sua diversidade: 

           “(...) segundo a teoria individualista, a liberdade de cada um é o limite ou então a negação natural da liberdade de todos os outros: bem, esta limitação absoluta, esta negação da liberdade de cada um em nome da liberdade de todos ou do direito comum é o Estado.(...) A liberdade é indivisível: não se pode retirar uma parte dela sem matá-la por inteiro.” (pg. 92) 

          Ao mutilar a liberdade a constituição moral do Estado se mostra totalmente arbitrária afirmando que a justiça e o bem se iniciam unicamente pelo contrato. Equivale ao mesmo que dizer: os que estão fora do contrato não partilham do “interesse comum” demonstrando que o Estado não reconhece humanos mas unicamente “cidadãos”. Ao constatar o princípio de conquista que move os Estados, Bakunin retrata a dinâmica interconcorrencial destes: 

           “Interiormente federado ou não, cada Estado, sob pena de perecer, deve, portanto, procurar se tornar o mais poderoso deve devorar para não ser devorado, conquistar para não ser conquistado, subjugar para não ser subjugado, pois duas potências similares e ao mesmo tempo estranhas uma à outra não poderia coexistir sem se destruírem mutuamente.” (pg. 96) 

           “Cobre com sua proteção apenas seus próprios cidadãos, só reconhece o direito humano, a humanidade a civilização interior de seus próprios limites; não reconhecendo nenhum direito fora de si mesmo (...)” (pg. 97) 


          Tal ideologia ganha uma aspecto teologista e rompe com a moral humana mais elementar que pressupões a negação à injustiça, ao morticínio, à pilhagem, às imposições de “direitos históricos” dos impérios, à escravidão etc. A sua confirmação se apresenta justamente quando tais práticas são justificadas e incitadas para movimentar o princípio de conquista do Estado, assim os atos mais cruéis são a sua virtude. Bakunin atribui a esta ideologia o nome de “razão de Estado”. Esta análise também é sustentada por sua leitura de Maquiavel: 

           “Pensador realista e positivo, ele teve primazia de compreender que os grandes e poderosos Estados só poderiam ser fundados e mantidos pelo crime, por grandes crimes e por um desprezo radical por tudo que chama honestidade!” (pg. 99) 

          Bakunin concorda com o aspecto factual da obra de Maquiavel por sua compreensão de que a moral e justiça humana não podem ser utilizadas coerentemente pelo Estado em sua política de expansão. 

          Porém, Bakunin discorda da conclusão política de Maquiavel e reafirma sua concepção revolucionária: 

           “(...) somos filhos da Revolução e herdamos dela a religião da humanidade, que devemos fundar sobre as ruínas da religião da divindade; acreditamos nos direitos do homens, na dignidade e na emancipação necessária da espécie humana. (...) [Esta emancipação] só poderá se efetivar quando o crime cessar de ser o que é, mais ou menos em toda parte, hoje: a própria base da existência política das nações absorvidas, dominadas pela idéia do Estado.” (pg. 100) 

          O Estado como depositário do crime como política para realizar seu princípio prático submete sob sua hegemonia uma massa de escravos que lhe dá sustentação. Desta forma Bakunin conclui que a escravidão é fator essencialmente necessário derivado do princípio de conquista: 

           “Quem diz conquista, diz povos conquistados, subjugados, reduzidos à escravidão sob qualquer forma e qualquer denominação. A escravidão é, pois, uma conseqüência necessária da própria existência do Estado.” (pg. 101)

          Por estes motivos apresentados, o autor concluí, que para emancipação do proletariado é “necessária a absoluta destruição dos estados” (pg. 100). Diante deste fato retoma-se a crítica ao contratualismo: o contrato/Estado, da mesma forma que a teologia/religião, parte da concepção da perversidade natural humana, e da necessidade da imolação da liberdade humana para moralizar e transforma-lo em cidadão virtuoso ou em santo, ou seja, da suposta necessidade eterna de salvar os homens de si mesmos e dos outros. 

          Bakunin lança mão de uma demonstração lógica para desfazer a noção do contrato apontando suas inconsistências. O contrato realmente teria sido instituído livremente? E como seria instituído livremente se a liberdade dentro desta concepção só produziria o mal? Retoma também a crítica acima citada sobre as condições dadas ao Homem no princípio de sua história: vida nada livre, sempre “escravo da natureza”, rodeado de temor por sua realidade exterior etc. 

          Ele indaga como os homens que viviam na “liberdade natural” chegariam a conclusão e a distinção entre o bem (contrato) e o mal, sendo que como selvagens deveriam ignorar tal fato. Se apenas elaborariam um contrato simples de segurança e através do intermédio de um “gênio virtuoso” que criaria o primeiro código de moral e de leis. Homens virtuosos (honestos) e inteligentes, mas como na humanidade e em diversas gerações surgiriam tantos homens semelhantes? Esta é uma condição que não se realiza constantemente. E ainda como um homem de inteligência extraordinária, nascido em tal meio primitivo poderia fazer-se aceitar um código de moral por seu povo? Pela lógica? Impossível. Pela força, pela violência? Então não seria mais uma sociedade fundada sobre o “livre” contrato. 

          O meio mais usual é sobre a conquista e a escravidão, e que levaria a formação das sociedade reais e históricas onde os grandes legisladores legitimam tal código através da autoridade divina. 

          Assim bakunin concluí que a teoria contratualista não passa de um mito para legitimação do Estado, de sua dominação e controle sobre as massas. Escondendo sobre este mito sobre várias formas sejam elas o sufrágio, ou a “livre iniciativa”, a verdadeira face desta estrutura se baseia não na liberdade, mas sim na escravidão e conquista pela religião e por um suposto intelecto superior. 

          Estas são para Bakunin as três fontes do princípio de autoridade ligadas dialeticamente ao princípio de conquista do Estado levando ao aviltamento das massas impedindo-as de se fazerem sujeito de capacidade política. O “teologismo estatista” vem de cima: 

           “Toda teoria conseqüente e sincera do Estado está essencialmente fundada sobre o princípio da autoridade, isto é, sobre esta idéia iminentemente teológica, metafísica, política, de que as massas, sempre incapazes de se governar, deverão sofrer sempre o julgo benfazejo de uma sabedoria e de uma justiça que, de uma maneira ou de outra, lhes serão impostas de cima” (pg. 110) 

          A inteligência superior presente na teoria do livre contrato é sempre representada pelas minorias: o governo sempre cabe a classe dominante. Desta maneira, independente da forma de governo a divisão de classe entrega a organização das massas a minorias que ludibriam o povo para concretizar seus interesses. Concluindo: o Estado é a regulação desta exploração da maioria pela minoria. Demonstrando tais implicações num 'Estado ideal' de livre contrato ele destaca as limitações do processos democráticos onde seriam eleitos “os mais inteligentes”. A separação política criada pela ascensão aos postos é inevitável e manifesta até mesmo no auto-retrato dos eleitos que, sempre auto-complacentes, se consideram mais capazes que o povo. Bakunin adverte para a “aberração intelectual e moral” a que tais fatos implicam: 

           “(...) as classes políticas não podem chegar de outra forma ao poder a não ser cortejando-o, bajulando suas paixões passageiras, algumas vezes muito más, e enganando-o na maioria das vezes.” (idem) 

           “Nada é tão perigoso para a moral privada do homem quanto o hábito do comando. O melhor homem, o mais inteligente o mais desinteressado, o mais generoso, o mais puro, se estragará infalivelmente e sempre nesta atividade. Dois sentimentos inerentes ao poder jamais deixam de produzir esta desmoralização: o desprezo pelas massas populares e o exagero de seu próprio mérito.” (pg. 114) 

          Tal moral é para o autor vista sob um prisma humano: é o reconhecimento da humanidade a qualquer humano, independente da raça, cor, constituição intelectual ou moralidade. Uma reflexão é realizada sobre onde ficaria a vilania e a torpeza presente em certos homens, se deveria estender a eles a humanidade? 

          O ponto central é que tais qualidades não advém da natureza individual dos homens mas sim do meio social que as gerou, esta conclusão perpassará até o fim da obra com consequências importantes pois se desdobra a partir daí a negação do “livre-arbítrio” e a defesa do “determinismo”. O livre arbítrio desconsidera a influência natural e social e relegando ao homem a determinação individual. O ser para a concepção bakuninista é formado das sucessivas transformações da matéria, todo humano está submetido a uma complexa cadeia de determinações maiores e anteriores: 

           “Assim, todo indivíduo humano, no momento de seu nascimento, é a resultante material, orgânica, de toda esta diversidade infinita de causas que se combinaram produzindo-o.” (pg. 118) 

          Bakunin também levanta a questão sobre a origem da moral e nega uma suposta herança fisiológica desta. Ou seja, a pergunta: O nascimento traz predisposições morais? Como já se observou, Bakunin salienta que não: 1) o ser recém nascido é dotado apenas de características fisiológicas ; 2) desta forma, esses caracteres teriam que estar alojados em algum lugar do organismo para tal, fato negado amplamente pelos fisiologistas. 

          Não existe por tanto um meio congênito de transmissão de tais qualidades, a única característica herdada fisiologicamente é a capacidade cada vez mais ampliada de estabelecer associações de impressões externas e internas combinadas pelo cérebro de modo a possibilitar as representações, idéias, sentimentos etc. A moral só pode ser transmitida pela tradição social, pela educação, fato que coloca os crimes como de responsabilidade social. Aqui Bakunin parece refutar algum tipo de perspectiva biologicista ingênua e anti-dialética que tentaria concluir traços sociais e morais a partir da fisiologia. 

          Ainda sobre a moral para Bakunin o mal não possui constituição ontológica apenas o bem. Sendo assim o mal seria um uma debilização do bem em forma de grau que subsiste a ela podendo ser desenvolvido e reorientado pela educação. O que explica a afirmação anterior do autor sobre a possibilidade de “elevação da consciência da humanidade”. 

          Por tanto, não seriam diferenças naturais que separariam os indivíduos sim a educação social a qual foram submetidos. Por isso Bakunin confere à educação um papel de libertação, de consolidação da justiça humana e equilíbrio do trabalho muscular e intelectual: 

           “Para ser perfeita, a educação deveria ser muito mais individualizada do que é hoje, individualizada no sentido da liberdade e unicamente pelo respeito à liberdade, mesmo nas crianças. Ela deveria ter por objeto não o adestramento do caráter, do espírito e do coração, mas seu despertar para uma atividade independente e livre, e não perseguir outro objetivo senão a criação da liberdade, nem de outro culto, ou melhor, de outra moral, de outro objeto de respeito que não seja a liberdade de cada um e de todos (...)” (pg. 130) 

          Por fim Bakunin destaca considerações sobre as condições para construção da liberdade. O bem produz o mal? O bem poderia ser imposto? Não, pois o bem e a liberdade são indissociáveis, unidos dialeticamente: 

           “O excesso de bem ou de que se chama geralmente de bem pode, por sua vez, produzir o mal? Sim, quando ele se impõe como lei despótica, absoluta, quer seja religiosa, doutrinária-filosófica, política, jurídica, social, ou como lei patriarcal da família, numa palavra, quando todo bem que ele parece ser ou que ele realmente é, impõe-se ao indivíduo como negação da liberdade e ele próprio não é seu produto. (...) não existe bem fora da liberdade, e a liberdade é a fonte e condição absoluta de qualquer bem que seja verdadeiramente digno deste nome, o bem não sendo outra coisa senão liberdade.? (pg. 132, 133) 

          3. Considerações finais 

          Interrompe-se a este ponto o manuscrito, vale ressaltar aqui as considerações finais deste estudo. Bakunin por meio de um documento marcado por um objetivo político sistematizou os elementos centrais de seu pensamento (Federalismo, Socialismo e Antiteologismo). O federalismo sintetiza sua noção de organização sócio-política, o socialismo a sinalização das massas trabalhadoras como sujeito histórico revolucionário e progressivo na conjuntura história de onde ele parte. Ao mesmo tempo no campo teórico ele funde uma crítica filosófica da religião e da alienação místico-religiosa com a crítica do contratualismo e ao Estado abrigando-as na categoria “teologismo”. Esta fusão se apresenta também combinada de análises sócio-históricas presentes em textos como “Três conferências feitas aos operários do vale de Saint-Imier”, “Princípios do estado” e outros, mostrando o aspecto filosófico-científico do materialismo defendido por Bakunin uma das chaves para compreensão dialética de seu pensamento.

          Desta forma, o texto “federalismo, Socialismo e antiteologismo” é uma peça fundamental para formação de todo militante classista que busca se armar para a luta revolucionária. Devemos abstrair as lições teóricas do bakuninismo para superar as dificuldades reais para a consolidação do regime de socialismo e liberdade.

          Bakunin Vive e vencerá! 


          Pró-núcleo da União Popular Anarquista (UNIPA)-DF 
          21/04/2009



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            A Instrução Integral (julho-agosto, 1869)

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              Considerações Filosóficas sobre o fantasma divino, sobre o mundo real e sobre o homem (1870)

              Breve nota introdutória

              É com muito orgulho que o Arquivo Bakunin em Português (ABP) apresenta a seus leitores e camaradas o primeiro capítulo da obraConsiderações Filosóficas. Essas Considerações são um apêndice deFederalismo, Socialismo e Anti-teologismo (FSAT). Sua datação é baseada em uma carta de Bakunin enviada a Ogarev em 19 de novembro de 1870. O presente texto foi traduzido do espanhol de forma voluntária e coletiva pelos colaboradores do ABP. Os demais capítulos serão publicados de acordo com o término das traduções. No prólogo do volume 3 das Obras de Bakunin, publicadas por Ediciones Júcar em 1977, Max Nettlau diz que"a leitura destes dois escritos, Federalismo... e Considerações... , é um pouco difícil, porém o leitor é gradualmente iniciado no assunto e realizará o estudo do segundo mais bem preparado pelo estudo do primeiro."Nettlau recomenda primeiro a leitura do FSAT e depois o Considerações. Mas acima de tudo ele realça o elo de ligação epistemológica entre as duas obras. Em breve, além das traduções dos próximos capítulos deConsiderações, estaremos disponibilizando para nossos leitores e demais camaradas de luta a digitalização de Federalismo, Socialismo e Anti-teologismo.

              Os Editores, 
              Brasil, janeiro de 2011.


              Considerações Filosóficas sobre o fantasma divino, sobre o mundo real e sobre o homem
              (1870)

              Mikhail Bakunin

              1-O Sistema do Mundo

              Não é este o lugar para entrar em especulações filosóficas sobre a natureza do ser. Mas como me vejo forçado a empregar muitas vezes a palavra natureza, creio que devo dizer aqui o que entendo por ela. Poderia dizer que a natureza é a soma de todas as coisas realmente existentes. Mas isso me daria uma idéia completamente morta da natureza, que apresenta a nós, ao contrário, todo movimento e toda a vida. Além disso, o que é a soma das coisas? As coisas tal como são hoje não serão amanhã; amanhã não haverão se perdido, senão inteiramente transformadas. Aproximarei-me muito mais da verdade dizendo que a natureza é a soma das transformações reais das coisas que se produzem e que se produzirão incessantemente em seu seio; e para dar uma idéia um pouco mais determinada do que possa ser essa soma ou essa totalidade, que chamo natureza, enunciarei, e creio poder estabelecer-la como um axioma, a proposição seguinte:




              Tudo o que existe, os seres que constituem o conjunto indefinido do universo, todas as coisas existentes no mundo, qualquer que seja por outra parte sua natureza particular, tanto desde o ponto de vista da qualidade como da quantidade, as mais diferentes e as mais semelhantes, grandes ou pequenas, próximas ou imensamente distantes, exercem necessária e inconscientemente, seja por via imediata e direta, seja por transmissão indireta, uma ação e uma reação perpétuas; e toda essa quantidade infinita de ações e de reações particulares, ao combinar-se em um movimento geral e único, produz e constitui o que chamamos vida, solidariedade e causalidade universal, a natureza.

              Chame isso de deus, de absoluto, se os diverte, nada disso me importa, desde que não deis a essa palavra, deus, outro sentido que o que acabo de precisar: o da combinação universal, natural, necessária e real, mas de nenhum modo predeterminada nem preconcebida, nem prevista, dessa infinidade de ações e de reações particulares que todas as coisas realmente existentes exercem incessantemente umas sobre todas. Definida assim a solidariedade universal, a natureza, considerada no sentido do universo sem limites, se impõe como uma necessidade reacional a nosso espírito; mas não podemos abarcar-la nunca de uma maneira real, nem sequer pela imaginação ou pelo reconhecimento. Por que não podemos reconhecer mais que essa parte infinitamente pequena do universo que nos é manifestada por nossos sentidos; e quanto ao resto, nós supomos, sem poder constatar realmente sua existência.

              É claro que a solidariedade universal, explicada desse modo, não pode ter o caráter de uma causa absoluta e primeira; não é, ao contrário, mais que uma resultante [1], produzida e reproduzida sempre pela ação simultânea de uma infinidade de causas particulares, cujo conjunto constitui precisamente a causalidade universal, a unidade composta, sempre reproduzida pelo conjunto indefinido das transformações incessantes de todas as coisas que existem e, ao mesmo tempo, criadora de todas as coisas; cada ponto atuando sobre o todo (eis ai o universo produzido), e o todo atuando sobre cada parte (eis ai o universo produtor e criador).

              Havendo explicado bem, posso dizer agora, sem medo de dar lugar a algum mal entendido, que a causalidade universal, a natureza, cria os mundos. É ela que tem determinado a configuração mecânica, física, química, geológica e geográfica de nossa Terra, e que, depois de haver coberto sua superfície com todos os esplendores da vida vegetal e animal, continua criando ainda, no mundo humano, a sociedade com todos seus desenvolvimentos passados, presentes e futuros.

              Quando o homem começa a observar com uma atenção perseverante e seguida essa parte da natureza que o rodeia e que encontra em si mesmo, acaba por perceber que todas as coisas são governadas por leis que lhe são inerentes e que constituem propriamente sua natureza particular; que nessa transformação e essa ação existe uma sucessão de fenômenos e de fatos que se repetem constantemente, nas mesmas circunstancias dadas, e que, sob a influencia de circunstâncias determinadas, novas, se modificam de uma maneira igualmente regular e determinada. Essa reprodução constante dos mesmos fatos pelos mesmos pelos mesmos procedimentos constitui propriamente a legislação da natureza: a ordem na infinita diversidade dos fenômenos e dos fatos.

              A soma de todas as leis, conhecidas e desconhecidas, que trabalham no universo, constitui a lei única e suprema. Essas leis se dividem e se subdividem em leis gerais e em leis particulares e especiais. As leis matemáticas, físicas e químicas, por exemplo, são leis gerais que se manifestam em todo o que existe, em todas as coisas que tem uma existência real, leis que, em uma palavra, são inerentes a matéria, ou seja, ao ser real e unicamente universal, o verdadeiro substratum de todas as coisas existentes. Acrescentarei também que a matéria não existe nunca e em nenhuma parte como substratum, que ninguém pode perceber-la sob essa forma unitária e abstrata; que não existe e que só pode existir sob uma forma muito mais concreta, como matéria mais ou menos diversificada e determinada.

              As leis do equilíbrio, da combinação e da ação mutua das forças ou do movimento mecânico; as leis da gravidade, do calor, da vibração dos corpos, da luz, da eletricidade, tanto como as de composição e decomposição química dos corpos, são absolutamente inerentes a todas as coisas existem, sem excetuar de nenhum modo as diferentes manifestações do sentimento, da vontade e do espírito; pois estas três coisas, que constituem propriamente o mundo ideal do homem, não são mais que funcionamentos completamente materiais da matéria organizada e viva , no corpo do animal em geral e sobre todo do animal humano em particular [2]. Por conseguinte, todas essas são gerais, as quais estão submetidos todas as ordens conhecidas e desconhecidas de existência real no mundo.

              Mas existem leis particulares que são próprias apenas a certos ordens particulares de fenômenos, de fatos e de coisas, e que formam entre si sistemas ou grupos aparte: tais são, por exemplo, o sistema de leis geológicas; o das leis de organização animal; em suma, as leis que governam o desenvolvimento social e ideal do animal mais perfeito da Terra, o Homem.

              Não se pode dizer que as leis que pertencem a um desses sistemas sejam absolutamente estranhas às que compõem os outros sistemas. Na natureza, tudo esta ligado muito mais intimamente do que se pensa, e do que os pedantes da ciência podem querer, no interesse de uma maior precisão em seu trabalho de classificação. Mas, no entanto, pode-se dizer que um tal sistema de leis pertence muito mais a tal ordem de coisas e de fatos que a outro, e que se, na sucessão em que lhes apresentei, as leis que dominam no sistema anterior continuam manifestando sua ação nos fenômenos e nas coisas que pertencem a todos os sistemas que se seguem, não existe ação retrógrada das leis dos sistemas seguintes sobre as coisas e os fatos dos sistemas anteriores.Assim , a leido progresso, que constitui o caráter essencial do desenvolvimento social da espécie humana, não se manifesta de nenhum modo na vida exclusivamente animal, e ainda menos na vida exclusivamente vegetal; enquanto que todas as leis do mundo vegetal e do mundo animal se encontram, sem dúvida, modificadas por novas circunstancias, no mundo humano.

              Em fim; no próprio seio dessas grandes categorias de coisas, de fenômenos e de fatos, assim como das leis que lhe são particularmente inerentes, existe ainda divisões e subdivisões que nos mostram essas mesmas leis particularizando-se e especializando-se mais e mais, acompanhando, por assim dizer, a especialização mais e mais determinada, - e que volta mais restringida a medida que se determina mais - , dos próprios seres.

              O homem não tem, para constatar todas essas leis gerais, particulares e especiais, outro meio que a observação atenta e exata do fenômenos e dos fatos que se sucedem tanto fora dele como nele mesmo. Distingue neles o que é acidental e variável do que se reproduz sempre e em todas as partes de uma maneira invariável. O procedimento invariável pelo qual se reproduz constantemente um fenômeno natural, seja exterior, seja interior; a sucessão invariável dos fatos que o constituem, são precisamente o que chamamos a lei desse fenômeno.

              Essa constância e essa repetição não são, no entanto, absolutas. Deixam um vasto campo ao que chamamos impropriamente as anomalias e as exceções – maneira muito pouco justa, por que os fatos ao qual nos referimos provam sozinhos que essas regras gerais, reconhecidas por nós como leis naturais, não sendo mais que abstrações deduzidas por nosso espírito do desenvolvimento real das coisas, não estão em estado de abarcar, de esgotar, de explicar toda a infinita riqueza desse desenvolvimento.

              Essa multiplicidade de leis tão diversas, e que nossa ciência separa em categorias diferentes, formam um único sistema orgânico e universal, um sistema no qual estão ligados os próprios seres que manifestam as transformações e os desenvolvimentos? É muito provável. Mas, o que é mais que provável, o que é verdade, é que não podemos chegar nunca, não só a compreender, senão também a abarcar esse sistema único e real do universo, sistema infinitamente extenso por uma parte e infinitamente especializado por outra; de modo que ao estudar-lo teremos que enfrentar dois infinitos: o infinitamente grande e o infinitamente pequeno.

              Os detalhes são inesgotáveis. Não será possível nunca ao Homem conhecer mais que uma parte infinitamente pequena deles. Nosso céu estrelado, com sua multidão de sóis, não são mais que um ponto imperceptível na imensidão do espaço, e ainda que possamos vê-lo, não sabemos quase nada dele.

              Por necessidade, portanto, devemos nos contentar em conhecer um pouco o nosso sistema solar, do qual temos que presumir a perfeita harmonia com todo o resto do universo, por que se não existisse essa harmonia, ou ela se estabeleceria ou nosso mundo solar pereceria.

              Já conhecemos muito bem este último desde o seu ponto de vista mecânico, e já começamos a conhecer-lo um pouco desde o ponto de vista físico, químico, até geológico. Nosso ciência dificilmente irá muito além disso. Se queremos um conhecimento mais concreto, devemos nos ater ao nosso globo terrestre. Sabemos que ele nasceu em um dado momento e presumimos que – não sei em que número indefinido de séculos ou de milhões de séculos – será condenado a perecer, assim como tudo o que existe nasce e morre, ou melhor, se transforma.

              Como nosso globo terrestre, primeiro matéria em combustão e gasosa, condensou e esfriou; por vasta gama de evoluções geológicas teve que passar, antes de poder produzir em sua superfície toda essa infinidade de riqueza da vida orgânica, vegetal e animal, desde a simples célula até o Homem; como ela se manifestou e continua desenvolvendo-se no nosso mundo histórico e social; qual é o fim para o qual marchamos, impulsionados por essa ley suprema e fatal de transformação incessante que na sociedade animal se chama progresso: eis aqui as únicas questões que nos são acessíveis, as únicas que podem e devem ser realmente abarcadas, estudadas e resolvidas pelo Homem. Não formando mais que um ponto imperceptível na questão ilimitada e indifinível do universo, essas questões humanas e terrestres oferecem no entanto ao nosso espírito um mundo realemente infinito, não no sentido divino, ou seja, no sentido abstrato dessa palavra, não como o ser supremo criado pela bstração religiosa; infinito, ao contrário, pela riqueza dos seus detalhes, que nenhuma observação e nenhuma ciencia jamais conseguirão apreciar.
              Para conhecer esse mundo, nosso mundo infinito, a observação sozinha não seria suficiente. Abandonada a própria sorte, voltaria a nos levar infalivelmente ao ser supremo, a deus, ao nada, como já o fez na história, como explicarei em breve. É preciso – continuando ainda na aplicação dessa faculdade de abstração, sem a qual não poderíamos nunca nos elevar de uma ordem de coisas inferior para uma ordem de coisas superior nem, portanto, compreender a hierarquia natural dos seres -, é necessário que nosso espírito se submirja ao mesmo tempo, com respeito e com amor, no estudo minucioso dos detalhes e do infinitamente pequeno, sem o qual não poderíamos conceber jamais a realidade vivente dos seres. É, portanto, unindo essas duas faculdades, esses dois atos do espírito em aparência tão contrários: a abstração e a análise escrupulosa, atenta e paciente dos detalhes, como podemos elevar-nos à concepção real de nosso mundo. É evidente que se nosso sentimento e nosso imaginação podem dar-nos apenas uma imagem, uma representação mais ou menos falsa deste mundo, só a ciência poderá nos dar uma idéia clara e precisa.

              Qual é então essa curiosidade imperiosa que impulsiona o Homem a reconhecer o mundo a sua volta, a perseguir com uma incansável paixão os segredos dessa natureza da qual ele mesmo é, sobre esta Terra, a última e a mais perfeita criação? Esta curiosidade, é um simples luxo, um agradável passatempo, ou uma das principais necessidades inerentes ao seu ser? Não vacilo em dizer que de todas as necessidades que constituem a natureza do Homem, essa é a mais humana, e que o Homem não se distingue efetivamente dos animais das demais espécies senão por essa necessidade insaciável de saber, que não é realmente e completamente Homem senão pelo despertar e pela satisfação progressiva dessa imensa necessidade de saber. Para realizar-se na plenitude de seu ser, o Homem deve reconhecer-se, e nunca se conhecerá de uma maneira completa e real enquanto não tenha reconhecido a natureza a sua volta e da qual é produto. Portanto, ao contrário de renunciar sua humanidade, o Homem deve saber, deve pensar com seu pensamento todo o mundo real, e sem esperança de chegar nunca ao fundo, deve aprofundar mais e mais a coordenação e as leis, por que sua humanidade não existe senão a esse preço. Lhe é preciso reconhecer todas as regiões inferiores, anteriores e contemporâneas ao mesmo tempo, todas as evoluções mecânicas, físicas, químicas, geológicas, vegetais e animais, ou seja, todas as causa e todas as condições de seu próprio nascimento, de sua própria existência e de seu desenvolvimento, a fim de que possa compreender sua própria natureza e sua missão sobre a Terra, sua pátria e seu teatro único; a fim de que neste mundo da cega fatalidade, possa inaugurar seu mundo humano, o mundo da liberdade.

              Tal é a tarefa do Homem: é inesgotável, é infinita e suficiente para satisfazer os espíritos e os corações mais orgulhosos e mais ambiciosos. Ser fugaz e imperceptível, perdido no meio do oceano sem bordas da transformação universal, com uma eternidade ignorada atrás de si, e uma eternidade imensa ante ele, o Homem que pensa, o Homem ativo, o Homem consciente de seu destino humano, permanece calmo e orgulhoso no sentimento de sua liberdade, que conquista emancipando-se por si mesmo mediante o Trabalho, mediante a Ciência, e emancipando, rebelando ao seu redor, em caso de necessidade, todos os Homens, seus semelhantes, seus irmãos. Se lhe perguntais depois disso seu intimo pensamento, sua última palavra sobre a unidade real do universo, vos dirá que é a eterna transformação, um movimento infinitamente detalhado, diversificado, e por causa disso mesmo, ordenado em si mesmo, mas sem começo, nem limite nem fim. É, portanto, o caminho inverso da providência: a negação de Deus.

              Compreende-se que no universo assim entendido, não pode-se falar sobre idéias anteriores, nem de leis preconcebidas e preordenadas. As idéias, inclusive a de deus, não existem na Terra apenas sendo produzidas pelo cérebro. Se vê, portanto, que surge muito mais tarde que os fatos naturais, muito mais tarde que as leis que governam esses fatos. São justas quando são conforme essas leis, falsas quando lhe são contrárias. As leis da natureza, não se manifestam sob essa forma ideal ou abstrata de lei, senão pela inteligência humana, quando reproduzidas pelo cérebro, com base em observações mais ou menos exatas das coisas, dos fenômenos e da sucessão dos fatos, tomam essa forma de idéias humanas quase espontâneas. Anteriormente ao nascimento do pensamento humano, não são reconhecidas como leis, por ninguém, e não existem senão no estado de processos reais da natureza, processos que, como acabou de dizer-lhe mais acima, estão sempre determinados por um concurso indefinido de condições particulares, de influencias e de causas que se repetem regularmente. Essa palavra natureza, exclui como conseqüência, toda idéia mística ou metafísica de substancia, de causa final ou de criação providencial combinada e dirigida.

              Mas desde que existe uma ordem na natureza, deve ter havido necessariamente um organizador, se dirá. De modo nenhum. Um organizador, ainda que fosse um Deus, não poderia senão prejudicar com sua arbitrariedade pessoal a ordem natural e o desenvolvimento lógico das coisas; e sabemos bem que a propriedade principal dos deuses de todas as religiões, é ser precisamente superiores, ou seja, contrários a toda lógica natural, e reconhecer apenas uma só lógica: a o absurdo e da iniqüidade. Por que, o que é a lógica senão o desenvolvimento natural das coisas, ou melhor, o processo natural pelo qual muitas causas determinantes, inerentes a essas coisas, produzem fatos novos? [3] Por conseguinte, me será permitido enunciar este axioma tão simples e ao mesmo tempo tão decisivo:

              Tudo o que é natural é lógico, e tudo o que é lógico ou se encontra já realizado, ou deverá realizar-se no mundo natural, inclusive o mundo social [4].

              Mas se as leis do muno natural e do mundo social [5] não foram criadas nem organizadas por ninguém, por que e como existem? O que lhes confere esse caráter invariável? Eis uma pergunta que não está em meu poder resolve-la e da qual, que eu saiba, ninguém encontrou e todavia nem encontrara jamais uma resposta. Engano-me: os teólogos e os metafísicos trataram de respondê-la pela suposição de uma causa primeira e suprema, de uma divindade criadora dos mundos, ou ao menos, como dizem os metafísicos panteístas, por uma alma divida ou de um pensamento absoluto aprisionado no universo, que se manifesta pelo movimento e a vida de todos os seres que nascem e morrem em seu seio. Nenhuma destas suposições suporta a menor crítica. Tem sido fácil para mim provar que idéia de um deus criador das leis naturais e sociais continha em si a negação completa destas leis, fazia com que sua própria existência, quer dizer, sua realização e sua eficácia, impossível; que um deus organizador desse mundo devia produzir nele necessariamente a anarquia [6], o caos; e consequentemente, de duas coisas uma, ou deus não existe, ou as leis naturais não existem; e como sabemos de uma maneira segura, pela experiência de cada dia e pela ciência, que não é outra coisa senão a experiência sistematizada dos séculos, que essas leis existem, portanto, devemos concluir que deus não existe.

              Aprofundando o sentido destas palavras: leis naturais, voltaremos, pois, a encontrar que excluem de uma maneira absoluta a idéia e a própria possibilidade de um criador, de um organizador e de um legislador, por que a idéia de um legislador exclui por sua vez, de uma maneira também absoluta, a inerência das leis nas coisas, e desde o momento que uma lei não é inerente as coisas que governa, é necessariamente, em relação a essas coisas, uma lei arbitrária, quer dizer, fundada não em sua própria natureza, senão no pensamento e na vontade do legislador. Como conseqüência, todas as leis que emanam de um legislador, seja humano, seja divino, seja individual, seja coletivo, e ainda que fosse nomeado pelo sufrágio universal, são leis despóticas, necessariamente estranhas e hostis aos homens e as coisas que devem dirigir: não são leis, senão decretos aos que as obedecem, não por necessidade interior e por tendência natural, senão por que está sendo obrigado a fazer-lo por uma força exterior, divina ou humana; decretos arbitrários que a hipocrisia social, mais inconsciente do que conscientemente, da arbitrariamente o nome de lei.

              Uma lei não é realmente uma lei natural somente quando é absolutamente inerente às coisas que se manifestam a nosso espírito; somente é uma lei natural quando constitui sua propriedade, sua própria natureza mais ou menos determinada, e não a natureza universal e abstrata de não sei qual substancia divina ou de um pensamento absoluto; substancia e pensamento estes necessariamente extra-terrestres, sobrenaturais e ilógicos, por que se não fossem, se aniquilariam na realidade e na lógica natural das coisas. As leis naturais são os processos naturais e reais, mais ou menos particulares, pelos quais existem todas as coisas. Portanto, aquele que queira compreender-las deve renunciar de uma vez por todas ao deus pessoal dos teólogos e a divindade impessoal dos metafísicos.

              Mas o fato de que podemos negar com precisão total, a existência de um legislador divino, não se segue que podemos perceber como foram estabelecidas as leis naturais e sociais no mundo. Existem, são inseparáveis do mundo real, desse conjunto de coisas e de fatos do qual nós mesmos somos produtos, os efeitos, exceto no caso de nós nos tornar-mos causas – relativas – de seres, de coisas e de fatos novos. Eis tudo o que sabemos e que, penso eu, tudo o que podemos saber. Por outro lado, como poderíamos encontrar a “causa primeira”, uma vez que ela não existe? Já que o que chamamos causalidade universal não é mais que uma resultante de todas as causas particulares que atuam no universo. Perguntar por que existem leis naturais, não equivaleria a perguntar por que existe o universo – fora do qual nada existe - , por que existe o ser? Isto é um absurdo.


              Notas de O sistema do mundo.

              (1) Como todo indivíduo humano, em cada instante dado de sua vida, não é mais que a resultante de todas as causas que tem atuado em seu nascimento e também antes de seu nascimento, combinadas com todas as condições de seu desenvolvimento posterior, tanto como com todas as circunstancias que atuam nele neste momento atual.

              (2) Falo, naturalmente, do espírito, da vontade e dos sentimentos que conhecemos, dos únicos que podemos conhecer: dos animais e do Homem do qual é, de todos o animais da Terra, é – desde o ponto de vista geral, não de cada faculdade tomada separadamente – sem dúvida o mais perfeito. Quanto ao espírito, a vontade e os sentimento extra-humanos e extra-terrestres do ser de que nos falam os teólogos e os metafísicos, devo confessar minha ignorância, por que nunca os encontrei e ninguém, que eu saiba, já teve relações diretas com eles. Mas se julgamos de acordo ao que nos dizem esses senhores, esse espírito é de tal modo incoerente e estúpido, essa vontade e esses sentimentos são de tal modo perversos, que não vale a pena ocupar-se deles somente para constatar todo o mal que fizeram sobre a Terra. Para provar a ação absoluta e direta das leis mecânicas, físicas e químicas, sobre as faculdades ideais do Homem, me contentarei com levantar essa pergunta: O que seria das mais sublimes combinações da inteligência se, desde o momento que Homem as concebe, se apenas o ar que se respira se descompô-se, ou se o movimento da Terra se detivesse, ou se o Homem se visse envolto inesperadamente em uma temperatura de 60 graus acima ou abaixo de zero?

              (3) Dizer que deus não é contrário a lógica, é afirmar que, em toda a extensão de seu ser, é completamente lógico; que não contem nada que esteja por cima, ou o que quer dizer o mesmo, fora da lógica: que, por conseqüência, ele mesmo não é nada mais que a lógica , nada mais que essa corrente ou esse desenvolvimento natural das coisas reais; ou seja, que deus não existe. A existência de deus não pode, pois, ter outro significado que o da negação das leis naturais; aonde resulta este dilema inevitável: Deus existe, por tanto não existem leis naturais, não existe ordem na natureza, o mundo é um caos, ou então: O mundo está ordenado por si mesmo, por tanto, deus não existe.

              (4) Não significa de nenhum modo, que tudo o que é lógico ou natural seja desde o ponto de vista humano, necesariamente útil,bom ou justo. As grandes catástrofes naturais; os terremotos na terra, as erupções vulcânicas, as inundações, as tempestades, as doenças epidêmicas, que devastam e destroem cidades e populações inteiras, são certamente fatos naturais produzidos logicamente por uma gama de causas naturais, mas ninguém dirá que são benéficas para a humanidade. O mesmo acontece com os fatos que se produzem na história: as mais horríveis instituições chamadas divinas e humanas; todos os crimes passados e presentes dos chefes, desses supostos benfeitores e tutores de nossa pobre espécie humana, e a mais desesperante estupidez dos povos que aceitam o seu julgo; as infâmias atuais dos Napoleões III, dos Bismarcks, de Alexandre II e tantos outros soberanos ou políticos e militares da Europa e a covardia incrível dessa burguesia de todos os países que os incentiva, os sustenta, ainda que odiando-os desde o fundo do seu coração; tudo isso nos mostra uma série de fatos naturais produzidos por causas naturais, e por conseqüência muito lógicas, o que não as impede de ser excessivamente funestas para a humanidade.

              (5) Sigo o uso estabelecido, separando de certo modo o mundo social do mundo natural. É evidente que a sociedade humana, considerada em toda a extensão e em toda a amplitude de seu desenvolvimento histórico, é tão natural e está tão completamente subordinada a todas as leis da história, como o mundo animal e vegetal, por exemplo, da qual é a última e a mais alta expressão sobre a Terra.

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                Considerações Filosóficas sobre o fantasma divino, sobre o mundo real e sobre o homem (1870)

                Breve nota introdutória

                É com muito orgulho que o Arquivo Bakunin em Português (ABP) apresenta a seus leitores e camaradas o primeiro capítulo da obraConsiderações Filosóficas. Essas Considerações são um apêndice deFederalismo, Socialismo e Anti-teologismo (FSAT). Sua datação é baseada em uma carta de Bakunin enviada a Ogarev em 19 de novembro de 1870. O presente texto foi traduzido do espanhol de forma voluntária e coletiva pelos colaboradores do ABP. Os demais capítulos serão publicados de acordo com o término das traduções. No prólogo do volume 3 das Obras de Bakunin, publicadas por Ediciones Júcar em 1977, Max Nettlau diz que"a leitura destes dois escritos, Federalismo... e Considerações... , é um pouco difícil, porém o leitor é gradualmente iniciado no assunto e realizará o estudo do segundo mais bem preparado pelo estudo do primeiro."Nettlau recomenda primeiro a leitura do FSAT e depois o Considerações. Mas acima de tudo ele realça o elo de ligação epistemológica entre as duas obras. Em breve, além das traduções dos próximos capítulos deConsiderações, estaremos disponibilizando para nossos leitores e demais camaradas de luta a digitalização de Federalismo, Socialismo e Anti-teologismo.

                Os Editores, 
                Brasil, janeiro de 2011.


                Considerações Filosóficas sobre o fantasma divino, sobre o mundo real e sobre o homem
                (1870)

                Mikhail Bakunin

                1-O Sistema do Mundo

                Não é este o lugar para entrar em especulações filosóficas sobre a natureza do ser. Mas como me vejo forçado a empregar muitas vezes a palavra natureza, creio que devo dizer aqui o que entendo por ela. Poderia dizer que a natureza é a soma de todas as coisas realmente existentes. Mas isso me daria uma idéia completamente morta da natureza, que apresenta a nós, ao contrário, todo movimento e toda a vida. Além disso, o que é a soma das coisas? As coisas tal como são hoje não serão amanhã; amanhã não haverão se perdido, senão inteiramente transformadas. Aproximarei-me muito mais da verdade dizendo que a natureza é a soma das transformações reais das coisas que se produzem e que se produzirão incessantemente em seu seio; e para dar uma idéia um pouco mais determinada do que possa ser essa soma ou essa totalidade, que chamo natureza, enunciarei, e creio poder estabelecer-la como um axioma, a proposição seguinte:


                Tudo o que existe, os seres que constituem o conjunto indefinido do universo, todas as coisas existentes no mundo, qualquer que seja por outra parte sua natureza particular, tanto desde o ponto de vista da qualidade como da quantidade, as mais diferentes e as mais semelhantes, grandes ou pequenas, próximas ou imensamente distantes, exercem necessária e inconscientemente, seja por via imediata e direta, seja por transmissão indireta, uma ação e uma reação perpétuas; e toda essa quantidade infinita de ações e de reações particulares, ao combinar-se em um movimento geral e único, produz e constitui o que chamamos vida, solidariedade e causalidade universal, a natureza.

                Chame isso de deus, de absoluto, se os diverte, nada disso me importa, desde que não deis a essa palavra, deus, outro sentido que o que acabo de precisar: o da combinação universal, natural, necessária e real, mas de nenhum modo predeterminada nem preconcebida, nem prevista, dessa infinidade de ações e de reações particulares que todas as coisas realmente existentes exercem incessantemente umas sobre todas. Definida assim a solidariedade universal, a natureza, considerada no sentido do universo sem limites, se impõe como uma necessidade reacional a nosso espírito; mas não podemos abarcar-la nunca de uma maneira real, nem sequer pela imaginação ou pelo reconhecimento. Por que não podemos reconhecer mais que essa parte infinitamente pequena do universo que nos é manifestada por nossos sentidos; e quanto ao resto, nós supomos, sem poder constatar realmente sua existência.

                É claro que a solidariedade universal, explicada desse modo, não pode ter o caráter de uma causa absoluta e primeira; não é, ao contrário, mais que uma resultante [1], produzida e reproduzida sempre pela ação simultânea de uma infinidade de causas particulares, cujo conjunto constitui precisamente a causalidade universal, a unidade composta, sempre reproduzida pelo conjunto indefinido das transformações incessantes de todas as coisas que existem e, ao mesmo tempo, criadora de todas as coisas; cada ponto atuando sobre o todo (eis ai o universo produzido), e o todo atuando sobre cada parte (eis ai o universo produtor e criador).

                Havendo explicado bem, posso dizer agora, sem medo de dar lugar a algum mal entendido, que a causalidade universal, a natureza, cria os mundos. É ela que tem determinado a configuração mecânica, física, química, geológica e geográfica de nossa Terra, e que, depois de haver coberto sua superfície com todos os esplendores da vida vegetal e animal, continua criando ainda, no mundo humano, a sociedade com todos seus desenvolvimentos passados, presentes e futuros.

                Quando o homem começa a observar com uma atenção perseverante e seguida essa parte da natureza que o rodeia e que encontra em si mesmo, acaba por perceber que todas as coisas são governadas por leis que lhe são inerentes e que constituem propriamente sua natureza particular; que nessa transformação e essa ação existe uma sucessão de fenômenos e de fatos que se repetem constantemente, nas mesmas circunstancias dadas, e que, sob a influencia de circunstâncias determinadas, novas, se modificam de uma maneira igualmente regular e determinada. Essa reprodução constante dos mesmos fatos pelos mesmos pelos mesmos procedimentos constitui propriamente a legislação da natureza: a ordem na infinita diversidade dos fenômenos e dos fatos.

                A soma de todas as leis, conhecidas e desconhecidas, que trabalham no universo, constitui a lei única e suprema. Essas leis se dividem e se subdividem em leis gerais e em leis particulares e especiais. As leis matemáticas, físicas e químicas, por exemplo, são leis gerais que se manifestam em todo o que existe, em todas as coisas que tem uma existência real, leis que, em uma palavra, são inerentes a matéria, ou seja, ao ser real e unicamente universal, o verdadeiro substratum de todas as coisas existentes. Acrescentarei também que a matéria não existe nunca e em nenhuma parte como substratum, que ninguém pode perceber-la sob essa forma unitária e abstrata; que não existe e que só pode existir sob uma forma muito mais concreta, como matéria mais ou menos diversificada e determinada.

                As leis do equilíbrio, da combinação e da ação mutua das forças ou do movimento mecânico; as leis da gravidade, do calor, da vibração dos corpos, da luz, da eletricidade, tanto como as de composição e decomposição química dos corpos, são absolutamente inerentes a todas as coisas existem, sem excetuar de nenhum modo as diferentes manifestações do sentimento, da vontade e do espírito; pois estas três coisas, que constituem propriamente o mundo ideal do homem, não são mais que funcionamentos completamente materiais da matéria organizada e viva , no corpo do animal em geral e sobre todo do animal humano em particular [2]. Por conseguinte, todas essas são gerais, as quais estão submetidos todas as ordens conhecidas e desconhecidas de existência real no mundo.

                Mas existem leis particulares que são próprias apenas a certos ordens particulares de fenômenos, de fatos e de coisas, e que formam entre si sistemas ou grupos aparte: tais são, por exemplo, o sistema de leis geológicas; o das leis de organização animal; em suma, as leis que governam o desenvolvimento social e ideal do animal mais perfeito da Terra, o Homem.

                Não se pode dizer que as leis que pertencem a um desses sistemas sejam absolutamente estranhas às que compõem os outros sistemas. Na natureza, tudo esta ligado muito mais intimamente do que se pensa, e do que os pedantes da ciência podem querer, no interesse de uma maior precisão em seu trabalho de classificação. Mas, no entanto, pode-se dizer que um tal sistema de leis pertence muito mais a tal ordem de coisas e de fatos que a outro, e que se, na sucessão em que lhes apresentei, as leis que dominam no sistema anterior continuam manifestando sua ação nos fenômenos e nas coisas que pertencem a todos os sistemas que se seguem, não existe ação retrógrada das leis dos sistemas seguintes sobre as coisas e os fatos dos sistemas anteriores.Assim , a leido progresso, que constitui o caráter essencial do desenvolvimento social da espécie humana, não se manifesta de nenhum modo na vida exclusivamente animal, e ainda menos na vida exclusivamente vegetal; enquanto que todas as leis do mundo vegetal e do mundo animal se encontram, sem dúvida, modificadas por novas circunstancias, no mundo humano.

                Em fim; no próprio seio dessas grandes categorias de coisas, de fenômenos e de fatos, assim como das leis que lhe são particularmente inerentes, existe ainda divisões e subdivisões que nos mostram essas mesmas leis particularizando-se e especializando-se mais e mais, acompanhando, por assim dizer, a especialização mais e mais determinada, - e que volta mais restringida a medida que se determina mais - , dos próprios seres.

                O homem não tem, para constatar todas essas leis gerais, particulares e especiais, outro meio que a observação atenta e exata do fenômenos e dos fatos que se sucedem tanto fora dele como nele mesmo. Distingue neles o que é acidental e variável do que se reproduz sempre e em todas as partes de uma maneira invariável. O procedimento invariável pelo qual se reproduz constantemente um fenômeno natural, seja exterior, seja interior; a sucessão invariável dos fatos que o constituem, são precisamente o que chamamos a lei desse fenômeno.

                Essa constância e essa repetição não são, no entanto, absolutas. Deixam um vasto campo ao que chamamos impropriamente as anomalias e as exceções – maneira muito pouco justa, por que os fatos ao qual nos referimos provam sozinhos que essas regras gerais, reconhecidas por nós como leis naturais, não sendo mais que abstrações deduzidas por nosso espírito do desenvolvimento real das coisas, não estão em estado de abarcar, de esgotar, de explicar toda a infinita riqueza desse desenvolvimento.

                Essa multiplicidade de leis tão diversas, e que nossa ciência separa em categorias diferentes, formam um único sistema orgânico e universal, um sistema no qual estão ligados os próprios seres que manifestam as transformações e os desenvolvimentos? É muito provável. Mas, o que é mais que provável, o que é verdade, é que não podemos chegar nunca, não só a compreender, senão também a abarcar esse sistema único e real do universo, sistema infinitamente extenso por uma parte e infinitamente especializado por outra; de modo que ao estudar-lo teremos que enfrentar dois infinitos: o infinitamente grande e o infinitamente pequeno.

                Os detalhes são inesgotáveis. Não será possível nunca ao Homem conhecer mais que uma parte infinitamente pequena deles. Nosso céu estrelado, com sua multidão de sóis, não são mais que um ponto imperceptível na imensidão do espaço, e ainda que possamos vê-lo, não sabemos quase nada dele.

                Por necessidadeportanto, devemos nos contentar em conhecer um poucoo nosso sistema solar, do qual temos que presumir a perfeita harmonia com todo o resto do universo, por que se não existisse essa harmonia, ou ela se estabeleceria ou nosso mundo solar pereceria.

                Já conhecemos muito bem este último desde o seu ponto de vista mecânico, e já começamos a conhecer-lo um pouco desde o ponto de vista físico, químico, até geológico. Nosso ciência dificilmente irá muito além disso. Se queremos um conhecimento mais concreto, devemos nos ater ao nosso globo terrestre. Sabemos que ele nasceu em um dado momento e presumimos que – não sei em que número indefinido de séculos ou de milhões de séculos – será condenado a perecer, assim como tudo o que existe nasce e morre, ou melhor, se transforma.

                Como nosso globo terrestre, primeiro matéria em combustão e gasosa, condensou e esfriou; por vasta gama de evoluções geológicas teve que passar, antes de poder produzir em sua superfície toda essa infinidade de riqueza da vida orgânica, vegetal e animal, desde a simples célula até o Homem; como ela se manifestou e continua desenvolvendo-se no nossomundo histórico e social; qual é o fim para o qual marchamos, impulsionados por essa ley suprema e fatal de transformação incessante que na sociedade animal se chama progresso: eis aqui as únicas questões que nos são acessíveis, as únicas que podem e devem ser realmente abarcadas, estudadas e resolvidas pelo Homem. Não formando mais que um ponto imperceptível na questão ilimitada e indifinível do universo, essas questões humanas e terrestres oferecem no entanto ao nosso espírito um mundo realemente infinito, não no sentido divino, ou seja, no sentido abstrato dessa palavra, não como o ser supremo criado pela bstração religiosa; infinito, ao contrário, pela riqueza dos seus detalhes, que nenhuma observação e nenhuma ciencia jamais conseguirão apreciar.
                Para conhecer esse mundo, nosso mundo infinito, a observação sozinha não seria suficiente. Abandonada a própria sorte, voltaria a nos levar infalivelmente ao ser supremo, a deus, ao nada, como já o fez na história, como explicarei em breve. É preciso – continuando ainda na aplicação dessa faculdade de abstração, sem a qual não poderíamos nunca nos elevar de uma ordem de coisas inferior para uma ordem de coisas superior nem, portanto, compreender a hierarquia natural dos seres -, é necessário que nosso espírito se submirja ao mesmo tempo, com respeito e com amor, no estudo minucioso dos detalhes e do infinitamente pequeno, sem o qual não poderíamos conceber jamais a realidade vivente dos seres. É, portanto, unindo essas duas faculdades, esses dois atos do espírito em aparência tão contrários: a abstração e a análise escrupulosa, atenta e paciente dos detalhes, como podemos elevar-nos à concepção real de nosso mundo. É evidente que se nosso sentimento e nosso imaginação podem dar-nos apenas uma imagem, uma representação mais ou menos falsa deste mundo, só a ciência poderá nos dar uma idéia clara e precisa.

                Qual é então essa curiosidade imperiosa que impulsiona o Homem a reconhecer o mundo a sua volta, a perseguir com uma incansável paixão os segredos dessa natureza da qual ele mesmo é, sobre esta Terra, a última e a mais perfeita criação? Esta curiosidade, é um simples luxo, um agradável passatempo, ou uma das principais necessidades inerentes ao seu ser? Não vacilo em dizer que de todas as necessidades que constituem a natureza do Homem, essa é a mais humana, e que o Homem não se distingue efetivamente dos animais das demais espécies senão por essa necessidade insaciável de saber, que não é realmente e completamente Homem senão pelo despertar e pela satisfação progressiva dessa imensa necessidade de saber. Para realizar-se na plenitude de seu ser, o Homem deve reconhecer-se, e nunca se conhecerá de uma maneira completa e real enquanto não tenha reconhecido a natureza a sua volta e da qual é produto. Portanto, ao contrário de renunciar sua humanidade, o Homem deve saber, deve pensar com seu pensamento todo o mundo real, e sem esperança de chegar nunca ao fundo, deve aprofundar mais e mais a coordenação e as leis, por que sua humanidade não existe senão a esse preço. Lhe é preciso reconhecer todas as regiões inferiores, anteriores e contemporâneas ao mesmo tempo, todas as evoluções mecânicas, físicas, químicas, geológicas, vegetais e animais, ou seja, todas as causa e todas as condições de seu próprio nascimento, de sua própria existência e de seu desenvolvimento, a fim de que possa compreender sua própria natureza e sua missão sobre a Terra, sua pátria e seu teatro único; a fim de que neste mundo da cega fatalidade, possa inaugurar seu mundo humano, o mundo da liberdade.

                Tal é a tarefa do Homem: é inesgotável, é infinita e suficiente para satisfazer os espíritos e os corações mais orgulhosos e mais ambiciosos. Ser fugaz e imperceptível, perdido no meio do oceano sem bordas da transformação universal, com uma eternidade ignorada atrás de si, e uma eternidade imensa ante ele, o Homem que pensa, o Homem ativo, o Homem consciente de seu destino humano, permanece calmo e orgulhoso no sentimento de sua liberdade, que conquista emancipando-se por si mesmo mediante o Trabalho, mediante a Ciência, e emancipando, rebelando ao seu redor, em caso de necessidade, todos os Homens, seus semelhantes, seus irmãos. Se lhe perguntais depois disso seu intimo pensamento, sua última palavra sobre a unidade real do universo, vos dirá que é a eterna transformação, um movimento infinitamente detalhado, diversificado, e por causa disso mesmo, ordenado em si mesmo, mas sem começo, nem limite nem fim. É, portanto, o caminho inverso da providência: a negação de Deus.

                Compreende-se que no universo assim entendido, não pode-se falar sobre idéias anteriores, nem de leis preconcebidas e preordenadas. As idéias, inclusive a de deus, não existem na Terra apenas sendo produzidas pelo cérebro. Se vê, portanto, que surge muito mais tarde que os fatos naturais, muito mais tarde que as leis que governam esses fatos. São justas quando são conforme essas leis, falsas quando lhe são contrárias. As leis da natureza, não se manifestam sob essa forma ideal ou abstrata de lei, senão pela inteligência humana, quando reproduzidas pelo cérebro, com base em observações mais ou menos exatas das coisas, dos fenômenos e da sucessão dos fatos, tomam essa forma de idéias humanas quase espontâneas. Anteriormente ao nascimento do pensamento humano, não são reconhecidas como leis, por ninguém, e não existem senão no estado de processos reais da natureza, processos que, como acabou de dizer-lhe mais acima, estão sempre determinados por um concurso indefinido de condições particulares, de influencias e de causas que se repetem regularmente. Essa palavra natureza, exclui como conseqüência, toda idéia mística ou metafísica de substancia, de causa final ou de criação providencial combinada e dirigida.

                Mas desde que existe uma ordem na natureza, deve ter havido necessariamente um organizador, se dirá. De modo nenhum. Um organizador, ainda que fosse um Deus, não poderia senão prejudicar com sua arbitrariedade pessoal a ordem natural e o desenvolvimento lógico das coisas; e sabemos bem que a propriedade principal dos deuses de todas as religiões, é ser precisamente superiores, ou seja, contrários a toda lógica natural, e reconhecer apenas uma só lógica: a o absurdo e da iniqüidade. Por que, o que é a lógica senão o desenvolvimento natural das coisas, ou melhor, o processo natural pelo qual muitas causas determinantes, inerentes a essas coisas, produzem fatos novos? [3] Por conseguinte, me será permitido enunciar este axioma tão simples e ao mesmo tempo tão decisivo:

                Tudo o que é natural é lógico, e tudo o que é lógico ou se encontra já realizado, ou deverá realizar-se no mundo natural, inclusive o mundo social [4].

                Mas se as leis do muno natural e do mundo social [5] não foram criadas nem organizadas por ninguém, por que e como existem? O que lhes confere esse caráter invariável? Eis uma pergunta que não está em meu poder resolve-la e da qual, que eu saiba, ninguém encontrou e todavia nem encontrara jamais uma resposta. Engano-me: os teólogos e os metafísicos trataram de respondê-la pela suposição de uma causa primeira e suprema, de uma divindade criadora dos mundos, ou ao menos, como dizem os metafísicos panteístas, por uma alma divida ou de um pensamento absoluto aprisionado no universoque se manifesta pelo movimento e a vida de todos os seres que nascem e morrem em seu seio. Nenhuma destas suposições suporta a menor crítica. Tem sido fácil para mim provar que idéia de um deus criador das leis naturais e sociais continha em si a negação completa destas leis, fazia com que sua própria existência, quer dizer, sua realização e sua eficácia, impossível; que um deus organizador desse mundo devia produzir nele necessariamente a anarquia [6], o caos; e consequentemente, de duas coisas uma, ou deus não existe, ou as leis naturais não existem; e como sabemos de uma maneira segura, pela experiência de cada dia e pela ciência, que não é outra coisa senão a experiência sistematizada dos séculos, que essas leis existem, portanto, devemos concluir que deus não existe.

                Aprofundando o sentido destas palavras: leis naturais, voltaremos, pois, a encontrar que excluem de uma maneira absoluta a idéia e a própria possibilidade de um criador, de um organizador e de um legislador, por que a idéia de um legislador exclui por sua vez, de uma maneira também absoluta, a inerência das leis nas coisas, e desde o momento que uma lei não é inerente as coisas que governa, é necessariamente, em relação a essas coisas, uma lei arbitrária, quer dizer, fundada não em sua própria natureza, senão no pensamento e na vontade do legislador. Como conseqüência, todas as leis que emanam de um legislador, seja humano, seja divino, seja individual, seja coletivo, e ainda que fosse nomeado pelo sufrágio universal, são leis despóticas, necessariamente estranhas e hostis aos homens e as coisas que devem dirigir: não são leis, senão decretos aos que as obedecem, não por necessidade interior e por tendência natural, senão por que está sendo obrigado a fazer-lo por uma força exterior, divina ou humana; decretos arbitrários que a hipocrisia social, mais inconsciente do que conscientemente, da arbitrariamente o nome de lei.

                Uma lei não é realmente uma lei natural somente quando é absolutamente inerente às coisas que se manifestam a nosso espírito; somente é uma lei natural quando constitui sua propriedade, sua própria natureza mais ou menos determinada, e não a natureza universal e abstrata de não sei qual substancia divina ou de um pensamento absoluto; substancia e pensamento estes necessariamente extra-terrestres, sobrenaturais e ilógicos, por que se não fossem, se aniquilariam na realidade e na lógica natural das coisas. As leis naturais são os processos naturais e reais, mais ou menos particulares, pelos quais existem todas as coisas. Portanto, aquele que queira compreender-las deve renunciar de uma vez por todas ao deus pessoal dos teólogos e a divindade impessoal dos metafísicos.

                Mas o fato de que podemos negar com precisão total, a existência de umlegislador divinonão se segue que podemos perceber como foramestabelecidas as leis naturais e sociais no mundo. Existem, são inseparáveis do mundo real, desse conjunto de coisas e de fatos do qual nós mesmos somos produtos, os efeitos, exceto no caso de nós nos tornar-mos causas – relativas – de seres, de coisas e de fatos novos. Eis tudo o que sabemos e que, penso eu, tudo o que podemos saber. Por outro lado, como poderíamos encontrar a “causa primeira”, uma vez que ela não existe? Já que o que chamamos causalidade universal não é mais que uma resultante de todas as causas particulares que atuam no universo. Perguntar por que existem leis naturais, não equivaleria a perguntar por que existe o universo – fora do qual nada existe - , por que existe o ser? Isto é um absurdo.


                Notas de O sistema do mundo.

                (1) Como todo indivíduo humano, em cada instante dado de sua vida, não é mais que a resultante de todas as causas que tem atuado em seu nascimento e também antes de seu nascimento, combinadas com todas as condições de seu desenvolvimento posterior, tanto como com todas as circunstancias que atuam nele neste momento atual.

                (2) Falo, naturalmente, do espírito, da vontade e dos sentimentos que conhecemos, dos únicos que podemos conhecer: dos animais e do Homem do qual é, de todos o animais da Terra, é – desde o ponto de vista geral, não de cada faculdade tomada separadamente – sem dúvida o mais perfeito. Quanto ao espírito, a vontade e os sentimento extra-humanos e extra-terrestres do ser de que nos falam os teólogos e os metafísicos, devo confessar minha ignorância, por que nunca os encontrei e ninguém, que eu saiba, já teve relações diretas com eles. Mas se julgamos de acordo ao que nos dizem esses senhores, esse espírito é de tal modo incoerente e estúpido, essa vontade e esses sentimentos são de tal modo perversos, que não vale a pena ocupar-se deles somente para constatar todo o mal que fizeram sobre a Terra. Para provar a ação absoluta e direta das leis mecânicas, físicas e químicas, sobre as faculdades ideais do Homem, me contentarei com levantar essa pergunta: O que seria das mais sublimes combinações da inteligência se, desde o momento que Homem as concebe, se apenas o ar que se respira se descompô-se, ou se o movimento da Terra se detivesse, ou se o Homem se visse envolto inesperadamente em uma temperatura de 60 graus acima ou abaixo de zero?

                (3) Dizer que deus não é contrário a lógica, é afirmar que, em toda a extensão de seu ser, é completamente lógico; que não contem nada que esteja por cima, ou o que quer dizer o mesmo, fora da lógica: que, por conseqüência, ele mesmo não é nada mais que a lógica , nada mais que essa corrente ou esse desenvolvimento natural das coisas reais; ou seja, que deus não existe. A existência de deus não pode, pois, ter outro significado que o da negação das leis naturais; aonde resulta este dilema inevitável: Deus existe, por tanto não existem leis naturais, não existe ordem na natureza, o mundo é um caos, ou então: O mundo está ordenado por si mesmo, por tanto, deus não existe.

                (4) Não significa de nenhum modo, que tudo o que é lógico ou natural seja desde o ponto de vista humano, necesariamente útil,bom ou justo. As grandes catástrofes naturais; os terremotos na terra, as erupções vulcânicas, as inundações, as tempestades, as doenças epidêmicas, que devastam e destroem cidades e populações inteiras, são certamente fatos naturais produzidos logicamente por uma gama de causas naturais, mas ninguém dirá que são benéficas para a humanidade. O mesmo acontece com os fatos que se produzem na história: as mais horríveis instituições chamadas divinas e humanas; todos os crimes passados e presentes dos chefes, desses supostos benfeitores e tutores de nossa pobre espécie humana, e a mais desesperante estupidez dos povos que aceitam o seu julgo; as infâmias atuais dos Napoleões III, dos Bismarcks, de Alexandre II e tantos outros soberanos ou políticos e militares da Europa e a covardia incrível dessa burguesia de todos os países que os incentiva, os sustenta, ainda que odiando-os desde o fundo do seu coração; tudo isso nos mostra uma série de fatos naturais produzidos por causas naturais, e por conseqüência muito lógicas, o que não as impede de ser excessivamente funestas para a humanidade.

                (5) Sigo o uso estabelecido, separando de certo modo o mundo social do mundo natural. É evidente que a sociedade humana, considerada em toda a extensão e em toda a amplitude de seu desenvolvimento histórico, é tão natural e está tão completamente subordinada a todas as leis da história, como o mundo animal e vegetal, por exemplo, da qual é a última e a mais alta expressão sobre a Terra.

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                    Bakunin por Bakunin (cartas)

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                      O sistema capitalista (1870)



                      Este panfleto é um excerto do ensaio O Império Knuto-Germânico e a Revolução Social (1870), e está incluído em The Complete Works of Michael Bakunin [As Obras Completas de Mikhail Bakunin] com o título de “Fragment” [“Fragmento”].
                      O Sistema Capitalista - Mikhail Bakunin
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                        Algumas palavras aos meus jovens irmãos da Rússia (1869)


                        Introdução
                         Notas sobre Bakunin e a prática de “Ir ao Povo”


                        No excelente prólogo que o historiador Max Nettlau escreveu ao livro “Estatismo e Anarquia” publicado na edição francesa das Obras Completas de Bakunin se lê:

                        “Durante os três meses de 1872 houve a redor de Bakunin uma vida intensa, inspirou abnegação a muitos jovens, homens e mulheres, que logo se lançaram de corpo e alma a difícil propaganda popular na Rússia; que “foram ao povo” e que quase todos e todas, depois de algumas semanas, meses, ou raramente anos de agitação, caíram nas prisões para anos de calabouço preventivo e, depois do processo, por dezenas de anos na Sibéria. Ross, um dos últimos, caiu também, no começo de 1876; foram aproximadamente 25 anos para livrar-se de novo da Sibéria e do internamento em províncias, para voltar de novo ao ocidente alguns anos mai tarde; no atual momento, já octogenário, ainda vive, assim como também Z. Ralli.” [1]

                        A esta juventude, a estes valentes e sinceros lutadores, aos primeiros homens e mulheres combatentes anarquistas, foi escrita a carta “Algumas palavras aos meus jovens irmãos da Rússia” no ano de 1869.

                        Para Bakunin a tarefa da juventude consistia em situar-se na vanguarda das lutas do proletariado e dos camponeses. Para isso, era necessário que os jovens, com certo nível de politização, provenientes em sua maioria dos setores médios, assumissem a tarefa de servir como vanguarda do movimento popular de libertação.

                        Citando o apêndice A da primeira edição de “Estatismo e Anarquia” em 1873 de Bakunin, aponta Nettlau:

                        O que pode fazer o nosso proletariado intelectual, a juventude revolucionária-socialista russa, íntegra, sincera e devotada ao extremo? Ela deve sem dúvida ir ao povo (idti y narod), porque, hoje, em todo o mundo, mas sobretudo na Rússia, fora do povo, fora dos milhões e milhões de proletários, não há mais, nem existência, nem causa, nem futuro. Mas como e com que objetivos ir o povo?"[2]

                        Ir ao povo implica atuar desde o povo, com ele e por ele. Contrária as posições de Lavrov ou de Marx, que preconizavam a educação do povo através dos mestres ou a sujeição do povo a política do partido composto por intelectuais e pequeno-burgueses afastados da realidade do proletariado e dos camponeses, Bakunin sustentou sempre a necessidade de fundir-se na vida popular, de ser povo e através desse pertencimento, dessa constatação da realidade, receber do povo força elementar e o seu fundamento, mas em troca disso, lhes fornecer os conhecimentos positivos, o hábito da abstração e generalização e a capacidade de organizar e construir sindicatos que, por sua vez, criam uma força criativa consciente sem a qual toda vitória é impossível. [3]

                        A tarefa dos revolucionários não é “dialogar” ou “doutrinar” o povo trabalhador, nem muito menos “ajudar a desenvolver um pensamento revolucionário”, pelo contrário, longe destas pretensões claramente dirigistas e/ou idealistas e pequeno-burguesas, os revolucionários devem lutar para constituir-se na vanguarda consciente do proletariado, e para isso é preciso ser proletário, é preciso, acima de tudo, abraçar o Anarquismo Revolucionário e a luta pela Liberdade e pelo Socialismo. 

                        “É preciso associar os melhores camponeses entre si e com os melhores operários das fábricas. É preciso instruir-lhes sobre o caráter geral da miséria na Rússia, sobre as forças elementares do povo, sobre a falta de coesão popular. Um periódico, incluindo notícias orais lhe informariam sobre as revoltas locais e sobre os movimentos revolucionários do ocidente. O povo deve ver a juventude em seu seio, trabalhando, na vanguarda de cada rebelião, consagrando-se a morrer na luta. A juventude deve trabalhar segundo um plano bem refletido e submetendo-se a mais forte disciplina para produzir essa unanimidade sem a qual não pode existir vitória. Deve educar ela mesma e educar ao povo não só para a resistência desesperada, como também para o ataques ousado. O proletariado não tem para si outra via de ação sem ser esta.” [4]

                        Depois de dezenas de anos que se escreveu estas palavras, Ir ao Povo, ainda continuam com plena vigência. A opressão brutal do proletariado e dos camponeses sob a bota do Csar e dos proprietários de terra perdura ainda atualmente sobre o conjunto dos explorados e oprimidos através da Ditadura do Capital/Imperialismo.

                        Este caminho apontado a quase 130 anos foi uma via traçada para a juventude revolucionária russa por Bakunin (e que) foi seguida pelos melhores, uma verdadeira elite de abnegação, homens e mulheres.”[5] Esta elite revolucionária é a que nós anarquistas revolucionários justamente lutamos para reconstruir em pleno século XXI.

                        Seguir o glorioso exemplo de Bakunin e de inumeráveis combatentes da classe operária e do povo oprimido através dos anos é a tarefa do momento.

                        IR AO POVO!
                        Abraçar o Anarquismo Revolucionário para alcançar a vitória!

                        Organização Popular Anarquista Revolucionária
                        Julho de 2008  

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                         Algumas palavras aos meus jovens irmãos da Rússia
                        (1869)


                        Levantaram de novo. Então, não conseguiram enterrar-vos. Esse espírito destrutivo do Estado que os encoraja, não é uma conseqüência do produto efêmero de uma exaltação juvenil, senão a expressão de uma necessidade vital e de uma paixão real, que surge das profundezas da vida popular.

                        Se vossas tendências revolucionárias não passassem de uma doença superficial, passageira, a simples ardência de uma vaidade juvenil, os meios heróicos que nosso governo tem empregado para destruir-vos, haver-se-ia já alcançado êxito a muito tempo. Faz muito tempo que vocês, renunciando a perigosa mania de pensar, rejeitando a tudo o que é humano no homem, haveriam se transformado em seres mais embrutecidos, entre a multidão de seres embrutecidos, oficiais e condecorados, que roubam o povo e devoram o país. Teriam merecido a indicação compatriota <>.

                        Apesar da sua tenra idade, a juventude culta e desclasada[6] da Rússia suportou uma série de tempestades. Em meus tempos, sob o regime ingenuamente despótico do imperador Nicolás seria preciso mais de vinte anos para passar pela metade das provas que vocês suportaram durantes estes oito ou nove anos. 

                        Após os incêndios de 1861, durante e depois da insurreição polaca e, sobre tudo, depois do ato executado por Karakosov, o bom imperador Alexandre não poupou esforços para completar vossa educação política. 

                        Animado, excitado por toda nossa literatura patriótica, pelos eslavófilos e pan-eslavistas, assim como pelos partidários da civilização burguesa do ocidente, por nossos fazendeiros e nossos liberais, utilizaram amplamente contra vocês de todos os meios que lhes foi legado pelos tártaros [7] e que, com o tempo, tem sido aperfeiçoada pela ciência burocrática dos alemães: espancamentos, torturas, enforcamento e morte por fome, cadeia perpétua, exílio em massa e trabalhos forçados, utilizando todos os meios disponíveis para medir vossas forças, vossa teimosia e vossa fé na causa do povo.

                        Nada os desmoralizou, vocês se mantiveram de pé: são fortes. Muitos de vossos camaradas morreram. Mas, por cada vítima enterrada, dez novos combatentes emergiram da terra... Aproxima-se o fim desse infame Império de todas as Rússias. De onde encontrais vossa força e vossa fé? Uma fé sem Deus, uma força sem esperança e objetivos pessoais! Onde encontrais essa capacidade de reduzir a nada, conscientemente, toda sua vida para enfrentar a tortura e a morte, sem vaidade ou retórica? Onde está a origem dessa idéia cruel de destruição e essa determinação friamente apaixonada perante a qual se põem um fim as energias e se gela todo o sangue de nossos inimigos?

                        Nossa literatura oficial e oficiosa, que pretende expressar o pensamento do povo russo, ficou completamente desmoralizada perante vocês. Eles não entendem nada.

                        Se vocês fossem servos fiéis ao imperador e ao Estado, espiões, carrascos, ladrões particulares ou públicos com ou sem direito a violência, canalhas inteligentes, liberais servis, assassinos de camponeses e polacos, se tivessem matado milhares ou dezenas de milhares de seres humanos, esta literatura teria os compreendido e anistiado, e se vocês tivessem os poucos meios e a vontade para provar sua resignação aos editores dos jornais, vos declarariam salvadores do Império, tal como fizeram com Muraviev o Carrasco.   

                        Tudo é coisa normal na civilização bizantino-tártaro e germano-burocrática de nosso Estado; tudo isso não entra em contradição com o patriotismo oficial e oficioso do Império de todas as Rússias.

                        Se vocês fossem uma juventude idealista, doutrinária ou sentimental; entretida em sonhar com a ciência e com a arte. Com a liberdade e a humanidade somente em teorias, em conversas ou em livros, eles os perdoariam, levando em conta que os dignos veteranos dessa velha literatura também já tiveram seus tempos de juventude. Eles também sonharam quando eram só estudantes.

                        Entusiasmados com as belas teorias, também prometeram dedicar suas vidas ao culto do ideal, aos atos nobres, a serviço da liberdade e da humanidade.

                        Mais tarde entrou em jogo a experiência, uma experiência adquirida no mundo mais desprezível que se possa imaginar, e sob a influência desse mundo se converteram no que são hoje, uns canalhas. Mas relembram com ternura os dias de sua juventude e perdoariam vocês, especialmente quando estivessem convencidos que, com a mesma experiência e sob a influência da mesma realidade, vocês iriam em breve superar sua maldade.

                        O que eles nunca perdoarão é que vocês não querem ser nem ladrões nem sonhadores. Vocês desprezam tanto esse mundo odioso, cuja realidade o oprime, como o mundo ideal que até os tempos atuais tem servido de refúgio para as “almas puras” contra o despotismo da realidade. Aqui está o que aterroriza nossa literatura “patriótica”. Não sabem o que vocês querem, nem aonde vão.

                        Em seu desespero, o Sr. editores de jornais em São Petersburgo e Moscou encontraram uma saída. Decidiram unanimemente que o movimento atual da juventude russa tem sua origem em intrigas polacas. Não poderíamos imaginar algo mais covarde nem mais estúpido.

                        Não é uma cruel e desprezível covardia estimular o carrasco contra a vítima que está sendo torturada? E, além disso, tem que ser realmente estúpido para não compreender o abismo que separa o programa da grande maioria dos patriotas polacos do programa de nossa juventude, representante da idéia socialista e revolucionária do povo russo.

                        Entre a maioria dos patriotas polacos e nós não há nada em comum, a não ser um único sentimento e meta: o ódio contra o Império de todas as Rússias, e a firme vontade de destruir-lo por todos os meios e com a máxima rapidez.

                        Esse é o único ponto que estamos de acordo. Mais um passo e entre os dois se abre o abismo: nós queremos a abolição definitiva de tudo o que constitui o Estado, tanto na Rússia como fora da Rússia; quanto aos polacos só estão trabalhando pela reconstrução do seu Estado histórico.

                        Em nossa opinião, o sonho dos polacos não é bom. Como todo Estado, por mais liberais e democráticos que sejam suas formas, esmaga as massas populares que trabalham, em benefício de uma minoria que não trabalha.

                        Os polacos sonham com o impossível, por que no futuro os Estado não se reconstruirão, e sim cairão. Sem saber disso, nem querer-lo, sonham com uma nova escravidão de seu povo e se conseguissem realizar esse sonho, não pela força popular, que não se prestaria a isso, senão com a ajuda das baionetas estrangeiras, se converterão tanto em nossos inimigos como opressores do seu próprio povo.

                         Então, os converteremos em nome da revolução social e da liberdade de todo o mundo. Mas até esse ponto somos seus amigos e devemos ajudar-lhes, por que sua causa, a de destruição do Império de todas as Rússias, é também nossa causa.

                        Para os povos russos e não-russos presos hoje no Império de todas as Rússias, não existe inimigo mais perigoso e mais mortal que o próprio império.

                        Os patriotas polacos nunca entenderam, e por isso que sua influência sobre o movimento revolucionário da Rússia foi sempre nula. É uma lástima, pois existiriam vantagens evidentes tanto para eles como para nós merecer realmente a difamação da imprensa russa e ambos deveríamos conviver bem, ainda que seja apenas o primeiro ato que se anuncia da tragédia eslava; O que não nos impediria de separar-nos e inclusive de combater-vos nos três atos seguintes, à custa de reconciliarmos no quinto.

                        Não, não é a influência das intrigas polacas; é uma força de dimensões gigantescas que levanta e agita a juventude russa: o despertar da vida popular.

                        O reinado atual apresenta uma enorme semelhança com o reinado do csar Alexis, pai de Pedro o Grande, que apesar de sua imagem de bonachão, saqueou e destruiu o povo, para a maior glória do Estado e em proveito dos nobres e burocratas, assim como faz hoje o suposto emancipador dos camponeses, o excelente imperador Alexandro II.

                        Naquele momento, como agora, o infeliz povo, esmagado, torturado, levado a miséria suprema e dizimado pela fome, abandonou as aldeias e refugiou-se nas florestas. Hoje, como naquele momento, toda essa imensa população, finalmente tomando consciência da fraude imperial, se agita, esperando sua emancipação apenas pelos de baixo, pela via que lhe indicou, a exatos dois séculos, seu herói Stenka Razin[8].

                        Se sente que se aproxima um encontro sangrento, de uma última luta até a morte entre a Rússia popular e o Estado.

                        Quem triunfará desta vez? O povo sem dúvida nenhuma. Steka Razin era um herói, mas estava sozinho e acima de todos. Seu poder pessoal, realmente gigantesco, era, não obstante, insuficiente para resistir a força já em grande parte organizada do Estado. Morreu e todos morreram com ele. Agora as coisas serão diferentes. Não teremos provavelmente um herói tão poderoso e tão popular com Stenka Razin, que concentrou todas as forças das massas rebeldes em uma só pessoa. Mas será substituído por essa legião de jovens desclasados e anônimos que agora já se alimentam da vida popular e que permanecem extremamente unidos uns aos outros, pelo mesmo pensamento e a mesma paixão, e por um objetivo comum.

                        A garantia do triunfo popular reside na união da juventude com o povo.

                        Essa juventude só é invulnerável e forte porque sustenta seu pensamento e sua vontade implacável na paixão popular. Não busca seu próprio triunfo, senão o triunfo do povo. Tem atrás de si Stenka Razin. Não a pessoa do herói, senão o coletivo, e por isso mesmo invencível. Será toda essa magnífica juventude sobre a qual já planeja seu espírito.

                        Esse é o verdadeiro sentido do movimento atual, em aparência bastante inocente, e que apesar desse aspecto de inocência, alimenta-se do desgosto a todo nosso mundo oficial, oficioso e patrioticamente literário.

                        Amigos! Abandonem o quanto antes esse mundo condenado a destruição! Abandonem essas universidades, essas academias, essas escolas que agora os expulsam, elas nunca fizeram outra coisa que afastá-los do povo. Vão ao povo. É nele que deve estar sua carreira, sua vida e sua ciência. Aprenda em meio a essas massas com as mãos calejadas pelo trabalho como deveis servir a causa do povo. E lembre-se bem, irmãos, que a juventude culta não deve ser nem o amo, nem o protetor, nem o benfeitor, nem o ditador do povo, senão a vanguarda de sua emancipação espontânea, o coordenador e organizador dos seus esforços e de todas as forças populares.

                        Não se preocupem nesse momento em nome da qual se pretenderia vincular, confundindo-se. Esta ciência oficial deve perecer com o mundo do qual é expressão e ao qual serve; em seu lugar, uma ciência nova, racional e viva, surgirá depois da vitória do povo, exatamente das profundezas da vida popular liberada de suas cadeias.

                        Tal é a fé dos melhores homens do Ocidente, onde, assim como na Rússia, o velho mundo dos Estados fundados na religião, na metafísica, na jurisprudência, em uma palavra, na civilização burguesa, com seu complemento indispensável: o direito da propriedade privada hereditária e da família jurídica entra em colapso, se preparando para deixar seu posto ao mundo internacional e livremente organizado dos trabalhadores.

                        Mentem aqueles que dizem que a Europa encontra-se mergulhado em um sono profundo. Bem ao contrário, a Europa desperta, e só podem ser verdadeiramente surdo e cego para não dar-se conta da iminência de uma luta suprema.

                        Ao se organizar para esta luta e dar as mãos para além das fronteiras de todos os Estados, o mundo dos trabalhadores da Europa e da América os chama para uma fraternal aliança.

                        Genebra, maio de 1869.

                        Miguel Bakunin

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                        Notas:

                        [1] Mijail A. Bakunin. Estatismo y Anarquía. Ed. Folio. Pág 23-24
                        [2] Idem pág 26
                        [3] Idem pag 46
                        [4] Idem pág 26
                        [5] Ibid
                        [6] Nota do Tradutor. Desclasado: No original em espanhol. Adj. Que já não pertence à classe social, geralmente alta, da qual provem.

                        [7] Nota o Tradutor. Há dois principais grupos vinculados aos povos tártaros, os do Volga e os de Crimeia, com duas línguas diferentes. No século XIII os tártaros entraram na Europa com as hordas de Gengis Khan. Nos séculos XV e XVI o janato de Kazán teve grande importância comercial e econômica, por sua vez fomentou a islamização das margens do Volga.

                        [8] Para explicar a gigantesca figura de Stenka Razin e o segredo de sua imensa popularidade seria necessário, em primeiro lugar, dar uma idéia da situação em que se encontrava o povo russo no século XVII.

                        Até fins do século XVI, esse povo foi livre, e só na última década deste século os camponeses, que até então haviam conservado sua liberdade de movimento, se converteram em servos da gleba.

                        A idéia tradicional, e que constitui ainda hoje o essencial da consciência popular na Rússia, é que toda a terra pertence ao povo. A outra idéia, tão antiga como a anterior, é que o povo deve administrar seus próprios assuntos a partir das resoluções das assembléias comunais, da qual fazem parte todos os chefes de família.

                        Estas duas idéias se encontram tão profundamente arraigadas na consciência do povo russo que, a pesar de sofrer três séculos de escravidão, as conserva intactas ainda hoje. Serão a mesma base de sua próxima organização política.

                        O povo russo profundamente socialista por instinto, assim como por tradição, carece de educação política. Isso explica que, sendo livre antes, ainda pode ser jogado na escravidão.

                        Contrariamente ao que aconteceu no Ocidente, onde o poder monárquico se desenvolveu através de uma aliança da Coroa com o povo contra a nobreza proprietária, na Rússia tal poder se baseou na aliança da Coroa, da nobreza e do clero contra o povo. Isso explica também por que a nobreza e o clero russos se mantiveram sempre como escravos voluntários do Csar, e este, em recompensa, lhes garantia a escravidão dos camponeses, é por isso que o povo tem sido em todos os tempos, e continua sendo, o único sujeito revolucionário real e sério na Rússia.

                        As comunas se sublevaram em massa contra o poder do Csar, do clero, da nobreza e da burocracia moscovita, nos primeiros anos do século XVII, este foi reconstruído pela eleição livre de um czar novo, cujo filho o Csar Alexis (1645-1676), esquecendo de todas as promessas juradas pelo seu pai, enterrou o povo russo e os camponeses em uma escravidão que até então não tinham idéia.

                        Chegava na metade do reinado de Alexis quando explodiu a célebre revolta de Steka Razin. Stenka Razin era um homem notável pela sua inteligência e vontade. Era um homem de ferro, que desconhecia a piedade até para si mesmo, e obviamente para os demais. Era apenas um cossaco do Don. Seu pai havia sido enforcado pelo príncipe Dolgoruki, comandante de um exercito moscovita levantado contra a Polonia.

                        Stanka Razin fugiu ao Volga em 1667. Ali formou uma ... com a qual desceu de barco até o mar Caspio, pilhando as costas persas e regressando de novo ao Don, carregado os produtos roubados.

                        Em 1670, reapareceu no Volga e declarou guerra a morte a toda a nobreza, a burocracia e ao clero, proclamando a liberdade dos camponeses com plena posse da terra. Todo o povo, entre o Oka e o Volga, se uniu a ele, matando todos os nobres, os funcionários do Csar e os padres. Em pouco tempo, Stenka Razin havia conquistado Astraján, Tsaritsin, Saratov. Seu procedimento era muito simples: Todo aquele que não pertencia ao povo era executado, deixando ao povo a tarefa de expropriar a terra e organizar-se por si mesmo. Em qualquer lugar que Stenka Razin ocupasse, a comuna livre dos camponeses em posse da terra se levantava e se organizava.

                        Depois que Steka Razin vencia as tropas regulares, sua primeira preocupação consistia em matar todos os oficiais, usando de seu próprios soldados, advertindo estes que não declarava guerra contra eles, que eram livres para unir-se a ele ou ir embora. Mas se escolhiam ir embora, ele os perseguia e matava.

                        Onde quer que fosse, antes de qualquer coisa queimava todas as atas, todos os papeis do Csar, mas, segundo vimos, não isentava os homens do castigo. De forma alguma era religioso, e quando lhe censuravam por que matavam os padres, lhes respondia: “O que? Você precisa de um padre? Quer se casar?  Pois passais três vezes em volta de uma árvores e o assunto está encerrado”. No sentido inverso, foi um poeta, e escreveu grandes canções sobre bandidos que ainda se cantam no Volga e em toda a Rússia. O fizeram prisioneiro em 1671 e foi conduzido a Moscou, onde o povo lhe esperava como um libertador, e depois de ser torturado, foi decapitado. Em meio as mais terríveis torturas, não proferiu nenhum gemido. 

                        Este ainda é o melhor herói da lenda popular. O povo russo, supersticioso mas não religioso, e supersticioso unicamente quando a superstição coincide com seus desejos, espera o seu retorno em 1870.
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                          República Francesa, Federação revolucionária das comunas (1870)


                          Introdução

                          O conteúdo desse cartaz foi recuperado por Max Nettlau em seu excelente prólogo ao tomo I das Obras Completas de Bakunin em sua edição francesa. Nós a reproduzimos como preâmbulo da Carta à Esquiros com o propósito de que suas proclamações, mas sobretudo o seu significado sejam valorizados pelos revolucionários de hoje em dia, além de servir para ser para completar com o que já é indicado na Carta  à Esquiros.

                          O valor do chamado às armas varre com todas as especulações e mentiras difundidas pelos defensores o Estado, brancos e vermelhos, sobre a condição de intelectual do próprio Bakunin. Mas o propósito central dessa reprodução é introduzir estes documentos ao debate, com o fim de constatar as tarefas e os métodos dos revolucionários a luz de um conflito entre uma nação rendida, como era o caso da França, e uma potência militar e comercial, a Prússia.

                          Bakunin apela a necessidade de explorar os sentimentos naturais e lógicos de uma população que se vê ameaçada perante um invasor estrangeiro. Seria um nacionalismo francês em Bakunin? De forma alguma. Só basta recordarmos que a Liga da Paz e da Liberdade, e inclusive as seções latinas da Associação Internacional dos Trabalhadores, se opuseram a avançada imperialista da França e da casa de Habsburgo durante a intervenção no México [1], que Bakunin também defendeu.

                          Longe do patriotismo proveniente da burguesia, Bakunin sempre denfendeu a idéia de defender a justeza dos sentimentos nacionais das massas exploradas e oprimidas, entendendo sempre que estes eram produto de sua ida diária, e por tanto sinceros, demonstrando que é o Capital que não consegue sentir afeto pelo seu lugar de nascimento. 

                          OPAR - Organização Popular Anarquista Revolucionária. Algumas palavras de introdução da Carta à Esquiros (1870) de Mikhail Bakunin.


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                          República Francesa,
                          Federação revolucionária das comunas

                          A situação desastrosa em que se encontra o país; a impotência dos poderes oficiais e a indiferença das classes privilegiadas,  colocaram a nação francesa na borda do abismo.

                          Se o povo organizado revolucionariamente não atuar logo, seu futuro está perdido, a revolução está perdida, tudo estará perdido. Inspirando-se na imensidão do perigo, e considerando que a ação desesperada do povo não poderá ser adiada nem mais um instante, os delegados dos comitês federados da salvação da França, reunidos em seu Comitê Central, propõem adotar imediatamente as seguintes resoluções:

                          ARTIGO PRIMEIRO.  A máquina administrativa e governamental do Estado, agora impotente, está abolida. O povo da França está em posse de si mesmo.

                          ARTIGO 2. Todos os tribunais criminais e civis ficam suspendidos e substituídos pela justiça do povo.

                          ARTIGO 3. Os pagamentos do imposto e das hipotecas estão suspensos. O imposto fica substituído pelas Contribuições das comunas federadas, abatidas sobre as classes ricas, proporcionalmente as necessidades da salvação da França.

                          ARTIGO 4. O Estado, estando abolido, já não poderá intervir, no pagamento das dívidas privadas.

                          ARTIGO 5. Todas as organizações municipais existentes são substituidas em todas as comunas federadas por Comitês de salvação da França, que exercerão todos os poderes sobre o controle imediato do povo.  

                          ARTIGO 6. Cada comitê chefe de departamento enviará dois delegados para formar a convenção revolucionária de salvação da França.

                          ARTIGO 7. Esta Convenção se reunirá imediatamente no Município de Lyon, como a segunda cidade da França e a mai capaz de promover energicamente a salvação do país. 

                          Esta Convenção, apoiada pelo povo intero, salvará a França.
                          Às armas!

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                            Carta a Esquiros (outubro, 1870)


                            Algumas palavras de introdução

                            A seguinte carta de Bakunin – a pesar de ser pouco conhecida pela maioria da esquerda anti-capitalista -  dá conta, em planos gerais, de qual era a inspiração que orientava seu pensamento e ação no contexto da guerra franco-prussiana.

                            Bakunin e alguns de seus amigos, no dia 28 de setembro de 1870, no Município de Lyon, através da formação do Comitê para a Salvação da França, inspirado pelo russo, estabelecem ao proletariado lionês a dissolução do Estado como condição sine qua non para uma verdadeira defesa da França ante a invasão prussiana.

                            Para isso, Bakunin e os membros do Comitê colocaram por toda a cidade e seus arredores cartazes vermelhos com a proclamação inssurreicional para um levante camponês e operário como única via para a salvação da França.


                            O conteúdo desse cartaz foi recuperado por Max Nettlau em seu excelente prólogo ao tomo I das Obras Completas de Bakunin em sua edição francesa. Nós a reproduzimos como preâmbulo da Carta a Esquiros com o propósito de que suas proclamações, mas sobretudo o seu significado sejam valorizados pelos revolucionários de hoje em dia, além de servir para ser para completar com o que já é indicado na Carta a Esquiros.

                            O valor do chamado às armas varre com todas as especulações e mentiras difundidas pelos defensores o Estado, brancos e vermelhos, sobre a condição de intelectual do próprio Bakunin. Mas o propósito central dessa reprodução é introduzir estes documentos ao debate, com o fim de constatar as tarefas e os métodos dos revolucionários a luz de um conflito entre uma nação rendida, como era o caso da França, e uma potencia militar e comercial, a Prússia.

                            Bakunin apela a necessidade de explorar os sentimentos naturais e lógicos de uma população que se vê ameaçada perante um invasor estrangeiro. Seria um nacionalismo francês em Bakunin? De forma alguma. Só basta recordarmos que a Liga da Paz e da Liberdade, e inclusive as seções latinas da Associação Internacional dos Trabalhadores, se opuseram a avançada imperialista da França e da casa de Habsburgo durante a intervenção no México [1], que Bakunin também defendeu.  

                            Longe do patriotismo proveniente da burguesia, Bakunin sempre denfendeu a idéia de defender a justeza dos sentimentos nacionais das massas exploradas e oprimidas, entendendo sempre que estes eram produto de sua ida diária, e por tanto sinceros, demonstrando que é o Capital que não consegue sentir afeto pelo seu lugar de nascimento.

                            A força das nações oprimidas, sua potencialidade revolucionária, é precisamente a essência do manifesto insurrecional do Comitê para a Salvação da França, e é exatamente isso que explica Bakunin ao cidadão Esquiros em sua carta de 20 de outubro de 1870.

                            O Império prussiano liderado por Bismark cercou a França com o propósito de impor a hegemonia do seu poder na Europa continental, em acordo prévio com a Rússia Csarista.

                            Na verdade, nessa época a Prússia era a maior potencia política, econômica e militar e os efeitos dessa dominação podia-se apreciar claramente no anti-pangermanismo eslavo e francês.

                            Bakunin, lutador incansável do proletariado, patriota de todas as pátrias oprimidas, não podia deixar de senti no mais profundo de suas convicções, um implacável sentimnto de indignação com a pilhagem germânica e de solidariedade com os povos oprimidos.

                            Por essa razão, Bakunin desenvolve na última fase de sua vida uma grande luta pela libertação de diversas pátrias subjugadas, com a firme convicção de que só o proletariado ama verdadeiramente sua pátria e pode defender-la, e que a burguesia não defende nenhum interesse, muito menos a pátria, além daquele de preservar e acrescentar seu capital, e que a luta armada contra a opressão e o despotismo de Bismark e dos Csares mostraria aos camponeses e operários a única via possível para conquistar a liberdade, ou seja, a destruição do Estado e a expropriação violenta dos meios de produção como conseqüência lógica e inevitável da constatação de que estes dois são inimigos da libertação popular.

                            Apesar dos chamados do Comitê e das mobilizações do proletariado que responderam ao chamado, a burguesia republicana paralisou a ação espontânea das massas, em muitos lugares da França. Com o intuito de reestabelcimento geral da ordem, o procurador da republica Andriex envia a ordem de prender Bakunin, por meio de um mandato de comparecimento que pediu ao comandante da guarda republicana, Paul Gravard, para executar-lo.

                            Bakunin, conhecendo as intenções o poder central, se refugia nas redondezas de Marsella, aonde escreve o seguinte documento direcionado a um velho socialista moderado – que era administrador superior de Bouches-du-Rhone – Alphonse Esquiros, que simpatizava com Bakunin, que garantiu aos amigos deste que não iria prender-lo, mesmo que o governo central lhe mandasse.

                            Nessa carta Bakunin expõe de maneira concisa e clara as medidas que deviam ser adotadas naqueles momentos para a efetiva salvação da França; paralisada por conta da impotência, a covardia e estupidez manifesta dos burgueses republicanos do governo de Defesa Nacional: a organização revolucionária da ação espontânea das massas populares, com uma direção nacional emanada do seu próprio seio, quer dizer, por fora e se direcionando contra a podre e velha maquina estatal bonapartista francesa, subjugada e em clara colaboração com a reação prussiana.

                            Além disso, no mesmo documento,Bakunin defendeu a importância que tinha o proletariado europeu no difícil caminho que a humanidade faz ruma a humanidade, e de seu grande dever histórico como primeiro e último representante do homem explorado e oprimido desta terra.

                            Ainda sob a mira de calúnias – como as que caíram sobre ele pelo lado dos burgueses o governo de Defesa Nacional e que acusaram o russo de ser um agente prussiano -, e de uma perseguição implacável, Bakunin expôs de forma lúcida a tese central de seu pensamento e sua posição política nesse contexto histórico que, mantendo sua vigência na atualidade, com respeito a essência geral e imutável da burguesia que hoje chamamos de esquerda e sua mentirosa política conciliadora e entreguista perante o Império; que tantos prejuízos trás para a causa dos explorados e oprimidos, deve ser recordada por todos os revolucionários da atualidade.

                            Bakunin faz referencia ao seu folheto Cartas a um Francês sobre a crise atual. Este documento é sem dúvida um dos que melhor expõe as tese de Bakunin sobre a revolução proletária, o papel do campesinato, o papel dos partidos burgueses, etc.

                            Infelizmente este é um documento de difícil acesso, e por essa razão, buscamos que estes dois documentos aqui apresentados sirvam para esclarecer as concepções defendidas por Bakunin, a quem não as conhece.

                            Mas, além disso, buscamos que o leitor consiga confrontar estas teses a luz das circunstancias atuais aonde o Capital/Imperialismo mantêm em cheque os povos periféricos e semi-periféricos.

                            Estes documentos despertarão interesses especiais ao leitor latino americano, assim como a comparação, pendente e muito necessária, que apresenta a dinâmica imposta pelo imperialismo dos Estados Unidos em nossos povos com as ambições hegemônicas da Prússia. Particularmente quando a necessidade do saque imperialista produto da desaceleração – crise – econômica mundial impõe que as garras imperialistas apertem com maior força sobre a América Latina e isso sem dúvida provocará novos cenários como a guerra franco-prussiana, ao qual devem ser aproveitados pelos revolucionários para criar novas Comunas de Paris.

                            Aprendamos hoje com as lições que legou o proletariado francês e que muito bem conceituou e sistematizou Bakunin nestes documentos; e apliquemos na realidade de nossos dias defendendo o programa do Anarquismo Revolucionário e sua intervenção na luta de classes.

                            Avante proletários do mundo!

                            Derrotemos à ofensiva imperialista na América Latina!


                            Organização Popular Anarquista Revolucionária

                            Junho de 2008  

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                            Carta a Esquiros*
                            Mikhail Bakunin
                            Cidadão e Senhor,

                            Eu tive a honra de vos endereçar, por um de meus amigos de Marselha, uma brochura que publiquei sob o título: Lettres à un Français sur la crise actuelle.

                            Ela contém cartas escritas no mês de agosto, bem antes da capitulação de Sedan. Mas o editor, meu amigo, que as encurtou singularmente, para não dizer que as castrou, acreditando sem dúvida que ainda não era o momento para dizer toda a verdade, achou por bem também datá-las de setembro.

                            Estas cartas - endereçadas a um amigo, ao cidadão Gaspard Blanc de Lyon, um dos jovens mais devotados ao bem da França que encontrei, e que o Sr. Challemel-Lacour, comissário extraordinário, mantém na prisão sob a acusação ridícula e odiosa de ser um agente dos prussianos - vos provarão, espero, cidadão Esquiros, que eu também não sou nem partidário do rei da Prússia, nem de nenhum déspota do mundo.

                            O Sr. Challemel-Lacour e o Sr. Andrieux, Procurador da República em Lyon, ousaram levantar contra mim esta calúnia infame. Certo, não serei eu que me queixarei da vivacidade da polêmica entre partidos que se combatem. Aliás, não teria o direito de fazê-lo, pois eu também, quando e tanto quanto eu pude, mostrei-me impiedoso pelos interesses, pelos homens e pela organização política e social da qual esses Senhores aparecem, hoje, como os defensores naturais, em detrimento do bem da França, e que em seu conjunto constituem a nefasta potencialidade atual da burguesia. 

                            Ataquei duramente os princípios e os, por assim dizer, direitos de meus adversários em política e em socialismo. Mas jamais atingi as pessoas, e sempre tiver horror à calúnia.

                            É um meio tão cômodo, não é verdade? O de lançar hoje esse epíteto de prussianos a todos os homens que têm a infelicidade de não poder dividir um entusiasmo encomendado por esses falsos salvadores da França, cujas inércia, incapacidade e impotência enfatuada, em si mesma, destroem a França.

                            Uma outra pessoa em seu lugar, cidadão Esquiros, teria podido me perguntar: em que isto vos pode interessar, a vós que sois estrangeiros? Ah!, senhor, é preciso que eu vos prove que a causa da França tomou-se a do mundo; que a derrota e a decadência da França serão a derrota e a decadência da liberdade, de tudo o que é humano no mundo? Que o triunfo definitivo da idéia e da força da Prússia, militares e burocráticas, nobiliárias e jesuiticamente protestantes, será a maior infelicidade que possa atingir toda a Europa. Se a Prússia vencer, a humanidade européia sofrerá pelo menos cinqüenta anos; e a nós, os velhos não nos sobrará nada, a não ser a morte. E lamentável! Eu deveria reconhecer que meu amigo, já falecido, Alexandre Herzen, teve razão, após as nefastas jornadas de junho de 1848, - jornadas durante as quais a burguesia de Paris e da França erigiram o trono de Bonaparte sobre as ruínas das esperanças e de todas as aspirações legítimas do proletariado, - que ele teve razão ao proclamar que a Europa ocidental dali em diante estava morta, e que para a renovação, para a continuação da história, só restavam duas fontes: a América, de um lado, e, do outro, a barbárie oriental.

                            Advogado, não de vosso mundo burguês oficial, mundo que eu detesto e que desprezo de todo meu coração, mas da revolução ocidental, eu sempre defendi esta revolução contra ele. Após ter sido um dos ardentes adeptos desta revolução, ele não acreditava mais, de forma alguma. Eu continuava a acreditar nela, apesar da catástrofe, apesar do crime cometido pela burguesia em junho. Ele dizia que a Europa ocidental estava, a partir dali, petrificada e podre, que ela se tinha tornado temerosa e covarde, sem fé, sem paixão, sem energia criadora, como outrora o Baixo-Império. Eu concordei com ele em relação à vossa civilização burguesa, mas objetei-lhe que na Europa ocidental, abaixo da burguesia, havia um mundo bárbaro sui generis: o proletariado das cidades e os camponeses que, não tendo abusado e nem mesmo usado da vida, não tendo sido depravados nem sofisticados por esta civilização caduca, mas, ao contrário, continuando a ser moralizados sempre por um trabalho que, por mais oprimido e por mais escravo que seja, não é menos, por isso, uma fonte viva de inteligência e de força, estão ainda cheios de futuro; e que por conseqüência não havia necessidade de uma invasão da barbárie oriental para renovar o ocidente da Europa, tendo o ocidente em suas regiões subterrâneas uma barbárie própria que a renovaria na hora devida.

                            Herzen não acreditava em nada disso, e ele foi morto por seu ceticismo, muito mais que por sua doença. Eu, ao contrário, estava cheio de fé; eu fui socialista-revolucionário não somente na teoria, mas na prática; quer dizer que eu tive fé na realização da teoria socialista, e foi por causa disso mesmo que sobrevivi a ele. Eu fui e sou socialista, não somente porque o socialismo é a liberdade real, é a igualdade real e é a fraternidade real, e é a justiça humana e universal, - mas ainda por uma consideração de fisiologia social.

                            Eu sou socialista porque cheguei à conclusão de que todas as classes que constituíram, até aqui, por assim dizer, as grandes personagens, agentes e vivas, da tragédia histórica, estão mortas. A nobreza está morta; a burguesia está morta e podre. Ela prova isso muito bem atualmente. O que resta? Os camponeses e o proletariado das cidades. Somente eles podem salvar a Europa do militarismo e da burocracia prussianos, estes dois aliados e primos do cnute de meu caro imperador de todas as Rússias.

                            O que eu vejo hoje na França me mergulha num estado próximo ao desespero. Eu começo a temer, com Herzen, que os camponeses e o proletariado, na França, na Europa, também estejam mortos. E então? Então a França está perdida, a Europa está perdida.

                            Mas, não! Durante minha curta presença em Lyon e nas cercanias de Marselha, eu vi, eu senti que o povo não estava morto. Ele possui todos os grandes instintos e todas as poderosas energias de um grande povo; o que lhe falta é a organização e a justa direção; não esta direção e esta organização que lhe caem de cima, pela autoridade do Estado, seja recomendada por Sua Majestade imperial, Napoleão III, seja por Sua Majestade republicana, o senhor Gambetta; mas esta organização e esta direção que se formam a partir de baixo, e que são a própria expressão da vida e da ação populares.

                            É evidente, cidadão Esquiros, que para vos endereçar semelhante carta, é preciso que eu tenha grande fé em vós. E sabeis por que tenho esta fé? Jamais tive a honra de vos encontrar, mas li vossos escritos e conheço vossa vida. Sei que jamais temestes ser um revolucionário conseqüente, que nunca vos desmentistes, e que jamais sacrificastes a causa do povo por considerações de classe, partido, ou por vaidades pessoais. Enfim, Senhor, fostes o único a propor, nesse infeliz Corpo Legislativo, após os desastres que destruíram o exército francês, e, permitai que eu vos diga, no meio da covardia e da estupidez manifestadas por todos vossos colegas da esquerda, - os mesmos que formam hoje o governo da Defesa Nacional, - o único meio que restava para salvar a França: o de provocar, por uma proclamação feita em nome do Corpo Legislativo, a organização espontânea de todas as comunas da França, fora de qualquer tutela administrativa e governamental do Estado. Vós quereis proclamar, numa palavra, a liquidação, ou mesmo a simples constatação da ruína total e da não existência do Estado. Vós teríeis colocado a França, por esta iniciativa mesmo, em estado de revolução.

                            Eu sempre compreendi, e a esta hora deve ter se tornado evidente para todo mundo, que fora deste remédio heróico não pode haver salvação para a França. Os advogados que compõem vosso governo atual pensaram de outra forma. Privados de todos os meios que constituem a força de um Estado, eles quiseram - pobres inocentes! - brincar de governo do Estado. Com este jogo eles paralisaram toda a França. Eles lhe proibiram o movimento e a ação espontânea, sob o pretexto ridículo, e, dadas as circunstâncias presentes, criminoso, de que eles, os únicos representantes do Estado, devem ter o monopólio do pensamento, do movimento, da ação. Obsedados pelo temor de ver o Estado desmoronar e desmanchar-se em suas mãos, eles guardaram, para conservá-lo, toda a antiga administração bonapartista, militar, judiciária, comunal e civil; e forçaram sua confiança imbecil neles próprios, sua criminosa fatuidade pessoal até o ponto de acreditar que, a partir do momento que estivessem no poder, os próprios bonapartistas, essas pessoas ligadas irrevogavelmente ao passado pela solidariedade do crime, se transformariam em patriotas e em republicanos. Para paliar este erro e para corrigir suas funestas conseqüências, eles enviaram, a todos os lugares, comissários extraordinários, prefeitos, subprefeitos, advogados gerais e procuradores da república, pálidos republicanos, bastardos de Danton, como eles; e todos estes pequenos advogados, todos estes arrogantes de luvas do republicanismo burguês, o que eles fizeram? Fizeram a única coisa que poderiam ter feito: aliaram-se em todos os lugares à reação burguesa contra o povo; matando o movimento e a ação espontânea do povo, mataram toda a França. Agora a ilusão não é mais possível. Já faz quarenta e seis dias que a República existe: o que fizeram para salvar a França? Nada - e o prussiano continua a avançar.

                            Tal foi o pensamento, cidadão, e tais foram os sentimentos que presidiram a formação do Comitê da Salvação da França, em Lyon, que ditaram sua proclamação, que levaram meus amigos a fazerem essa tentativa de 28 de setembro, que fracassou, não temo em dizê-lo, para a infelicidade da França.

                            Vários dentre meus amigos, em cartas que endereçaram ao Progrès de Lyon, tiveram a fraqueza de negar o objetivo real desta manifestação fracassada. Eles erraram. Em tempos como o atual, no meio do qual vivemos, deve-se ter, mais do que em qualquer outra época, a coragem de dizer a verdade.

                            O objetivo era o seguinte: nós queríamos derrubar a municipalidade de Lyon, municipalidade evidentemente reacionária, mas ainda mais incapaz e estúpida do que reacionária, que paralisava e continua a paralisar qualquer organização real da defesa nacional em Lyon; derrubar, ao mesmo tempo, todos os poderes oficiais, destruir todos os restos desta administração imperial que continua a pesar sobre o povo, neutralizar Suas Majestades, os reis de Yvetot**, que pensam reinar e fazer alguma coisa de bom em Tours; e convocar a Convenção Nacional da Salvação da França. Numa palavra, nós queríamos realizar em Lyon o que vós mesmo, cidadão Esquiros, tentastes fazer através de vossa Liga do Midi***, Liga que certamente teria sublevado o Midi e organizado sua defesa, se ela não tivesse sido paralisada por esses reis de Yvetot.

                            Ah, Senhor, os advogados do governo da Defesa Nacional são criminosos! Eles matam a França. E, se os deixarmos fazer, eles a entregarão definitivamente aos prussianos!

                            É tempo que eu termine esta carta, já muito longa.

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                            Notas:
                            *Nos arredores de Marselha, 20 de outubro de 1870
                            **Yvetot – Região da França ( Seine-Maritime)
                            ***Midi – Região do Sul da França
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                              Carta aos redatores do Boletim da Federação do Jura (outubro, 1873)


                              CARTA AOS REDATORES DO BOLETIM DA FEDERAÇÃO DO JURA

                              INTRODUÇÃO

                              Depois de uma longa luta no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores que culminou com sua expulsão, o grande revolucionário Mikhail Bakunin se retirou do movimento revolucionário europeu, que durante anos foi um de seus maiores expoentes, com o propósito de sistematizar suas idéias e seus planos. Neste ano seriam produzidos alguns de seus principais textos, além de inumeráveis cartas onde esboçava junto a jovens italianos, russos, eslavos, etc inumeráveis conspirações e planos insurrecionais.  

                              Esta atividade eminentemente teórica, no entanto, não era a preferência do revolucionário russo, a quem se sentia a vontade nas lutas entre as barricadas e a quem o trabalho literário não estimulava o suficiente.

                              O triunfo da reação alemã sobre a Europa, a derrota dos bakuninistas na Espanha e França, os árduos, porém longínquos combates que se lutou contra o csarismo russo, foram os principais fatores que desencadearam e aprofundaram as doenças contraídas por Bakunin na prisão:

                              “Me afastei dos negócios, decididamente e para sempre abandonei toda ação pessoal: nenhum nexo me liga e não importa que empresa prática que seja. Em primeiro lugar por que hoje se apresenta, para esse tipo de empresas, uma massa de obstáculos; o bismarkismo, quer dizer, o militarismo, a policia e o monopólio das finanças, todos eles combinados com um sistema que se chama o Estado moderno, triunfa em todas as partes. Ainda passarão dez ou quinze anos durante os quais essa potente e científica negação de tudo o que é humano triunfará em todos os lugares. Eu não digo que não há nada para fazer atualmente; mas este novo trabalho exige novo métodos e sobre tudo forças jovens e frescas. Eu sinto que já não sou bom para esse tipo de luta e me retiro.”[1] 
                                   
                              Cansado, em 12 de outubro de 1873, Bakunin se despede de seus companheiros de luta durante anos, dos trabalhadores membros da seção do Jura, trabalhadores estes que admiravam e respeitavam o revolucionário russo com a um mestre.

                              Esta carta é sem dúvida, a pesar de breve, uma das exposições mais apaixonadas e cheias de sentimento que elaborara Bakunin em sua vida. As palavras do revolucionário são o reflexo de seu cansaço, de sua fatiga pessoal, mas são também uma mostra de sua indomável fé na libertação humana.

                              A carta de despedida, de 12 de outubro de 1873, aos companheiros da seção do Jura será seu testamento político e um chamado aos revolucionário do mundo, que depois de 135 anos conserva plena vigência. 

                              Lutar pela liberdade e o socialismo, pela destruição revolucionária do Estado e do Capital para construir em seu lugar uma sociedade justa e igualitária de mulheres e homens livres pela qual lutou, combateu, e morreu o camarada Mikhail Bakunin tem também plena vigência. 

                              A Organização Popular Anarquista Revolucionaria milita ativamente retomando as bandeiras de luta elaboradas por Bakunin e milhares de companheiras e companheiros anarquistas revolucionários.

                              Por essa razão colocamos agora a disposição digital em nosso idioma o testamento político de Mikhail Bakunin, confiando que as palavras do camarada recairão nos jovens e generosos corações que saberão defender nosso ideal revolucionário como o fizera Bakunin, lutando sem descanso, intransigentemente pelo Socialismo e pela Liberdade. 
                              Organización Popular Anarquista Revolucionaria - México
                              Junho 2008

                              [1] Bakunin, Carta de 11 de novembro de 1874, a Ogarev desde Lugano. Citado por García V. tomo II das Obras. Pág.14.
                                
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                              CARTA AOS REDATORES DO BOLETIM DA FEDERAÇÃO DO JURA*

                              Mikhail Bakunin
                              Caros companheiros,

                              Eu não posso nem devo deixar a vida pública sem vos endereçar uma última palavra de reconhecimento e de simpatia.

                              Faz quatro anos e meio aproximadamente que nós nos conhecemos, e apesar de todos os artifícios de nossos inimigos comuns e das calúnias infames que lançaram contra mim, conservastes vossa estima, vossa amizade e vossa confiança em mim. Vós não vos deixastes intimidar por esta denominação de “bakuninianos” que eles lançaram em vossos rostos, preferindo guardar a aparência de serem homens dependentes, do que a certeza de terdes sido injustos.

                              E, por sinal, sempre tivestes, e em alto grau, a consciência da independência e da perfeita espontaneidade de vossas opiniões, tendências, atos, e a pérfida intenção de nossos adversários era tão transparente, por outro lado, que não pudestes tratar suas insinuações caluniosas e ferinas de outra forma, se não com o mais profundo desprezo.

                              Vós o fizestes, e é precisamente porque tivestes a coragem e a constância de fazê-lo que acabastes de conquistar hoje, contra a intriga ambiciosa dos marxistas, e em proveito da liberdade do proletariado e de todo o futuro da Internacional, uma vitória tão completa.

                              Fortemente socorridos por vossos irmãos da Itália, da Espanha, da França da Bélgica, da Holanda, da Inglaterra e da América, fizestes retomar a grande Associação Internacional dos Trabalhadores ao caminho, do qual as tentativas ditatoriais do Sr. Marx fracassaram em desviá-la.

                              Os dois Congressos que acabam de se realizar em Genebra foram uma demonstração triunfante, decisiva, da justiça e, ao mesmo tempo também, da potência de vossa causa.

                              Vosso Congresso, o da liberdade, reuniu em seu seio os delegados das principais federações da Europa, menos a Alemanha; proclamou em voz alta e estabeleceu amplamente, ou melhor, confirmou a autonomia e a solidariedade fraterna dos trabalhadores de todos os países. O Congresso autoritário ou marxista, composto unicamente de alemães e de operários suíços, que parecem ter aceito a liberdade em desgosto, esforçou-se em vão para remendar a ditadura arrebentada, e de agora em diante ridicularizada, do Sr. Marx.

                              Após ter lançado muitas injúrias aqui e ali, para constatar sua maioria genebrense e alemã, eles chegaram a um produto híbrido que não é mais a autoridade integral, sonhada pelo Sr. Marx, mas que é ainda menos a liberdade, e se separaram profundamente desencorajados e descontentes com eles próprios e com os outros. Esse Congresso foi um enterro.

                              Assim, vossa vitória, a vitória da liberdade e da Internacional contra a intriga autoritária, está completa. Ontem, quando ela podia parecer ainda incerta, - ainda que, no que me concerne, jamais duvidei disso, - ontem, digo, não era permitido a ninguém abandonar suas fileiras. Mas, hoje, quando esta vitória se tomou um fato realizado, a liberdade de agir segundo suas conveniências pessoais voltou a cada um.

                              E aproveito esta oportunidade, caros companheiros, para vos pedir a gentileza de aceitar minha demissão como membro da Federação Jurássica e membro da Internacional. Possuo muitas razões para assim agir. Não creais que seja principalmente por causa dos desgostos pessoais dos quais eu estive saturado nesses últimos anos. Não digo que eu seja absolutamente insensível a eles; todavia, eu sentiria ainda bastante força para resistir, se eu pensasse que minha participação posterior no vosso trabalho, nas vossas lutas pudesse ter alguma utilidade ao triunfo da causa do proletariado. Mas não acredito nisso.

                              Por meu nascimento e por minha posição pessoal, e não por minhas simpatias e minhas tendências, nada mais sou do que um burguês e, como tal, não saberia fazer outra coisa entre vós senão propaganda teórica. Bem, tenho esta convicção de que o tempo dos grandes discursos teóricos, impressos ou falados, passou. Nos últimos nove anos desenvolveram-se no seio da Internacional mais idéias do que era preciso para salvar o mundo, se apenas as idéias pudessem salvá-lo, e desafio quem quer que seja a inventar uma nova.

                              O tempo não está mais para idéias, e sim para fatos e para atos. O que mais importa, hoje, é a organização das forças do proletariado. Mas esta organização deve ser a obra do próprio proletariado. Se eu fosse jovem, eu me transportaria para um meio operário, e, compartilhando a vida laboriosa de meus irmãos, participaria igualmente com eles do grande trabalho dessa organização necessária.

                              Mas minha idade e minha saúde não me permitem fazê-lo. Elas me pedem, ao contrário, a solidão e o repouso. Cada esforço, uma viagem a mais ou a menos, torna-se um caso muito sério para mim. Moralmente sinto-me ainda bastante forte, mas fisicamente canso-me rapidamente, não sinto mais as forças necessárias à luta. Eu não poderia ser, no campo do proletariado, mais do que um estorvo, não uma ajuda.

                              Como vedes, caros companheiros, tudo me obriga a pedir demissão. Vivendo longe de vós e longe de todo o mundo, que utilidade eu poderia ter para a Internacional em geral e para a Federação do Jura em particular? Vossa grande e bela Associação, de agora em diante totalmente militante e prática, não deve sofrer com sinecuras nem posições honorárias em seu seio.

                              Retiro-me, então, caros companheiros, pleno de reconhecimento por vós e de simpatia por vossa grande e santa causa, - a causa da humanidade. Acompanharei com uma ansiedade fraterna todos os vossos passos, e saudarei com alegria cada um de vossos novos triunfos.

                              Estarei convosco até a morte.

                              Mas antes de nos separar, permiti que eu vos dê um último conselho fraterno. Meus amigos, a reação internacional, cujo centro hoje não está nesta pobre França, burlescamente dedicada ao Sacré-Coeur, mas sim na Alemanha, em Berlim, e que é representada tanto pelo socialismo do Sr. Marx quanto pela diplomacia do Sr. Bismarck; esta reação que propõe como objetivo final a pangermanização da Europa, ameaça tudo engolir e tudo perverter nesse momento. Ela declarou uma guerra mortal à Internacional, representada hoje unicamente pelas Federações autônomas e livres. Como os proletários de todos os outros países, mesmo que fazendo parte de uma república ainda livre, sois forçados a combatê-la, pois ela se interpôs entre vós e vosso objetivo final, a emancipação do proletariado do mundo inteiro.

                               A luta que tereis que sustentar será terrível. Mas não vos deixais desencorajar, e sabei que, apesar da imensa força material de vossos adversários, o triunfo final vos estará assegurado, se observardes fielmente estas duas condições:

                              1ª Mantende-vos firmes em vosso princípio da grande e ampla liberdade popular, sem a qual a igualdade e a solidariedade, elas próprias, nada mais seriam do que mentiras.

                              2ª Organizai cada vez mais a solidariedade internacional, prática, militante, dos trabalhadores de todas as profissões e de todos os países, e lembrai que, infinitamente fracos como indivíduos, como localidades ou como países isolados, encontrareis uma força imensa, irresistível, nesta universal coletividade.

                              Adeus. Vosso irmão,
                              Mikhail Bakunin

                              *12 de outubro de 1873.
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                                A Reação na Alemanha (1842)


                                BAKUNINE, Miguel. A reação na Alemanha.In: Cadernos Peninsulares, Nova Série, Ensaio 17.  Tradução: José Gabriel. Portugal: Editora Assírio & Alvin, 1976. Pags. 105-127


                                OS ADVERSÁRIOS DA LIBERDADE

                                Liberdade, realização da liberdade: quem pode negar que estas palavras estão agora à cabeça da ordem do dia da história? Amigos e inimigos reconhecem-no apesar de tudo, e ninguém ousa declarar-se abertamente e audaciosamente adversário da liberdade. Mas falar de alguma coisa e reconhecê-la não lhe dá uma existência real, e isto, o evangelho, sabe-o bem[1]; na realidade, há infelizmente ainda uma multidão que, verdadeiramente, não acredita do mais profundo do seu coração, na liberdade. Vala a pena, no interesse desta causa, ocuparmo-nos deles. Pertencem a tipos muito diferentes: encontramos, em primeiro lugar, pessoas bem colocadas, carregadas de anos e de experiência que, na sua juventude, eram mesmo diletantes da liberdade política; um homem rico e distinto encontra, na realidade, um certo prazer requintado em falar de liberdade e de igualdade, o que o torna, além do mais, duplamente importante na sociedade. Mas como não mais podem agora gozar a vida como no tempo da sua juventude, procuram dissimular o seu enfraquecimento físico e intelectual sob o véu da “experiência” — uma palavra tanta vez enganadora —: é perder tempo falar com estas pessoas; nunca levaram a liberdade a sério, nunca a liberdade foi para eles a religião que só conduz aos maiores prazeres e à felicidade suprema pela via das mais terríveis contradições, ao preço dos mais cruéis sofrimentos e da abnegação total e sem reservas. Verdadeiramente não há algum interesse em discutir com eles, porque são velhos e, assim, apesar de tudo, morrerão brevemente.



                                Mas também há infelizmente muitas pessoas jovens que partilham com as pessoas do primeira grupo as mesmas convicções, ou antes, a ausência de toda a convicção. Pertencem na maior parte, a essa aristocracia que pela sua natureza está marcada desde há muito tempo, na Alemanha, pela morte política, seja a classe burguesa e comerciante, seja a dos funcionários. Com eles não há nada a empreender, e menos ainda com as pessoas judiciosas e experimentadas da primeira categoria que têm já um pé no túmulo. Os últimos tinham ao menos uma aparência de vida, enquanto que os outros são de nascença seres inexistentes, homens mortos. Estão todos embaraçados nos seus interesses sórdidos de vaidade ou do dinheiro e unicamente preocupados com os seus quotidianos, ignoram mesmo tudo da vida e o que se passa á volta deles, a ponto que, se não tivessem ouvido falar um pouco na escola da história e da evolução das ideias, acreditariam provavelmente que o mundo nunca teria sido outro do que é agora. São naturezas mortas, sombras que não podem ser nem úteis, nem nocivas; não temos nada a temer delas, porque só o que é vivo é que pode agir e como já passou de moda ter comércio com sombras, não queremos perder o nosso tempo com eles.

                                Mas há ainda uma terceira categoria de adversários do princípio da Revolução: é o partido reaccionário surgido pouco depois da Restauração em toda Europa e que se chama conservadorismo em política, escola histórica na ciência do direito, e filosofia positiva nas ciências especulativas. Temos a intenção de discutir com este partido, e seria absurdo da nossa parte, ignorar a sua existência e considerá-lo como insignificante; reconhecemos ao contrário, sinceramente que é agora, em todo o lado, o partido dirigente, e, bem mais, estamos prestes a conceder-lhe que a sua força presente não é um jogo do acaso, mas que tem as suas raízes profundas na evolução do espírito moderno. Em geral, não reconheço, ao acaso, uma influência real sobre a história; a história é um desenvolvimento livre, mas também necessário, do pensamento livre, de maneira que se atribuísse, ao acaso, a preponderância actual do partido reaccionário, eu prestaria o pior serviço à profissão de fé democrática que se funda unicamente sobre a liberdade absoluta do pensamento. Isto seria tanto mais perigoso, para nós, de nos adormecer numa quietude nefasta e mentirosa, que infelizmente, até ao presente, estamos ainda muito longe de compreender a nossa situação. Perigo tanto maior que, no desconhecimento, o que não é muito frequente, da verdadeira origem da nossa força e da natureza do nosso inimigo, acabrunhados pelo triste espectáculo da vulgaridade, nós podemos perder toda a nossa coragem, ou — o que é talvez, pior — como o desespero não pode durar num ser cheio de vida, restar atormentado por um temor injustificado, infantil e estéril.


                                PARTIDO DEMOCRÁTICO
                                E PARTIDO REACCIONÁRIO

                                Nada pode ser mais útil ao partido democrático que conhecer a sua fraqueza momentânea e a força relativa dos seus adversários. Este conhecimento fá-lo sair, primeiramente da onda de imaginação e entrar nessa realidade onde deve viver, sofrer e finalmente vencer. Torna o seu entusiasmo reflectido e modesto. Quando, por este doloroso contacto com a realidade, tiver tomado consciência da sua missão sagrada e sacerdotal; quando for atormentado pelas inumeráveis dificuldades que se levantam em toda a parte sobre o seu caminho e que não têm o seu manancial — como frequentemente o partido democrático parece julgá-lo — no obscurantismo dos seus adversários, mas antes na riqueza e na complexidade da natureza humana que resiste às teorias abstractas; logo que estas dificuldades lhe façam conhecer, e em seguida, compreender as imperfeições de toda o sua existência presente e lhe tenham mostrado que o seu inimigo não está somente fora dele, mas também e, sobretudo, nele mesmo e que, depois, deve começar a vencer este inimigo imanente; logo que tenha adquirido a convicção de que a democracia não consiste somente numa oposição aos governantes, não é uma reforma particular constitucional, política ou económica, mas que anuncia uma transformação total da estrutura actual do mundo e uma vida essencialmente nova desconhecida até agora na história; logo que tudo isto o tenha convencido que a democracia é uma religião, logo que esta concepção o tenha tornado a ele mesmo, religioso, quer dizer, não somente convencido do seu principio em pensamento e em raciocínio, mas também fiel a este princípio na vida real, até nas mais pequenas manifestações — então, e só então, o partido democrático abancará sobre o mundo uma vitória efectiva.

                                Reconhecemos, portanto, sinceramente que a força actual do partido reaccionário não é fato do acaso, mas é uma necessidade histórica. Não tem a sua origem na imperfeição do princípio democrático: este é, na realidade, a igualdade entre os homens realizando-se em liberdade, mas é também esta identidade do espírito, a mais profunda, a mais geral, a mais universal, numa palavra esta identidade única que se manifesta na história. Esta força do partido reaccionário é o efeito da imperfeição do partido democrático que não é ainda bem sucedido na consciência afirmativa do seu princípio e, por consequência, não existe senão como negação da realidade presente. Mas não sendo senão negação, mantém-se, primeiro, necessariamente alheio a esta plenitude da vida, de que não pode ainda compreender o desenvolvimento a partir de um princípio concebido por ele sob uma forma quase unicamente negativa. É porque, até agora, ele é apenas um partido e não ainda essa realidade viva que é o futuro e não o presente. Como os democratas formam somente um partido (e ainda, a julgar pelas manifestações exteriores da sua existência, um fraco partido), como o facto de não ser senão um partido suposto, e oposto a eles, um outro partido potente, isto só devia esclarecer os democratas sobre as suas próprias imperfeições que residem essencialmente neles.

                                Segundo a sua natureza e o seu princípio, o partido democrático aspira ao geral e ao universal, mas segundo a sua existência, enquanto partido, é somente qualquer coisa de particular — o negativo— opondo-se a qualquer outra coisa de particular — o positivo. Toda a importância e toda a força irresistível do negativo consistindo no aniquilamento do positivo, mas, ao mesmo tempo que o positivo, o negativo breve na sua ruína, devido à sua natureza particular, imperfeito e inadaptado à sua essência. O partido democrático não existe como tal, na plenitude da sua afirmação, mas somente como a negação do positivo: é porque deve, nesta forma imperfeita, desaparecer ao mesmo tempo que o positivo, para renascer espontaneamente sob uma forma regenerada e na plenitude viva do seu ser. Assim, o partido democrático torna-se nele mesmo e esta transformação não é somente quantitativa, não é um simples alargamento da sua existência actual imperfeita: Deus nos guarde! Porque um tal alargamento conduziria e uma humilhação universal e o termo final da história seria um nada absoluto. Esta transformação é, ao contrário, qualitativa, é uma revelação que vive e que anuncia a vida, é um novo céu e uma nova terra, um mundo jovem e magnífico, no qual todas as dissonâncias actuais se transformarão numa unidade harmoniosa.

                                É impossível corrigir as imperfeições do partido democrático pondo um termo ao carácter exclusivo da sua existência como partido por uma aparente conciliação com o positivo: seriam esforços vãos porque o positivo e o negativo são, uma vez por todas, incompatíveis. O negativo, pelo que se isole da sua oposição ao positivo e que se considere em si, parece ser em substância e sem vida. Esta inconsistência aparente é mesmo a censura capital que os positivos fazem aos democratas; esta censura repousa sobre um mal-entendido, porque o negativo não pode ser tomado isoladamente — não seria absolutamente nada! — mas somente na sua oposição ao positivo; todo o seu ser, o seu conteúdo, a sua vitalidade tendem para a destruição do positivo. “A propaganda revolucionária”, diz o Pentarque[2], “é pela sua natureza íntima a negação das instituições existentes do Estado, porque o seu carácter mais autêntico não lhe pode determinar outro programa que a destruição de tudo o que existe”. Mas, então, é possível que o negativo, que toda a vida não tem por missão senão destruir, possa aparentemente coexistir com o que a sua natureza íntima o obriga a destruir? Só podem pensá-lo as pessoas sem chama e sem energia que não fazem uma ideia séria do positivo e do negativo.

                                O PARTIDO DEMOCRÁTICO PERANTE
                                OS REACCIONÁRIOS PUROS

                                No seio do partido reaccionário podem-se distinguir actualmente dois grupos principais; num figuram os reaccionários puros e consequentes, no outro os inconsequentes e conciliadores. Os primeiros concebem a oposição em toda sua pureza; sabem bem que não se pode mais conciliar o positivo e o negativo, como a água com o fogo; não vendo no negativo o lado afirmativo da sua natureza, não podem acreditá-lo e deduzem correctamente que o positivo não se pode manter senão pelo esmagamento total do negativo. Ao mesmo tempo, não dão conta que o positivo não é o mesmo positivo defendido por eles senão na medida em que o negativo se opõe ainda a ele; não vêem que, por consequência, se o positivo obtivesse uma vitória total sobre o negativo, seria, daqui para o futuro, fora da oposição, não seria mais o positivo, mas antes o fim do negativo: é preciso perdoar-se-lhes esta incompreensão, porque a cegueira é o carácter essencial de todo o positivo, enquanto que o discernimento é próprio só do negativo. Na nossa triste época sem consciência, numerosos são aqueles que pela covardia tentam esconder a eles mesmos as estritas consequências dos seus próprios princípios e esperam, assim, escapar ao risco de serem alterados no edifício artificial e frágil das suas pretensas convicções. Também é necessário dizer um muito obrigado a estes senhores, aos mais reaccionários. São sinceros, honestos e querem ser homens inteiros. Não se pode falar muito com eles, porque nunca se querem prestar a uma conversa razoável e, agora que o negativo divulgou, por toda a parte, o seu fermento de decomposição, é-lhes bem difícil, senão impossível, manterem-se no puro positivo: a tal ponto que lhes é necessário separarem-se da sua própria razão; é de ter medo deles mesmo e temer o menor ensaio de demonstração das suas convicções, o que ocasionará, com certeza, a sua refutação. Têm perfeita consciência disto: também substituem a palavra pela injúria...  Não são homens menos honestos e inteiros, ou, mais exactamente, querem ser homens honestos e inteiros. Têm como nós o ódio a toda a meia-medida, porque sabem que só um homem inteiro pode ser bom e que as meias-medidas são fonte envenenada de todo o mal.

                                Estes reaccionários fanáticos acusam-nos de heresia, e, se fosse possível, fariam surgir do arsenal da história a força oculta da Inquisição para a utilizar contra nós; eles negam-nos todo o sentimento bom ou humano e vêem em nós anticristos endurecidos que é permitido combater por todos os meios. Pagamos-lhes na mesma moeda? Não, seria indigno para nós e a grande causa que defendemos. O grande princípio ao serviço do qual nos pusémos dá-nos, entre outras vantagens, o bom privilégio de ser justos e imparciais sem para isso causar dano à nossa causa. Tudo o que repouse sobre um ponto de vista irredutível não pode utilizar como arma a verdade, porque a verdade está em contradição com todo o ponto de vista irredutível. Tudo o que é irredutível é forçosamente nas suas declarações parcial e fanático, porque não pode afirmar-se senão pela supressão brutal de todos os outros pontos de vista irredutíveis que lhe são opostos e que são justificados tanto como ele. Um ponto de vista irredutível, pelo único facto de existir, supõe que existem outros que deva, em razão da sua natureza particular, eliminar para se manter. Esta contradição é a maldição que pesa sobre ele, uma maldição que trás em si e que muda em ódio a expressão de todos os bons sentimentos inatos em todo o homem considerado como tal.

                                Somos, de certo modo, infinitamente mais felizes; certamente, como partido, opomo-nos aos positivistas, combatemo-los, e esta luta acorda em todos nós as más paixões; o facto de pertencermos, nós mesmos, a um partido torna-nos também frequentemente parciais e injustos. Mas não somos somente este partido negativo oposto ao positivo; a nossa fonte de vida, é o principio universal da liberdade absoluta, um principio que oculta nele tudo o que tem de bom no positivo e que está por cima do positivo, como também por cima de nós, considerados como partido. Enquanto partido fazemos somente política, mas não encontramos a nossa justificação senão no nosso princípio, senão a nossa causa não seria melhor que aquela do positivo, e é-nos necessário, para a nossa própria conservação, ficar fiel ao nosso princípio como inimigos da religião cristã — é só conosco que está dizer, elevarmo-nos continuamente desta existência estreita e somente política até à religião do nosso princípio universal e aberto sobre a vida. Devemos agir não só politicamente, mas também na nossa política religiosamente, o que significa ter a religião da liberdade de que a única expressão autêntica é a justiça e o amor. Sim, é conosco — tratam-nos como inimigos da religião cristã — é só conosco que está reservada esta tarefa de que fazemos dever supremo: praticar efectivamente o amor mesmo nos combates mais obstinados, este amor que é o mais alto poder do Cristo e o princípio único do verdadeiro cristianismo.

                                Procuramos ser justos mesmo perante os nossos inimigos, e reconhecemos voluntariamente que eles se esforçam de querer realmente o bem, e mais, que a sua natureza os tinha destinado para o bem e para uma vida animada e que só um inconcebível golpe do destino os desviou da sua verdadeira vocação. Não falamos daqueles que só se juntaram ao seu partido para deixar o campo livre às suas más paixões: os tartufos, há infelizmente muitos em todos os partidos! Não falamos senão dos defensores sinceros do positivismo consequente, que se esforça por chegar ao bem sem ter a vontade de o realizar, e aí reside o seu grande infortúnio e a sua consciência é por isso dilacerada. Não vêem no principio da liberdade mais que uma fria e vulgar abstracção, na qual a vulgaridade e a secura de vários defensores deste princípio colaboraram activamente, uma abstracção vazia de toda a vida, de toda a beleza e de toda a santidade. Não compreendem que não se deve confundir este princípio com a sua forma actual, medíocre e totalmente negativa, e que não pode vencer e realizar-se se não for a viva afirmação de si mesmo suprimindo o negativo como também o positivo. A sua opinião, dividida ainda infelizmente por muitos dos aderentes do partido negativo, é que o negativo ensaia de se propapagar enquanto tal, e pensam, exactamente como nós que a difusão do negativo faria soçobrar na vulgaridade toda a sociedade intelectual. Ao mesmo tempo, os seus sentimentos espontâneos fazem-nos aspirar de pleno direito à plenitude de uma vida apaixonada e, não encontrando no negativo mais que a humilhação desta vida, retornam ao passado, ao passado tal como existia antes que surgisse a oposição entre o negativo e o positivo. Têm razão, na medida, em que esse passado era um todo animado de vida própria apresentando-se, como tal, bem mais vivo e mais rico que o presente dilacerado pelas suas contradições. Mas cometem um grande erro quando pensam poder ressuscitar esse passado tão vivo; esquecem que a plenitude do passado só lhes pode surgir sob a forma de uma imagem desunida e quebrada no espelho das contradições actuais que fatalmente engendraram, e que este passado, pertencendo ao positivo, não é mais que um cadáver sem alma abandonado as leis mecânicas e químicas da reflexão. Adeptos do um positivismo cego, não compreendem isto, se bem que os seres vivos, em razão da sua própria natureza, ressintam perfeitamente esta falta de vida; e como eles não sabem que, pelo só facto de serem positivos suportavam deles o negativo, rejeitam para o negativo toda  responsabilidade desta falta de vida; o seu impulso para a vida e a verdade, incapaz de se satisfazer, mudou em ódio e fazem pesei o peso deste fracasso sobre o negativo. Tal é necessariamente, em todo o positivista consequente, o desenrolar interno dos seus sentimentos: isto porque a meu ver são verdadeiramente de lastimar, tendo os seus esforços uma origem quase sempre honesta.

                                O PARTIDO DEMOCRÁTICO PERANTE OS REACCIONÁRIOS CONCILIADORES

                                Os positivistas conciliadores têm uma outra posição: distinguem-se dos positivistas consequentes de duas maneiras: mais corrompidos que estes últimos pela falsa visão que têm da nossa época, não somente rejeitam pura e simplesmente o negativo como um mal absoluto, mas acordam-lhe mesmo uma justificação relativa e momentânea; e por outra parte, não possuem a mesma pureza cheia de energia, esta pureza à qual aspiram, ao menos, os positivistas consequentes e intransigentes e que assinalamos como o indício de uma natureza inteira, rica e honesta. Podemos definir o ponto de vista dos conciliadores como o da desonestidade no domínio da teoria; digo bem: da teoria, porque prefiro evitar toda a acusação contra os actos ou pessoas e porque não acredito que, na evolução dos espíritos, uma má vontade pessoal possa intervir para o entravar; contudo, é necessário reconhecer que a desonestidade teórica, em razão da sua própria natureza, leva necessariamente quase sempre à desonestidade prática.

                                Os positivistas conciliadores têm mais inteligência e penetração que os consequentes; são os inteligentes e os teóricos por excelência e, nesta medida, os principais representantes da época actual. Poderíamos aplicar-lhes o que, no começo da revolução de Julho, dizia um jornal francês o “Juste Milieu”. “O lado esquerdo diz: dois vezes dois, fazem quatro; o lado direito: dois vezes dois, fazem seis... e o justo centro diz: dois vezes dois, fazem cinco.” Mas achariam isto ruim! Vamos também tentar estudar muito seriamente a sua natureza confusa e difícil e com o mais profundo respeito pela sua sabedoria. É muito mais penoso dar razão aos conciliadores que aos consequentes. Estes últimos manifestam nos seus actos a força das suas convicções, sabem o que querem e falam claramente, e odeiam, tal como nós, toda a indecisão, toda a obscuridade porque as suas naturezas enérgicas na acção não podem respirar livremente senão no ar puro e luminoso. Mas com os conciliadores, é outro negócio! São indivíduos maliciosos, oh! são inteligentes e prudentes! Nunca permitem na prática à paixão da verdade destruir o edifício artificial das suas teorias; são muito experimentados, muito inteligentes para dar ouvidos à voz imperativa da simples consciência prática. Seguros dos seus pontos de vista, lançam sobre ela olhares cheios de distinção, e quando dizemos que só o que é simples é verdadeiro e real, porque só ele pode jogar um papel criador, eles pretendem, ao contrário, que só o complexo é verdadeiro: tiveram, na realidade as maiores dificuldades em o remendar e é o único sinal que permite distingui-los, a eles, os indivíduos inteligentes, da plebe imbecil e inculta (e é bem difícil vencer estes indivíduos porque, precisamente, sabem tudo!). Outras razões da sua atitude: sendo hábeis políticos, resistem a uma imperdoável fraqueza de serem tomados de imprevisto por qualquer acontecimento; enfim, ajudados pela reflexão, deslizaram em todos os recantos do mundo da natureza e do espírito e, depois desta longa e penosa viagem intelectual, adquiriram a convicção de que não vale a pena manter contactos ardentes com o mundo real. Com estes indivíduos é difícil tirar alguma coisa a claro, porque, assim como as constituições alemãs, tomam com a mão direita o que dão com a esquerda; nunca respondem com um sim, ou um não, dizem: “Numa certa medida vocês têm razão, mas contudo ...”, e quando não têm argumentos dizem então: “Sim, é uma questão delicada."

                                E, contudo, desejamos experimentar entrar em relações com o partido dos conciliadores que, apesar da inconsciência da sua doutrina e incapacidade de jogar um papel de direcção, é actualmente um partido forte, mesmo o mais forte, se tivermos em conta, bem entendido, o número e não as ideias. A sua existência é um sinal do tempo, e um dos mais importantes: também não é permitido ignorar este partido ou passá-lo sob silêncio.


                                DISCUSSÃO DA NATUREZA LÓGICA
                                DA CONTRADIÇÃO


                                Toda a sabedoria dos conciliadores consiste em pretender que duas tendências opostas, pelo facto mesmo da sua posição, são exclusivas e, por consequência, falsas, e se os dois termos da contradição, tomados no abstracto, são falsos, é necessário, portanto, que a verdade esteja entre os dois, á necessário conciliar os contrários para chegar à verdade. À primeira vista, este raciocínio parece irrefutável; nós mesmos admitimos o carácter exclusivo do negativo enquanto ele se opuser ao positivo e que nesta oposição relacione tudo consigo. Não resultará daqui que se realize e se complete essencialmente no positivo? E os conciliadores não têm razão de querer conciliar o positivo e o negativo? De acordo, se esta conciliação for possível: mas será verdadeiramente possível? A única razão de ser do negativo não é a destruição do positivo? Logo que os conciliadores fundam o seu ponto de vista sobre a natureza da contradição, quer dizer, sobre o facto que duas exclusividades opostas se supõem, enquanto tais, adversários, é-lhes necessário então permitir e aceitar que esta natureza toma toda a sua extensão; é-lhes necessário também, em razão das consequências que isto arrasta para eles, ficar fiéis ao seu ponto de vista, visto que a face da contradição que lhes é favorável é inseparável daquela que lhes é desfavorável. Ora, o que é desfavorável para eles é que a existência de um termo da contradição supõe a existência do outro: e isto não é qualquer coisa de positivo, mas bem de negativo e de destruição, É necessário chamar a atenção destes senhores sobre a lógica de Hegel onde ele faz um estudo tão notável sobre a categoria da contradição.

                                A contradição e o seu desenvolvimento imamente formam um dos nós principais de todo o sistema hegeliano, e como esta categoria é a categoria principal, a característica principal da nossa época, Hegel é sem réplica o maior filósofo do nosso tempo, o mais alto cume da nossa cultura moderna considerada unicamente do ponto de vista teórico. E precisamente, porque ele é este cume, porque compreendeu esta categoria e, por consequência a analisou, precisamente ele está na origem de uma necessária auto-decomposição da cultura moderna. Certamente, no princípio, era ainda prisioneiro da teoria, mas porque ele é este cume, evadiu-se, está por cima dela e postula um novo mundo prático; um mundo que não se realizará, em caso algum, pela aplicação formal e a extensão de teorias feitas, mas somente por uma acção espontânea do espírito prático autónomo. A contradição é a essência a mais íntima, não somente de toda a teoria determinada ou particular, mas ainda da teoria em geral; e assim, o momento em que a teoria é compreendida é também, ao mesmo tempo, quando o seu papel acabou. Devido a este contributo a teoria transforma-se num mundo novo prático e espontâneo, na presença real da liberdade. Mas não é aqui o lugar para desenvolver longamente esta questão, e queremos ainda, mais uma vez, debruçarmo-nos sobre a discussão da natureza lógica da contradição.

                                A própria contradição, enquanto tal, inclui os dois termos exclusivos num e no outro, é total, absoluta, verdadeira; não se lhe pode censurar esta natureza exclusiva à qual está necessariamente ligado um carácter superficial e estreito, porque ela não é somente o negativo, mas é também o positivo e, englobando-o inteiramente, é a plenitude total, absoluta, não deixando nada fora dela. E isto autoriza os conciliadores a exigir que não se retenha abstractamente só um dos dois termos em exclusivo, mas que, respeitando o laço necessário e indissolúvel que os une, se apreendam na sua totalidade: “Só a contradição á verdadeira”, dizem eles: “cada um dos termos opostos, tomados em si, é exclusivo e, portanto, falso; resulta que devemos compreender a contradição na sua totalidade para conhecermos a verdade”. Mas é precisamente aqui que começa a dificuldade: a contradição é bem a verdade, mas não existe como tal, ela não é como a totalidade, é somente uma totalidade em si e escondida, e a sua existência nasce precisamente da oposição e da divisão dos seus dois termos: o positivo e o negativo. A contradição, enquanto que verdade total, é a união indissolúvel da sua simplicidade e da sua própria divisão num princípio único. É essa a sua natureza em si, a sua natureza escondida que, por consequência, o espírito não pode imediatamente apreender, e precisamente porque esta união está escondida, a contradição só existe unicamente sob a forma da divisão dos seus termos e não é mais que a adição do positivo e do negativo; ora, estes termos excluem-se um ao outro tão categoricamente que esta exclusão recíproca constitui toda a sua natureza. Mas então como compreender a contradição na sua totalidade? Restam-nos, parece, duas saídas: ou bem que arbitrariamente é preciso fazer a abstracção da divisão refugiar-se nesta totalidade da contradição, totalidade simples e precedente da divisão — mas isto á impossível, porque o que escapa à compreensão nunca pode ser compreendido pelo espírito e porque a contradição, como tal, não tem existência imediata senão como divisão dos seus termos, e sem estar não existe; ou bem que é preciso procurar conciliar os termos opostos com um cuidado maternal, e é nisto que se esforça a escola conciliadora: vamos ver se tem êxito.


                                CARACTERES DO POSITIVO E DO NEGATIVO:
                                PREPONDERÂNCIA DO NEGATIVO

                                O positivo parece ser, primeiramente, o elemento calmo e imóvel; e mesmo é positivo unicamente porque nele não repousa nenhuma causa de perturbação e não há nada nele que possa ser uma negação, porque, enfim, no interior do positivo não há nenhum movimento, visto que todo o movimento é uma negação. Mas precisamente o positivo é tal que nele a ausência de movimento está estabelecida como tal, e assim, tomado em si, tem por imagem a ausência total do movimento; ora, a imagem que evoca em nós a imobilidade está indissoluvelmente ligada à do movimento, ou antes, elas não são mais que uma só e mesma imagem, e assim o positivo, repouso absoluto, só é positivo em oposição ao negativo, agitação absoluta. A situação do positivo relativamente ao negativo apresenta-se assim sob dois aspectos: de uma parte, traz consigo o repouso, e esta calma apática que o caracteriza não tem qualquer traço do negativo, em si; de outra parte, para conservar este repouso, afasta energicamente dele o negativo, como se tivesse qualquer coisa de oposto ao negativo. Mas a actividade que desenvolve para excluir o negativo é um movimento, e assim o positivo, tomado em si mesmo e precisamente por causa da sua positividade, já não é mais o positivo, mas o negativo; eliminando dele o negativo, elimina-se a ele próprio e corre para a sua própria perda.

                                O positivo e o negativo não são, em consequência, iguais em direitos como o pensam os conciliadores; a contradição não é um equilíbrio, mas uma preponderância do negativo. O negativo é, portanto, o factor dominante da contradição, determina a existência do positivo e encerra só em si a totalidade da contradição: é também ele o único que está autorizado, por direito, de uma maneira absoluta. Talvez me objectem não termos admitido que o negativo considerado abstractamente é tão exclusivo como o positivo e que o alargamento da sua existência actual imperfeita conduzirá a um achatamento universal? Sim! mas falei somente da existência actual do negativo, falei do negativo que, afastado do positivo, dobra-se pacificamente sobre si mesmo e, assim toma os caracteres do positivo. E como tal, é negado pelo positivo, e os positivistas consequentes, negando a existência do negativo e o seu pacífico comportamento executam ao mesmo tempo uma função lógica e sagrada... sem, aliás, saber o que fazem. Julgam negar o negativo, e ao contrário, negam o negativo unicamente na medida em que se identifica com o positivo; acordam o negativo deste repouso de bom burguês para que não está destinado e reconduzem-no à sua grande vocação: sem descanso e sem reservas, destruir tudo o que tiver uma existência positiva.

                                Reconheçamos que o positivo e o negativo têm direitos iguais, mas este último dobra-se sobre si próprio pacifica e egoisticamente e, assim, é infiel à sua missão. Mas o negativo não deve ser egoísta, deve-se dar com amor ao positivo para o absorver e, neste acto de destruição religioso, cheio de fé e de vida, revelar a sua natureza íntima inesgotável e cheia de futuro. O positivo é negado pelo negativo e, inversamente, o negativo pelo positivo; portanto, o que é comum a ambos e quem os domina? O facto de negar, de destruir, de absorver apaixonadamente o positivo, mesmo quando este procura com astúcia esconder-se sob os traços do negativo. O negativo encontra a sua justificação nesta negação radical —  e como tal está absolutamente justificado: é, na realidade, por ele que age o espírito prático bem presente como invisível na contradição, o espírito que, por esta tempestade de destruição, exorta ardentemente à penitência das almas pecadoras dos conciliadores e anuncia a sua vinda próxima, a sua Revolução próxima numa Igreja da Liberdade verdadeiramente democrata e aberta à humanidade universal.
                                Esta auto-decomposição do positivo é a única conciliação possível entre o positivo e o negativo, porque este último é ele mesmo, de maneira imanente e total, o movimento e a energia da contradição. Assim, qualquer outro modo de conciliação é arbitrário, e todos aqueles que tendem para uma conciliação demonstram somente pela mesma que não estão penetrados pelo espírito do tempo e que são estúpidos, ou sem carácter: não se é, na realidade, verdadeiramente inteligente e moral se se abandona por completo este espírito e se se é penetrado por ele. A contradição é total e verdadeira: mesmo os conciliadores o reconhecem. Sendo total é animada por uma vida intensa, e desta vida que abraça extrai precisamente a sua energia, do positivo ardente na chama pura do negativo.


                                ARGUMENTOS DOS CONCILIADORES E CRÍTICA
                                DESTES ARGUMENTOS

                                Que fazem então os conciliadores? Concedem-nos tudo isto, reconhecem, como nós, o carácter total da contradição, com a diferença de que a despojam — ou antes, querem despojá-la — do seu movimento, da sua vitalidade e da sua alma inteiramente: esta vitalidade, na realidade, é uma força prática, incompatível com as suas alminhas impotentes, e por isso mesmo acima de tudo o que possam tentar para a sufocar. Já dissémos e demonstrámos que o positivo, tomado em si mesmo, está privado de todos os direitos: não se justifica senão na medida em que opõe a sua recusa à quietude do negativo e a toda a relação como ele, em que afasta de si o negativo categoricamente e sem reservas e mantém assim a sua actividade, na medida, enfim, em que se transforma num negativo activo. Esta actividade que consigo carrega a negação, à qual os positivistas se elevam graças à potência invencível da contradição e à sua presença invisível em todas as naturezas vivas, esta actividade que constitui a única justificação dos positivistas e o único sinal da sua vitalidade, é ela precisamente que os conciliadores querem proibir. Por uma desgraça singular e incompreensível, ou antes, em razão desta desgraça perfeitamente compreensível que nasce da sua falta de carácter e da sua importância na vida prática, não conhecem nos elementos positivos senão
                                o que neles há de morto, de apodrecido, e dedicados à destruição recusam o que cria toda a sua vitalidade: a luta viva com o negativo, a presença da contradição.
                                E vejamos o que dizem aos positivistas: “Senhores, vocês têm razão em conservar os restos apodrecidos e ressecados pela tradição. Como a vida é bela e agradável nas ruínas, neste mundo absurdo da rococó cujo ar, para os nossos espíritos anémicos, é tão saudável como o ar de um estábulo para os corpos anêmicos. No que nos diz respeito, nós ter-nos-íamos estabelecido com a maior alegria no vosso mundo, num mundo onde o Verdadeiro e o Sagrado não se avaliem à escala da razão e das decisões razoáveis da vontade humana, mas àquela da longa duração e da imobilidade, um mundo como, em consequência, é certamente a China com os seus mandarins e os seus bestonados para a Verdade absoluta. Mas, o que é preciso fazer agora, senhores? Vivemos dos tristes tempos, nossos inimigos comuns, os negativos, ganharam muito terreno. Á nossa raiva para com eles é também forte, senão mais forte que a vossa, porque eles se permitem nos seus excessos desprezar-nos. Mas tornaram-se fortes e é-nos necessário — quer queiramos, quer não — levá-los em consideração, sob pena de sermos inteiramente destruídos por eles. Não sejam, portanto, tão fanáticos, senhores, concedam-lhes um lugarzito na vossa sociedade. Que vos importa se, no vosso museu histórico, eles tomam o lugar frequentemente de ruínas, aliás muito veneráveis mas completamente arruinados? Acreditem-nos: contentíssimos da honra que assim lhes testemunhais, conduzir-se-ão na vossa respeitável sociedade com muita calma e discrição. Não são, afinal de contas, senão indivíduos jovens tornados amargos pela necessidade e a falta de uma situação isenta de cuidados: é a única razão dos seus gritos a de todo o barulho que fazem, esperançados por adquirirem uma certa importância e obterem um lugar agradável na sociedade.”

                                Depois voltam-se para os negativistas e dizem-lhes: “Senhores as vossas aspirações são nobres! Compreendendo o vosso entusiasmo juvenil pelos puros princípios temos por vós a maior simpatia; mas, acreditem-nos, os puros princípios são na sua pureza inaplicáveis á vida; é necessário para viver ter uma certa dose de eclectismo, o mundo não se deixa guiar segundo os vossos desejos e é preciso ceder-lhe sobre certos pontos para poder exercer sobre ele uma acção eficaz: senão a vossa situação no mundo estará completamente perdida”. Os conciliadores parecem-se com os judeus polacos que, diz-se, aquando da última guerra da Polónia, queriam prestar serviços aos dois partidos em luta, aos polacos e aos russos, e foram pendurados por um e por outro; da mesma maneira, estes infelizes atormentem-se com o seu empreendimento impossível de conciliação exterior e, em agradecimento, são desprezados pelos dois partidos. É somente deplorável que na época actual falte tanta força e energia para fazer sua a lei de Sólon![3]

                                ”Não passam de frases!” dirão; “os conciliadores são indivíduos, na maior parte, honrosos e tendo uma formação científica há entre eles um grande número de pessoas universalmente consideradas e altamente colocadas, e vocês apresentam-os como indivíduos sem discernimento e sem carácter!” Que posso contra isso, se isso é verdade? Não me quero entregar a qualquer ataque pessoal; os sentimentos íntimos de um indivíduo são para mim uma coisa santa e inviolável, qualquer coisa de incomensurável sobre a qual nunca me permitiria fazer um julgamento; eles podem ter para o indivíduo um valor imenso, mas, na realidade, para o mundo eles existem, na medida em que se manifestam, e o mundo vê-os tal como eles se manifestam. Todo o homem é realmente o que é no mundo real, é-me impossível chamar branco ao que é preto.

                                Sim, responderão, as aspirações dos conciliadores parecem-nos negras, ou mais exactamente acinzentadas; na realidade, querem somente o progresso, tendem para ele e favorizam-no mais que vós mesmos, metendo-se ao trabalho com prudência e não com a presunção dos democratas que procuram fazer saltar o mundo inteiro. Mas já vimos o que é este pretendido progresso visado pelos conciliadores, já vimos que eles não querem, no fundo nada que não seja abafar o único princípio vivo da nossa época, aliás, tão miserável, o princípio criador e rico de futuro do movimento que desintegra todas as coisas. Vêem tão bem como nós que o nosso tempo é o da contradição; admitem que é uma situação difícil e cheia de tumultos, mas no lugar de a deixarem evoluir, sob o efeito da contradição levada ao seu termo, para uma realidade nova, afirmativa e orgânica, querem manter eternamente esta situação, tão miserável e tão débil na sua existência presente, através duma infinidade de reformas graduais. É isto progresso? Eles dizem aos positivos: “Conservais o que é velho, mas permiti ao mesmo tempo aos negativos desagregá-lo pouco a pouco”. E aos negativos; “Destrui o que é velho, mas não de um só golpe nem totalmente, afim que possais ter sempre qualquer obra a fazer; quer dizer, ficai cada um na vossa exclusividade, enquanto que nós os Eleitos, guardaremos para nós o usufruto da totalidade!” Miserável totalidade que somente pode satisfazer os espíritos miseráveis! Eles despojam a contradição da sua alma prática e sempre em movimento e regozijam-se de poder, em seguida, tratá-la segundo a sua fantasia. A grande contradição actual não é para eles uma força prática do tempo presente, à qual todo o ser vivo deve abandonar-se para conservar a sua vitalidade, mas um simples brinquedo teórico. Não estão penetrados pelo espírito prático do tempo e são, por esta razão, indivíduos sem moralidade; sim, sem moralidade! eles que se vangloriam da tal forma da sua moralidade! Porque fora desta igreja da humanidade livre não haveria possibilidade de haver moralidade, sem a qual não há salvação! É preciso repetir-lhes o que o autor do Apocalipse diz aos conciliadores do seu tempo[4];
                                 “Conheço a tua conduta; não és nem trio, nem quente - não és nem uma coisa, nem outra!
                                 Assim, já que estás tépido, nem quente nem trio, vou vomitar-te da minha boca.
                                 Tu imaginas-te: eis-me rico, enriqueci-me e nada me falta; mas tu não o vês; és tu que és infeliz, piedoso, pobre, cego e nu.”

                                “Mas” dir-me-ão, “não irão cair, com a vossa separação absoluta dos extremos, neste ponto de vista abstracto desde há muito tempo superado por Shelling e Hegel? E este mesmo Hegel que tendes em tão alta consideração, não remarcou justamente que na luz pura se vê tão pouco como na obscuridade pura, e que só a união concreta dos dois torna a visão geralmente possível? E o grande mérito de Hegel não é de ter demonstrado que todo o ser vivo não vive se não possuir a sua negação não exteriormente a ele, mas nele como uma condição vital imanente, e que se fosse somente positivo e tivesse a sua negação exteriormente a ele, seria privado de movimento e de vida?”. Sei-o muito bem, senhores! Admito que, por exemplo, um organismo vivo não vive se não traz o germe da sua morte. Mas se querem citar Hegel, é necessário fazê-lo integralmente. Vereis então que o negativo não é condição vital dum determinado organismo senão durante o tempo em que aparece nesse organismo como factor mantido na sua totalidade. Vereis que chega um momento onde a acção gradual do negativo é bruscamente quebrada, transformando-se em principio independente, que este instante significa a morte deste organismo e que a filosofia de Hegel caracteriza este momento como a passagem da natureza a um mundo qualitativamente novo, ao mundo livro do espírito.

                                CONTRADIÇÃO SEMPRE MAIS AGUDA ENTRE
                                NÃO-LIBERDADE E LIBERDADE
                                DECOMPOSIÇÃO DAS IGREJAS E DOS ESTADOS

                                 Os mesmos factos reproduzem-se na história; por exemplo, o princípio da liberdade teórica despertou no mundo católico do passado desde os primeiros anos da sua existência. Este princípio foi a fonte de todas as heresias tão numerosas no catolicismo. Sem este princípio, o catolicismo teria permanecido congelado; foi, portanto, ao mesmo tempo o princípio da sua vitalidade, mas somente, enquanto foi mantido na sua totalidade como um factor simples. E assim o protestantismo fez, pouco a pouco, a sua aparição; a sua origem remonta mesmo à origem do catolicismo, mas um dia a sua progressão cessou bruscamente de ser gradual e o princípio da liberdade teórica elevou-se até se tornar um princípio autónomo e independente. É somente então que a contradição aparece na sua pureza, e vós bem o sabeis, senhores, vós que vos dizeis protestantes, o que Lutero respondeu aos conciliadores do seu tempo quando lhe vieram propor os seus serviços.

                                Como vemos, a ideia que faço sobre a natureza da contradição presta-se a uma confirmação não somente lógica, mas também histórica. Sei que nenhuma demonstração tem efeito sobre vós, porque, sendo sem vida, vós tendes como ocupação preferida o domínio da história, e não é sem razão que vos consideraram arrumadores insensibilizados! “Não estamos ainda vencidos” talvez me respondam os conciliadores; “tudo o que dizeis sobre a contradição é verdadeiro; mas há uma coisa com que não podemos estar de acordo, é que a situação actual esteja tão má como a pretendeis. Há contradições na nossa época, mas não são tão perigosas como vós o assegurais. Vejamos, em toda a parte reina a calma, em toda a parte a agitação está sossegada, ninguém pensa na guerra e a maioria da nações e dos homens vivos actualmente empregam todas as suas forças para manter a paz; é que eles sabem que, sem a paz, não podem ser favorecidos os seus interesses materiais, que parece terem-se tornado o principal negócio da política e do mundo civilizado. Que excelentes ocasiões apareceram para fazer a guerra e para destruir o regime existente, desde a revolução de Julho até aos nossos dias! Durante estes doze anos produziram-se tais complicações que nunca se acreditou ser possível a sua solução pacífica, houve tantos momentos em que um conflito geral parecia inevitável e que as mais terríveis tempestades nos ameaçavam: e, entretanto, as dificuldades, pouco a pouco, desapareceram, tudo ficou tranquilo e a paz parece ter-se estabelecido para sempre sobre a terra”!

                                A paz, dizeis vós: como se se pudesse chamar paz a isto! Sustento, ao contrário, que nunca as contradições estiveram tão acentuadas como no presente; afirmo que a eterna contradição que existe desde sempre, mas que, durante a história, não fez mais que crescer e desenvolver-se esta contradição entre a liberdade e a não-liberdade, tomou o seu impulso no nosso tempo tão análogo aos períodos da decomposição do mundo pagão e atingiu o apogeu! Não leram sobre o frontão do templo da Liberdade erigido pela Revolução estas palavras misteriosas e terríveis: Liberdade, Igualdade, Fraternidade? Não sabeis e não sentis que estas palavras significam a destruição total da presente ordem política e social? Nunca ouviram dizer que Napoleão, esse pretenso vencedor dos princípios democráticos, tem, como filho digno da Revolução, propagado por toda a Europa, pela sua mão vitoriosa, os princípios igualitários? Talvez ignorais tudo sobre Kant, Fichte, Schelling e Hegel, e não sabeis verdadeiramente nada de uma filosofia que, no mundo intelectual, estabeleceu o princípio da autonomia do espírito, idêntico ao princípio igualitário da Revolução? Não compreendeis que este princípio está em contradição absoluta com todas as religiões positivas actuais, com todas as Igrejas existentes?

                                ”Sim”, respondeis, “mas estas contradições são justamente da história antiga; em França, a revolução foi vencida pelo sábio governo de Louis-Philippe, e foi Schelling, ele próprio, que recentemente derrubou a filosofia moderna, quando tinha sido ele um dos seus maiores fundadores. Em toda a parte, e agora em todas as esferas da vida, a contradição será superada!” Acreditais verdadeiramente nesta resolução, nesta vitória sobre o espírito revolucionário? Sois, portanto, cegos ou surdos? Não tendes olhos nem orelhas para perceber o que progride à vossa volta? Não, senhores, o espírito revolucionário não foi vencido; a sua primeira aparição abalou o mundo inteiro até aos seus fundamentos, em seguida apenas se dobrou sobre si próprio, ocultou-se somente em si para pouco depois, de novo, se anunciar como o princípio afirmativo e criador, e escava agora sob a terra como uma toupeira, segundo a expressão de Hegei! Que não trabalha inutilmente, é o que mostram todas estas ruínas que juncam o solo do edifício religioso, político e social. E falais de superação da contradição e de reconciliação! Olhai à vossa volta e dizei-me o que ficou vivo do velho mundo católico e protestante? Falais de vitória sobre o princípio negativo! Não leram nada de Strauss, de Feuerbach e de Bruno Bauer, não sabeis que as suas obras estão em todas as mãos? Não vêem que toda a literatura alemã, todos os livros, jornais e brochuras estão penetrados por este espírito negativo e que mesmo as obras dos positivistas, inconsciente e involuntariamente, o estão também. E é a isto que chamais paz e reconciliação!

                                Sabemos que a humanidade, em razão da sua nobre missão, não pode encontrar a sua satisfação e o seu apaziguamento senão no princípio prático universal, num princípio que com força abraça a si as mil diversas manifestações da vida espiritual. Mas onde está este princípio, senhores? Entretanto, chegamos por vezes, durante a vossa existência ordinária tão triste, a viver instantes cheios de vida e de humanidade, desses instantes em que rejeitais para longe de vós os móveis mesquinhos que animam a vossa vida quotidiana e aspirais à verdade, a tudo o que é grande e santo; respondam-me então sinceramente, a mão sobre o coração: já encontrásteis em alguma parte qualquer coisa de vivo? Já alguma vez, entre as ruínas que nos rodeiam, descobriram este mundo tão desejado onde poderíeis renascer para uma nova vida num abandono total e numa comunhão perfeita com toda a humanidade? Seria isto, por acaso, o mundo do protestantismo? Mas esse está atormentado pelas mais horríveis desordens, e em quantas seitas diferentes não está ele dividido? “Sem um grande entusiasmo geral”, diz Schelling, “só há seitas, mas não há opinião pública”. E o mundo protestante actual está em mil lugares a ser penetrado por um tal entusiasmo, porque é o mundo mais prosaico que se possa imaginar. Seria isto, por acaso, o catolicismo? Mas onde está o seu antigo esplendor? Ele, que foi o mestre do mundo, não se tornou o instrumento submisso de uma política imoral, estranha aos seus princípios? Ou talvez encontreis a vossa satisfação no Estado tal como é presentemente? Pois bem! isto seria uma bonita satisfação! O Estado consagrou-se, agora, às contradições interiores mais extremas, porque o Estado sem religião e sem princípios sólidos comuns não pode viver. Se vos quereis convencer, olhai somente para a França e Inglaterra: prefiro não falar da Alemanha!
                                Olhai para vós mesmos, senhores, e digam-me sinceramente se estais contentes convosco e se vos é possível ser? Não vos pareceis todos, sem excepção, com os tristes e miseráveis fantasmas da nossa triste e miserável época? Não estais cheios de contradições? Sois homens inteiros? Acreditais verdadeiramente em alguma coisa? Sabeis o que quereis e, sobretudo, sois capazes de querer alguma coisa? O pensamento moderno, esta epidemia da nossa época, terá deixado viva uma só parte de vós, não vos penetrou até ao recôndito, paralisados e quebrados? Em verdade, senhores, é necessário que reconheçam que a nossa época é uma época miserável e que nós somos as crianças ainda mais miseráveis!

                                DA DESTRUIÇÃO DO VELHO MUNDO SURGIRÁ
                                UMA ORDEM NOVA

                                Mas por outro lado manifestam-se à nossa volto fenómenos precursores: são o sinal de que o Espírito, esta velha toupeira[5], acabou o seu trabalho subterrâneo e irá
                                brevemente reaparecer para fazer a sua justiça. Formam-se, por todo o lado, e sobretudo em França e na Inglaterra, associações de tipo, ao mesmo tempo, socialista e religioso, que, inteiramente à parte do mundo político actual, irão buscar a sua vitalidade em fontes novas e desconhecidas, desenvolvendo-se e propagando-se secretamente. O povo, a classe das pessoas pobres que constituem sem dúvida alguma a imensa maioria da humanidade[6], essa classe de que já se reconheceu os direitos em teoria, mas que o seu aparecimento e a sua situação de condenados, até ao presente, à miséria e à ignorância e, do mesmo modo, a uma escravidão de facto, esta classe que constitui o povo propriamente dito, toma por toda a parte uma atitude ofensiva; começa a enumerar os seus inimigos, cujas forças são inferiores às suas, e a reclamar a efectivação dos seus direitos que todos já lhe reconheceram. Todos os povos e todos os indivíduos estão plenos de um vago pressentimento, e todo o ser normalmente constituído espera ansiosamente este futuro próximo, onde serão pronunciadas as palavras libertadoras. Mesmo na Rússia, esse império imenso de estepes cobertas de neve que conhecemos tão pouco e a quem se abre talvez um grande futuro, mesmo nesta Rússia se amontoam nuvens escuras, precursoras da tempestade. Oh! a atmosfera sufoca o está cheia de tempestades!


                                [1] Bakunine referia-se, sem dúvida, à passagem do Evangelho segundo S. Mateus “Não é dizendo-me: Senhor! Senhor! que se entra ao reino dos céus, mas é fazendo a vontade de meu Pai que está nos céus” (A Bíblia, editada pela Escola Bíblica do Jerusalém — pág. 1298).

                                [2] Segundo uma nota de Rainer Beer (Bakounine — “Phllosophie der Tat”, Edições Hegner, em Colónia) este sobrenome, designaria um teórico do Direito, Fréderic Julius Stahl (1820-1861), um dos criadores desta concepção cristã-conservadora que concebe ao Estado e ao Direito uma origem divina

                                [3] Por volta da 594 a. o. Solon promulgou em Atenas ame isi surpreendente: perda parcial ou total dos direitos políticos (atimie) dos cidadãos culpados de abstenção política em caso de agitação ou da perigo necional Por volta de 454 a. o., depois de Marathon e antes da grande Invasão de Xerxes, esta lei tinha cado em desuso e para combater os sd,,ersár]os do rearmamento de Atenas, Thérmisrode lisa o ostracismo.
                                [4] As linhas que se seguem são extraídas do Apocalipse; cartas às Igreja da Ásia (Laodicée). O texto referido é reproduzido da Bíblia (Escola Bíblica de Jerusalém), pág. 623. O texto alemão de Bakunine está inteiramente conforme a tradução apresentada.

                                [5] Alusão e essa passagem de Haqel: -Frequentemente parece que o espirito esquece-se, perde-se; mas no interior está sempre em opoolçâo cora ele mesmo. é progresso interior, como Hemlat diz do eepprilo de seu pai- ‘Bom trabalho, velha toupeiral». até ao momento em que encontre nele mesmo tanta força para levantar a crosta terrestre que o separado sol”. Marx utilizou e mesma imagem: “Logo que a revolução tenha acabado o seu trabalho subterrâneo, a Europa saltará do seu lugar e rejubilará: “Bem escavado, velha toupeira!”

                                [6] Comparar Proudhon (“Filosofia do Progresso”, 1853): A classe assalariada, a mais numerosa e a mais pobre, tanto mais pobre do que numerosa.”

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